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Tradições e expectativas

“Eu pertenço a esse tipo de moças encruadas, que vão deixando passar o tempo de flirt em flirt, de festa em festa, de amor em amor,  qual borboletas em um jardim, sem pouso definitivo, e que de repente, se vêm dobrando a quadra dos 25, quando as esperanças e encontros começam a definhar...”

Este trecho abre uma carta de uma leitora da revista gaúcha O Globo, publicada em uma edição de 1943.  Comuns quase que desde o início da popularização de revistas periódicas de variedades, as seções de “orientação” se proliferaram e cobriam assuntos como vida amorosa, trabalho, amizades, família, beleza. Voltadas para um público majoritariamente (mas não exclusivamente) feminino, estas seções eram comuns em revistas de todo o tipo e estão presentes em muitas das publicações ainda em formato impresso. A autenticidade de tais seções sempre esteve em questão, e muitos alegavam que a autoria das cartas e das respostas à elas pertenciam a mesma pessoa, que quase invariavelmente escrevia sob pseudônimo.

Na íntegra, a carta traz questões e dramas vividos por muitas mulheres durante boa parte do século XX – o de encontrar ainda jovem um homem “adequado” para casar, iniciando assim sua própria família e um lar do qual seria “rainha”. Com expectativas de vida limitadas ao casamento e procriação, as mulheres se percebiam em um beco sem saída ainda muito jovens. Colocando de uma forma dura: um prazo de validade bastante limitado.

As expectativas em torno do comportamento e das escolhas de uma mulher ainda cerceiam nossas vidas. Embora hoje uma mulher de 25 anos tenha em seu horizonte viagens, estudo, carreira, amigos, diversão, permanece a constante vigilância sobre seu corpo e suas escolhas. Talvez não aos 25, mas provavelmente aos 35 muitas delas ouvem a indefectível pergunta: qual você vai sossegar/ casar/ ter filhos? Olha o relógio biológico...  Felizmente não precisamos mais satisfazer as expectativas alheias da mesma forma que nossas avós, graças à conquista de direitos civis e políticos – houve um tempo em que a mulher casada precisava da permissão do marido para trabalhar ou viajar, e o voto só foi conquistado em 1932.

Cobranças ainda se fazem presentes, e a “eterna juventude” é uma delas. A pressão sobre o corpo da mulher, tanto do ponto de vista reprodutivo como estético, continua intensa, exacerbada por uma indústria bilionária que vende beleza e promete apagar os  anos passados. Se as páginas das revistas em meados do século passado ofereciam um vislumbre das preocupações privadas (ou nem tanto) das mulheres em relação a sua aparência, as telas do século XXI expõem visceralmente as perpétuas cobranças e as consequências destas nas vidas de mulheres de todas as idades.

BR_RJANRIO_J9_0_PER_0001 Revista do Globo, novembro de 1943. José Amádio.

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