Ir direto para menu de acessibilidade.
Início do conteúdo da página

Revolta da Vacina

Publicado: Terça, 21 de Janeiro de 2020, 13h38 | Última atualização em Quinta, 23 de Janeiro de 2020, 15h56 | Acessos: 62108
imagem sem descrição.

 

 

Revolta da Vacina: desinformação ou rebelião justa?

Thiago Mourelle

 

A Revolta da Vacina, ocorrida em novembro de 1904, foi o maior motim da história do Rio de Janeiro, que na época era a capital do Brasil. Na nossa história ela merece, no espaço urbano, a mesma importância que Canudos e Contestado têm no meio rural.

Mas, quando estudamos o fato, sempre paira a dúvida: por que a população se revoltou contra algo que, na teoria, era benéfico a ela? Nesse texto, responderemos.

 

Reformas urbanas: a expulsão dos pobres do centro do Rio

O ponto central para se compreender a Revolta da Vacina é saber o que estava acontecendo no Brasil naqueles anos iniciais do século XX. A população da cidade do Rio de Janeiro, que no fim do Império era cerca de 500 mil habitantes, cresceu em torno de 40% em menos de duas décadas, atingindo cerca de 700 mil pessoas em 1904.

Após a Proclamação da República, cresceu a migração interna. Milhares de brasileiros vieram de estados em crise ou mesmo do Vale do Rio Paraíba, interior do Rio – onde as fazendas de café passavam por uma crise – para tentar a vida na capital. Houve também enorme entrada de migrantes do exterior, em especial portugueses e italianos. O aumento populacional, sem uma sem uma melhoria na infraestrutura da cidade e sem que houvesse emprego suficiente, gerou o aumento da criminalidade e a queda na qualidade de vida que já não era das melhores. Vadiagem, alcoolismo e prostituição também se intensificaram.

Como se não bastasse, havia ainda outro grave problema: epidemias de várias doenças se espalhavam pela cidade. A má fama do Rio cada vez mais se espalhava internacionalmente. O Rio de Janeiro chegou a receber o triste apelido de “túmulo de estrangeiros” e muitos navios que passavam pela América do Sul começaram a evitar passar pela cidade com medo de que a tripulação e os passageiros tivessem contato com doenças como a varíola e a febre amarela, que assolavam a capital brasileira. Como exemplo, podemos citar o navio italiano Lombardia, de passagem pela cidade em 1895, que teve 234 das 337 pessoas a bordo infectadas pela febre amarela.

Diante dessa realidade, o presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves, eleito para o mandato de 1902 a 1906, decidiu ter como principal plataforma de governo a reforma do porto do Rio e o saneamento da cidade, em especial da região central. O problema é como isso foi feito. Mais de 14 mil pessoas foram expulsas de suas casas, sem ter pra onde ir e sem o governo indicar uma solução de moradia.

Intensificou-se a política de demolição de quarteirões inteiros, em especial os cortiços, que eram as moradias mais populares. Mais de 600 foram destruídos para dar passagem às novas avenidas, em especial a ampla e inovadora Avenida Central (atual Avenida Rio Branco). A reforma urbana, inspirada na realizada em Paris em meados do século XIX, recebeu o apelido de “bota-abaixo”. Além do presidente Rodrigues Alves, o prefeito Francisco Pereira Passos foi o outro grande idealizador e executor da transformação realizada. Filho de um cafeicultor do Vale do Paraíba, Pereira Passos era engenheiro, assim como Paulo de Frontin, que comandou abertura da citada Avenida Central e de outras duas: a do Cais (atual Rodrigues Alves) e o Canal do Mangue.

