Após a aquisição do território do Acre em 1903, um tratado (Tratado de Petrópolis) foi assinado entre os governos de Brasil e Bolívia visando a construção de uma ferrovia, conhecida por Madeira-Mamoré, finalizada em 1912 após uma trajetória dramática e sombria.
Realizada no meio da floresta, as obras empregavam pessoas humildes, muitos imigrantes, desterrados (inclusive das revoltas da vacina e da chibata, no Rio de Janeiro) em um ambiente hostil de calor, insetos, intensa umidade em meio à floresta amazônica. Além do ambiente, a falta de estrutura (má qualidade de alimentação e alojamento, falta de medicamentos e serviço médico precário) tornava o trabalho extremamente árduo. Doenças como malária e desinteria matavam às centenas, e o descaso do governo – que intermediava a ida dos trabalhadores para lá – e dos empresários acarretou a morte de milhares de pessoas ao longo dos anos de construção da ferrovia, trabalhadores e indígenas assolados por doenças ou simplesmente exterminados.
O projeto nasceu ainda no século XIX e pretendia servir, principalmente, à indústria da borracha, produzida a partir dos seringais da região. Inicialmente nas mãos dos irmãos norte-americanos Philips e Thomas Collins, o projeto passou para o engenheiro Percival Farquhar (também norte-americano) já no século XX depois da falência dos Collins. Contudo, depois de pronta a Madeira-Mamoré foi lucrativa apenas nos dois primeiros anos, e mesmo os negócios de Farquhar acabaram quebrando. O fim monopólio sulamericano da borracha foi decisivo para o fracasso do empreendimento, uma vez que os europeus acabaram obtendo sucesso na produção do látex na Ásia.
A atual capital de Rondônia, Porto Velho, nasceu em função das obras, especificamente para ser o epicentro e celeiro das obras e das pessoas nelas envolvidas. A estrada atravessava o Amazonas e o Mato Grosso em uma trajetória de mais de 360 quilômetros.
O governo de Getúlio Vargas encampa a ferrovia em 1937 mas a empresa continua problemática e deficitária, a despeito do rápido impulso da produção de borracha durante a Segunda Guerra, que reviveu a ferrovia durante o período. Em 1966, no governo Castelo Branco, é praticamente desativada, em 1972 definitivamente abandonada e uma rodovia é aberta em substituição a ela: a Br-364, ligando Rondônia, a partir de Porto Velho, ao Centro-oeste e daí ao restante do Brasil.
Em maio de 2024, a “ferrovia do diabo,” como ficou conhecida a Madeira-Mamoré em função das imensas dificuldades e incontáveis mortos que sua construção deixou para trás, foi aberta para visitação pública. O complexo conta também com um museu com fotografias, réplicas e originais que contam um pouco da história da ferrovia.
Fotografia do trem: dossiê Madeira-Mamoré; s.d, Correio da Manhã
Demais fotografias: Fotografias construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré; grupo de trabalhadores na floresta, grupo de pessoas em um acampamento na floresta, fachada de um barracão de madeira em um acampamento; [1907-1912]. Fundo Afonso Pena.
HYDALL, Rosa Thaís Neves. A História da Madeira-Mamoré: Medos, desafios e enfrentamentos na construção da EFMM. Das Amazônias, v. 4, n. 1, p. 164-174, 2021.
PAIVA, Ana Carolina Monteiro et al. Trabalho e cotidiano na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (1907-1919). 2020.