.

Em fevereiro de 1979 um homem morreu afogado na praia de Bertioga (SP), aparentemente depois de passar mal enquanto nadava. A polícia chegou quando seu corpo sem vida já estava na areia, ao lado de um casal de amigos austríacos. A vítima inicialmente foi identificada como Wolfgang Gerhard, também austríaco.  Foi enterrado em Embu das Artes.

Seis anos depois, em maio de 1985, a polícia alemã intercepta cartas do casal Bossert – os austríacos que acompanhavam o afogado em seu último passeio - endereçadas a Hans Sedlmeier, um ex-funcionário da família de Josef Mengele, um criminoso de guerra alemão, refugiado, médico nazista responsável por atrocidades no campo de concentração de Auschwitz. O conteúdo levanta suspeitas, o que deu início a uma colaboração com a polícia federal brasileira. A verdade veio à tona depois que uma busca foi realizada na residência dos Bossert: de fato, o alemão que morrera em Bertioga em 1979 era Josef Mengele, que vivera no Brasil desde 1961, fato confirmado pela perícia forense na época e atestado pelo exame de DNA nos anos 1990.

 

Em termos históricos, “nazismo” define uma forma específica de movimento de cunho totalitário, nacionalista, racista de extrema-direita que surgiu a partir do Partido Nacional-Socialista (que não era socialista) alemão nos anos 1920. Violentamente anticomunistas, os nazistas também se opunham ao liberalismo em voga no mundo capitalista, pois defendiam uma estreita colaboração do capital com um Estado forte e ordenador não apenas da economia, mas de toda a vida social.

Apesar da derrota do nazismo alemão e do fascismo italiano na Segunda Grande Guerra, a ideologia que caracterizou estes movimentos permaneceu viva. Não apenas em alguns estados europeus que aderiram a ela na época (Portugal e Espanha, por exemplo) como em ditaduras posteriores em vários lugares do planeta. Embora estas não alcançassem o grau de extremo totalitarismo que caracterizou o nazismo, seu anticomunismo visceral, o patriotismo superficial e acrítico, repressão violenta a qualquer voz dissidente, a falta de liberdade política e criativa, a censura impiedosa marcaram também as ditaduras que surgiram nos anos de guerra fria – inclusive no Brasil (1964-1985).

Este modelo começou a se esgotar a partir dos anos 1970/ 1980, em especial com o fim da guerra fria. Contudo, as ideologias autoritárias, racistas, supostamente patrióticas e calcadas em discursos de ódio extremo a tudo o que não adere às suas próprias ideias não apenas sobreviveram, mas vicejaram e floresceram em várias partes do mundo a partir do fim do século passado e até os dias de hoje.

Na década de 1990, ao menos no Brasil discursos alinhados com ideologias e mentalidades autoritárias encontravam-se segregados, isolados a verdadeiras ilhas exóticas, em especial no sul no Brasil onde pequenos grupos – em geral, descendentes de europeus – declaravam-se seguidores de Hitler, admiradores do nazi-fascismo. A documentação aqui exposta trata da atuação desses grupos, e alerta para um problema que explodiria no século XXI: o papel da internet na disseminação de ideias autoritárias, preconceituosas, anti-democráticas e como as tecnologias digitais facilitam a impunidade para quem propaga esses discursos.

A história do século XX e XXI nos mostra que não é necessário ser seguidor de Hitler ou Mussolini para propagar a violência, o totalitarismo, o ódio àqueles que não são espelho. Nos últimos anos e em vários lugares do mundo – no Brasil, inclusive – e independente da adesão e sequer do conhecimento do que aconteceu na Europa na primeira metade do século XX, percebemos um expressivo aumento de grupos conservadores que se opõem, muitas vezes de forma violenta, a vários direitos conquistados por mulheres, minorias raciais, pessoas com sexualidade fora do “padrão” tradicional. Muitas vezes ligados a vertentes religiosas fundamentalistas, estes grupos lograram ocupar os poderes institucionalizados de vários países (inclusive o Congresso e a presidência da República) com uma agenda de desmonte dos referidos direitos invariavelmente acompanhada de políticas neoliberais vorazes, ataques aos direitos trabalhistas e à legislação de proteção ambiental, violentas campanhas anti-imigração. Outro aspecto em comum entre estas linhas extremistas contemporâneas é o uso da internet e das redes sociais para espalhar boatos e falsas notícias (fake news), interditando o debate e atacando impunemente quem a eles se opõe.

No Brasil, embora o posicionamento antidemocrático tenha se disseminado entre grupos de perfis bastante diversos, e não necessariamente admiradores do velho nazi-fascismo, recentes pesquisas apontam para um aumento expressivo de células neonazistas em nosso país: “Entre 2015 e 2022, de acordo com monitoramento feito pela antropóloga Adriana Dias, o número de células neonazistas no Brasil passou de 72 para 1117. Mais da metade (587) surgiu entre outubro de 2021 e novembro de 2022.” (EBC)

Em comum, todos esses grupos apresentam, além dos aspectos já citados, um extraordinário apego aos discursos de ódio o total alheamento em relação à ordem democrática vigente.

br_dfanbsb_h4_mic_gnc_dit_960079756_d0001de0001. Relatório confidencial Propaganda nazista no Rio Grande do Sul, setembro de 1995. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (CLIQUE NA IMAGEM PARA ACESSAR O DOCUMENTO) 

br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_85050473_d0001de0001. Reportagem sobre Mengele. Junho de 1985. Serviço Nacional de Informações

br_dfanbsb_z4_dpn_pes_pfi_0229_d0001de0001. Dossiê com relatórios e correspondência sobre a descoberta da ossada de Josef Mengele, 1985. Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores.

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.