A higienização também estava na ordem do dia. Em 1903, Pereira Passos nomeou Oswaldo Cruz, sanitarista que havia passado pelo renomado Instituto Pasteur, da França, como Diretor Geral de Saúde Pública. Deu-lhe “carta branca” para agir no intuito de eliminar a peste bubônica, a febre amarela e a varíola, que vitimavam milhares de pessoas todos os anos. Oswaldo Cruz atuou em várias frentes para realizar seu trabalho. Apoiou as demolições e a abertura de grandes avenidas, facilitando a circulação de ar. Para combater a peste bubônica, a exterminação de ratos foi a meta traçada – na época, chegou-se a premiar financeiramente os cidadãos que entregassem ratos mortos às autoridades e houve quem criasse ratos em casa apenas para tê-los como uma fonte de renda.

Contra a febre amarela, os chamados “mata-mosquitos” passaram a atuar exterminando-os, muitas vezes entrando nas casas das pessoas acompanhados de autoridades policiais com autorização da justiça, que obrigava o dono da residência a abrir todos os aposentos para atuação do agente de saúde. Essa prática deu início às primeiras críticas mais veementes à forma como se estava sendo conduzido o combate às doenças. Muitos foram os casos de reclamações sobre invasão dos agentes de saúde a propriedades particulares e da forma grosseira com a qual tratavam os proprietários. Houve casos, como o de Maximiano Paradas, que entrou na Justiça com um habeas corpus preventivo para que os sanitaristas não entrassem em sua casa; temia que as substâncias químicas utilizadas fizessem mal à sua esposa, que estava em estágio avançado de gravidez.

Já a varíola, passado o primeiro semestre de 1904, já registrava 1.761 internações no Hospital de Isolamento São Sebastião, que enfrentava falta de enfermeiros, conforme denunciou o Jornal do Brasil em 12 de julho de 1904. A solução escolhida foi a implementação de uma lei que tornasse a vacina obrigatória. O senador alagoano Manuel José Duarte apresentou no Congresso Nacional um projeto com este fim em julho de 1904. Teve início então uma verdadeira guerra nos jornais e entre os parlamentares: uns eram contra e outros apoiavam a lei. Mesmo com ampla maioria na Câmara e no Senado, o governo levou quatro longos meses enfrentando intensos debates e a insatisfação da opinião pública.

No Congresso, a Comissão Parlamentar de Instrução e Saúde Pública deu parecer favorável ao projeto, justificando que a vacinação havia obtido sucesso em outros países e que estava sendo usada a ciência em benefício da sociedade. O texto da comissão dizia que os críticos à lei não se apoiavam em dados concretos, mas em "doutrinas políticas", "preconceitos religiosos" e "arrogâncias da vaidade humana"; e defendia a aplicação da vacina, que se baseava na "experimentação” e era “comprovada na constância de seus efeitos". O parecer termina dizendo que o Estado deveria "salvaguardar o interesse geral", que era a eliminação da doença, e, por isso, o projeto deveria ser aprovado.

A Lei 1261 foi assinada em 31 de outubro de 1904 pelo presidente Rodrigues Alves. Um texto curto, de menos de duas páginas e seis breves itens decidindo pela obrigatoriedade. Crianças de até seis meses só não seriam vacinadas se estivessem doentes. Nesse caso, deveriam se vacinar depois de recuperadas. A partir do sexto mês todos deveriam se vacinar e tomar novas doses a cada sete anos. Apenas quem se vacinou nos últimos seis anos estaria dispensado da agulha. A brevidade do texto deixava muitas dúvidas e, em razão disso, era necessário criar um regulamento para explicar melhor para a população como se daria a vacinação.

 

O polêmico projeto de lei da vacinação obrigatória

Desenvolvida pelo médico inglês Edward Jenner no século XVIII, a vacina já chegara ao Brasil desde o início do XIX e teve em D. João VI um entusiasta. A vacinação obrigatória tinha sido implantada e obtido sucesso na Alemanha (1875), Itália (1888) e França (1902), exemplos citados pelos defensores de sua aplicação no Brasil.

Ela era produzida a partir de estudos de vacas doentes e, a partir daí, espalhou-se entre os brasileiros o boato de que quem se vacinava ficava com o rosto parecido com esse animal. Além da entrada compulsória nas casas, o fato das mulheres terem que retirar partes de suas roupas para receber a aplicação da injeção também causava polêmica.

