A Lei de Terras de 1850 foi uma das primeiras medidas formais para defesa do latifúndio e exclusão dos mais pobres e da pequena propriedade do meio agrário. O que importava para o Estado era o grande produtor, especialmente os de café. Dando um salto para quase 180 anos depois vemos que pouca coisa mudou. O mundo é outro, o Brasil está mais moderno, a maquinaria tomou conta do campo. Porém, persiste a exclusão dos mais pobres em prol da expansão contínua da grande propriedade, hoje principalmente da soja. E pior, cada vez mais agredindo os ecossistemas.
Porém, em 1957, encontramos uma revolta no campo que pode ser vista como uma grande exceção. Se, historicamente, a repressão contra os mais necessitados pode ser exemplificada por inúmeros eventos, como por exemplo Canudos e Contestado, durante os governos Kubitschek e Goulart, uma espécie de minirreforma agrária foi vitoriosa para milhares de colonos. Estes que, por décadas, sofreram com a grilagem de grandes empresas que não pouparam o uso de jagunços contra as famílias que lá viviam. Estamos falando da região sudoeste do Paraná, colonizada por alemães e italianos.
Essa disputa pela propriedade da terra nessa região remonta ao final do Império, quando mais uma vez alguns poucos foram beneficiados pelas benesses estatais. D. Pedro II concedeu a área ao engenheiro João Teixeira Soares para a construção de uma ferrovia que deveria ligar São Paulo ao Rio Grande do Sul. Na República, sem que a obra tenha sido feita, as terras foram repassadas por Soares a uma empresa belga que também não executou o plano inicial e, depois, revendeu a outra empresa. Assim, o lucro de uma elite se propagava, e a partir do repasse gratuito de um terreno público a particulares.
A área, conhecida como gleba Missões e gleba Chopim, corresponde a territórios que hoje perpassariam os municípios de Capanema, Francisco Beltrão, Santo Antônio do Sudoeste, Pato Branco, Dois Vizinhos, entre outros. De 1920 a 1938 houve uma batalha judicial pela posse das terras entre o empresário catarinense José Rupp, que as teria obtido por doação do estado de Santa Catarina, e a empresa Estrada de Ferro São Paulo - Rio Grande, herdeira da doação citada originalmente, que havia partido do imperador. Por fim, o empresário obteve vitória para se apossar de parte das referidas terras, porém às revendeu em 1950 para a empresa Clevelândia Industrial e Territorial Ltda (CITLA).
Na época, milhares de colonos já ocupavam a região com suas respectivas famílias. Isso porque, durante a "Marcha para oeste", no início dos anos 1940, o governo Vargas havia criado a Colônia Agrícola Nacional General Osório (CANGO), que autorizou a posse da terra aos colonos, mas não as titulou em nome deles. Consequentemente, esses colonos eram chamados de posseiros e, segundo a visão da companhia CITLA, estavam suscetíveis à perda da posse.
A CITLA criou uma central em Francisco Beltrão, tomou posse das terras e impôs aos colonos que pagassem pela ocupação, o que gerou uma revolta generalizada. Os posseiros achavam que já eram donos após os tratos com a CANGO, mas descobriram que os documentos obtidos não tinham valor legal de propriedade. Por sua vez, a CITLA, por meio de jagunços, muitos deles enviados por políticos ligados à empresa, cometiam uma série de violências constantes contra os colonos, desde pressão psicológica até agressões.
Diante de tamanha arbitrariedade, o levante se deu em outubro de 1957, com os colonos exigindo a expulsão da companhia e de seus jagunços, pleiteando assim que a propriedade de suas terras fosse reconhecida legalmente. Rádios locais, em especial nos municípios de Francisco Beltrão e Pato Branco, apoiaram os colonos passando informações sobre os adversários e os conclamando para as ações de defesa e ataque.
A primeira vitória significativa ocorreu na cidade de Capanema, onde os colonos conseguiram expulsar os jagunços e incendiaram o escritório da companhia Apucarana, ligada à CITLA. Daí o caso tomou projeção nacional. Os colonos de Capanema, vitoriosos, se organizaram e enviaram cartas para o presidente Juscelino Kubitschek e para o ministro da Guerra, Teixeira Lott. Este entrou em contato com o governador do Paraná, Moysés Lupion – que tinha ligação com a CITLA –, cobrando o afastamento da companhia e o assentamento dos colonos. Nos dias subsequentes Pato Branco se tornou mais cidade onde os posseiros obtiveram êxito, com a prisão de jagunços e decisão das autoridades em favor dos colonos. Em seguida, toda a região, aos poucos, foi caminhando para a vitória dos revoltosos.
Porém, até o final do governo JK, o governador Lupion e a elite vinculada às empresas conseguiu postergar a titulação dos lotes em favor dos trabalhadores. A situação dos colonos só foi resolvida definitivamente pelo governo seguinte, de João Goulart. O presidente regularizou e titulou 32.256 lotes rurais e 24.661 urbanos, dando finalmente segurança jurídica às milhares de famílias que trabalhadores que lá viviam há décadas, comprovadamente produzindo na terra e fomentando o comércio no sudoeste do Paraná.
A revolta, pouco conhecida e pouco estudada, revela a importância da ação do Estado em favor dos mais pobres e necessitados, que quase sempre vivem há anos da terra, tirando dela o sustento de suas famílias. Infelizmente essa lógica inclusiva não é regra, mas exceção na história do Brasi, até os dias de hoje. Quase sempre, é apoiada a expansão das grandes propriedades, muitas delas cujos donos são ou tem vínculos com políticos e autoridades, enquanto ao pequeno produtor resta a tentativa de sobreviver contra tudo e contra todos. Estes, como acontece repetidamente, acabam optando por migrar para as grandes metrópoles, fugindo dos conflitos do campo. Assim, engrossam a grande massa urbana desesperada por melhores condições de vida e que, face à necessidade, aceitam condições precárias de trabalho. Excluídos do campo, proletariado miserável no perímetro urbano. Ontem e hoje, uma história de continuidades, com raras exceções. E pra você, o que mudou?
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_02675_019 Imagem do Correio da Manhã, de 15 de outubro de 1957, noticiando a investida dos posseiros contra escritório da CITLA em Pato Branco e Francisco Beltrão, sudoeste do Paraná. No verso da imagem, a legenda coloca: Francisco Beltrão em pé de guerra! Sim, o flagrante do município do sudoeste do Paraná não engana; é uma imagem da revolta dos colonos contra as companhias colonizadoras. Depois de ocuparem esta cidade e a de Pato Branco, depredaram os escritórios das empresas imobiliárias subsidiárias da CITLA, obrigando o deslocamento de tropas do exército para restabelecer a ordem e garantir a volta dos colonos às suas terras.