Em julho de 1904, 23.021 pessoas procuraram a Saúde Pública do município do Rio para se vacinar. Em agosto, mês seguinte, somente 6036. Duvidava-se da eficácia da vacina. A morte de uma mulher poucos dias após de vacinar foi usada como pretexto pelo grupo antivacina e assustou a população. Diante disso, a obrigatoriedade da vacina se tornou ainda mais importante para as autoridades, a fim de se evitar o fracasso da campanha. O debate pegou fogo e, enquanto os defensores da vacinação chamavam a lei de “humana”, os críticos a chamavam de “obscena”.

O grande equívoco do governo foi a falta de uma campanha de informação e mobilização da população e uma despreocupação total com a preparação psicológica dos vacinados, uma vez que a resistência só havia crescido durante os quatro meses de discussões sobre a lei de vacinação obrigatória.

Não se pode esquecer que por detrás das dúvidas acerca da vacina estavam também concepções diferentes de cura, de direito individual e coletivo, da relação entre Estado e sociedade, além de questões éticas. Havia gente que era a favor da vacina, mas considerava um equívoco usar a força para vacinar as pessoas. A obrigação era considerada uma afronta às liberdades individuais.

O deputado gaúcho Barbosa Lima foi um dos principais líderes da oposição ao projeto. Ele chegou a apresentar o exagerado número de trinta emendas ao texto, várias praticamente inutilizando o projeto, como a que dizia que “não serão vacinadas as pessoas que alegarem motivo de consciência e também as que não quiserem”.

Após a aprovação da lei, a discussão se estendeu para a regulamentação, já que a lei previa a obrigatoriedade, mas era necessária a criação de um regulamento pelas autoridades explicando o passo-a-passo de como a vacinação ocorreria. E, mais uma vez, o governo foi autoritário, sem abrir debates ou ouvir qualquer sugestão. Impôs um regulamento que impossibilitava qualquer chance de evitar a vacinação. Quem não se vacinasse seria impedido de realizar a matrícula em escolas, ter vínculo empregatício formal e não formal, votar, viajar e até casar; para tudo isso teria que apresentar comprovante de vacinação. Incomodou também a população o fato da vacinação abranger de recém-nascidos a idosos, impondo também penalidades aos que não realizassem exames e reexames requeridos pelos médicos.

Esse regulamento rígido foi escrito pelo Departamento de Saúde Pública, saindo das mãos do próprio Oswaldo Cruz, e foi o estopim para a revolta. As condições da aplicação da vacina, as punições severas a quem se negasse, a falta de esclarecimento sobre seus benefícios e a obrigação da lei foram os problemas geradores do quadro de rebelião generalizada que se seguiu.

Em 9 de novembro de 1904, o jornal A Notícia publicou, com exclusividade e sem autorização formal, o regulamento na íntegra. A partir daí o povo, enfurecido, saiu às ruas e, durante uma semana, enfrentou a polícia, o Exército, a Marinha e o Corpo de Bombeiros numa batalha campal nunca vista na capital brasileira.

 

Um Rio de sangue: as ruas transformadas em praça de guerra

Mais do que uma revolta especifica contra a vacinação, a Revolta da Vacina se configurou numa grande revolta da população contra o autoritarismo do governo, que expulsava populares das suas moradias no centro do Rio. Lembremos que o bota-abaixo demoliu mais de 600 cortiços e deixou cerca de 14 mil pessoas desabrigadas. Depois, invadiu as casas que sobraram para as medidas sanitárias, interferindo no espaço privado e na vida cotidiana do brasileiro. Por fim, veio a obrigatoriedade da vacinação com toda a rigidez citada acima. Revoltada, a população colocou pra fora todo o seu incômodo contra as medidas autoritárias.

Grupos políticos aproveitaram a indignação da população para tentar derrubar o governo do presidente Rodrigues Alves. Monarquistas depostos pelo novo regime eram financiadores e incentivadores de um golpe de Estado; apoiavam radicais que haviam ascendido durante os governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, que eram chamados de florianistas ou jacobinos. Estes, inspirados no positivismo, queriam um governo ditatorial a fim de implementar uma sociedade industrial. Eram apoiados por setores urbanos difusos como trabalhadores do serviço público, profissionais autônomos, pequenos empresários, bacharéis desempregados e, segundo o pesquisador Nicolau Sevcenko, “uma vasta multidão de locatários de imóveis, arruinados e desesperados, que viam o discurso estatizante, nacionalista, trabalhista e xenófobo dos cadetes como sua última tábua de salvação”.

O senador Lauro Sodré e os deputados Barbosa Lima e Alfredo Varela se opuseram à lei da vacinação obrigatória e inflamaram os rebeldes contra o presidente Rodrigues Alves. Varela diariamente trazia no jornal O Comercio do Brasil, do qual era dono, reportagens de incentivo à resistência à vacina, considerando a lei despótica e criticando a entrada de pessoas estranhas nas casas sem o consentimento dos proprietários. Já Sodré, em encontro com trabalhadores na Praça Tiradentes – região central –, fundou a Liga Contra a Vacina Obrigatória em 5 de novembro de 1904. Na semana seguinte, no dia 9, durante um evento da Liga na mesma praça, começaram os confrontos entre manifestantes e a polícia que deram início à Revolta da Vacina.

A participação dos deputados e senadores e da Liga teve importância apenas no início do movimento. Depois, cada vez mais, tomou vulto uma revolta dispersa, com vários focos de luta e de ações espontâneas que explodiram no Rio de Janeiro na semana de 9 a 16 de novembro de 1904. Do centro da cidade os confrontos se espalharam para bairros das zonas sul e norte, como Tijuca, Vila Isabel, Copacabana, Botafogo, entre outros.

Horácio José da Silva, conhecido como Prata Preta, foi um dos principais líderes populares do movimento. Capoeirista e estivador, liderou a resistência popular no bairro da Saúde, criando uma barricada que resistiu às incursões do Exército. Sua fama ganhou  jornais e revistas. Encerrada a revolta, Prata Preta foi preso e deportado para o Acre.

Foram destruídos muitos lampiões, que faziam a iluminação das ruas do Rio, o que deu à revolta o apelido de “Quebra-lampiões”. Cerca de 20 bondes foram destruídos. A situação era de ruas desertas, sem automóveis e sem bondes, e toda hora surgia a notícia de novos confrontos, mortes, feridos e até de delegacias depredadas e alvejadas por populares.

O caos estava implantado na cidade. A revolta de um povo que sofria com as reformas urbanas e as imposições governamentais atingiu uma fúria poucas vezes vista na história do Brasil. O governo precisou chamar reforços do Exército vindos dos estados do Rio, Minas e São Paulo. Insuficientes, o que levou à convocação da Guarda Nacional e, por fim, da Marinha, que bombardeou do mar alguns locais onde se instalavam os rebeldes. Mortos e feridos se espalhavam pelas ruas da cidade. Calçadas sujas de sangue. Destroços pelos quatro cantos da capital da República.

 

Em meio à revolta popular, políticos e militares tentam derrubar o governo

Em meio ao conflito, militares simpáticos a Lauro Sodré tentaram articular um golpe para derrubar o presidente Rodrigues Alves no dia 15 de novembro, data simbolicamente escolhida por se tratar do dia da Proclamação da República.

Os líderes eram Visconde de Ouro Preto, Cândido de Oliveira, Andrade Figueira e Afonso Celso. Alfredo Varella apoiava por intermédio de seu jornal. Esse grupo heterogêneo buscava influenciar a população contra o prefeito Pereira Passos e, em especial, contra o presidente Rodrigues Alves.

O governo já estava ciente da possibilidade do uso da questão da vacina para uma sublevação de parte dos militares e acompanhava de perto os passos de Lauro Sodré e Alfredo Varela, os principais líderes dos florianistas e jacobinos.

O plano era o seguinte: o general Silvestre Travassos estimularia a tropa à rebelião justamente no dia 15, durante o desfile de comemoração da proclamação. Porém, o evento cívico foi cancelado em razão das revoltas populares que ocorriam pela cidade.

Diante disso, os conspiradores anteciparam a execução do combinado em reunião no dia 14, no Clube Militar. O major Gomes de Castro deveria assumir o comando da Escola de Tática do Realengo e o general Travassos levantaria a  Escola Militar do Brasil. Porém, Gomes de Castro foi preso por Hermes da Fonseca, então comandante da Escola Tática. Já Travassos, junto de Lauro Sodré e Alfredo Varela, conseguiu depor o general Marcelo Costellat e obter o apoio de cerca de 300 alunos na Praia Vermelha, mas a pouca munição e pequeno contingente prejudicou os planos de marchar até o palácio presidencial, no bairro do Catete, para depor Rodrigues Alves.

Não conseguiram chegar ao palácio do governo, pois o presidente enviou tropas que interceptaram os revoltosos no caminho. No combate, o general Travassos morreu. Logo, a tentativa de golpe e deposição de Rodrigues Alves foi um fracasso. Os cerca de 300 cadetes da Escola Militar da Praia Vermelha e um esquadrão do Primeiro Regimento de Cavalaria, que iniciaram a revolta, foram desmobilizados em menos de 24 horas, tendo fim após navios da Marinha ancorarem à frente da escola militar e o encouraçado Deodoro e lanchas torpedeiras abrirem fogo. Contingentes do Exército que se declararam leais ao governo também atuaram contra seus colegas revoltosos.

Na Bahia e em Recife chegou a ter repercussão a tentativa de golpe militar, com alguns tentando se juntar à rebelião, porém rapidamente houve repressão das forças legalistas, sem maiores dificuldades.

Junto com a tentativa de golpe militar, a Revolta da Vacina também chegou ao fim. No dia 16 de novembro, após cerca de uma semana de violentos confrontos, a lei da vacinação obrigatória foi revogada e, aos poucos, a cidade do Rio de Janeiro voltou à normalidade. O saldo foi de 30 mortos, centenas de feridos e quase mil presos. Esses foram os números oficiais, mas estima-se que sejam maiores, uma vez que muitos corpos não foram encontrados, sendo jogados no mar, e feridos teriam fugido da cidade com medo da repressão das autoridades.

Apesar de revogada a obrigatoriedade da vacina, manteve-se a exigência do atestado de vacinação para viagem, casamento, contrato de trabalho, alistamento militar, hospedagem em hotéis e matrícula em escola pública. As epidemias no Rio de Janeiro ainda resistiram por alguns anos, mas declinaram decisivamente já no final da década. Em 1910 os números de mortos e internados em razão da varíola já eram pequenos, algumas dezenas, poucas vezes chegando às centenas, portanto nem se comparando com os milhares do início do século.

 

As punições de sempre: perdão aos poderosos e humilhação aos pobres

E vamos às punições imediatas: militares insubordinados presos; Escola da Praia Vermelha fechada; alunos expulsos do Exército; líderes civis presos e processados; e populares perseguidos, detidos e degredados.

Os militares que participaram do levante foram todos perdoados pouco depois por meio de um decreto de anistia assinado pelo governo. Muitos dos participantes eram nomes que teriam grande relevância política num futuro breve: Eurico Gaspar Dutra, presidente da República de 1946 a 1950; João Mendonça de Lima, ministro de Viação no Estado Novo; Júlio Caetano Horta Barbosa, presidente do Conselho Nacional de Petróleo e líder da campanha “O petróleo é nosso”; Bertoldo Klinger e Euclides de Oliveira Figueiredo, líderes do levante paulista de 1932; Dilermando Cândido de Assis, que alguns anos depois matou Euclides da Cunha; Valentim Benício da Silva, fundador da Biblioteca do Exército.

O tenente-coronel Lauro Sodré, senador, fundador da Liga Contra a Vacina Obrigatória e um dos principais incentivadores da Revolta da Vacina, chegou a ser preso ao final da revolta. Mas depois foi solto e deu continuidade à sua carreira política.

Para os pobres não houve perdão. Quanto menos posses tinha a pessoa, mais forte foi a mão punitiva do governo. Centenas de populares foram presos na Ilha das Cobras e outras centenas foram deportados para regiões longínquas do país, longe da capital da República, punição que voltaria a se repetir em outras revoltas, como a da Chibata. A verdade é que o governo se aproveitou da revolta para expulsar definitivamente da capital da República todos os que eram considerados perigosos ou simplesmente um incômodo ao governo, tendo participado ou não da revolta. Não queriam os pobres, miseráveis e famintos no centro da cidade.

Parlamentares, como Barbosa Lima, e escritores, como Lima Barreto, denunciaram o clima de repressão que se instalou mesmo passados meses da Revolta da Vacina. As práticas, que eram comuns e sempre repetidas pelas autoridades após levantes e revoltas populares, eram de prisões arbitrárias não acompanhadas do devido processo legal. O advogado Anselmo Torres da Silva chegou a impetrar um pedido de habeas corpus pela soltura de dezenas de presos, justificando inclusive que a revolta era justa e que a violência teve início a partir da ação repressora da polícia. Não adiantou. Centenas de pessoas foram enfiadas em navios superlotados e expulsos do Rio, sendo levados à força ao sul ou ao norte do Brasil. Muitos foram abandonados no Acre, assim como o líder popular Prata Preta, sem ter onde se abrigar ou como se sustentar.

É preciso lembrar que, em 1904, eram passados apenas 16 anos do fim da escravidão, e os pobres – negros, em sua maioria absoluta – continuavam a ser tratados com a intolerância e o ódio que os antigos senhores de escravos tinham em relação aos seus subordinados. E a elite branca brasileira continuou a usar a força e a violência contra eles, sem dor de consciência e sem ao menos tratá-los como seres humanos e sim como animais, objetos, coisas.

E assim, mais uma vez, a ferro e fogo, impôs-se a cidade desejada pelos seus donos e governantes, a despeito dos anseios da raia miúda.

 

Imagens:

Fotografia de Francisco Franco Pereira Passos. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_38216_001

 Fotografia de Oswaldo Cruz. Jornal Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_18163_001

 Decisão judicial obrigando a um proprietário a abrir todos os aposentos de sua casa para os agentes de saúde_BR_RJANRIO_BV_0_HCO_2046_0004

 Requerimento de Maximiano Paradas na Justiça pedindo que sua casa não fosse visitada pelos agentes de saúde. BR_RJANRIO_BV_0_HCO_2293_0001

 Parecer da Comissão Parlamentar de Instrução e Saúde Pública, favorável ao projeto. BR_RJANRIO_23_LEI1261_0003

 Lei assinada pelo presidente Rodrigues Alves. BR_RJANRIO_23_LEI1261_0001

 Jornal do Brasil de 12 de julho de 1904. BF_IS459

 Charge mostra idoso sendo vacinado. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_38216_009

 Charge mostra Revolta da Vacina no bairro da Saúde. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_38216_007

 Escola Militar. BR_RJANRIO_Q6_GLE_FOT_00001_d0017de0052

 Capa de processo pedindo Habeas Corpus para dezenas de presos por participação na Revolta da Vacina. BR_RJANRIO_BV_0_HCO_2535_0001

 Trecho de processo de habeas corpus citando que a violência policial deu início aos conflitos da Revolta da Vacina. BR_RJANRIO_BV_0_HCO_2535_0005

 

Referências bibliográficas

 

Comments powered by CComment

registrado em:
Fim do conteúdo da página