O que foi e como surgiu o tenentismo?
Thiago Mourelle _ Doutor em história. Pesquisador do Arquivo Nacional
A situação do Exército nas primeiras décadas do século XX
Em 5 de julho de 1922 ocorreu o primeiro movimento tenentista: a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, fato se tornou mítico, sendo lembrado frequentemente – como nesta imagem, 50 anos depois, quando foi reproduzida por militares no mesmo forte em que ocorreu. Como o próprio nome sugere, dezoito homens pegaram em armas e enfrentaram as forças do governo, dezesseis deles sendo mortos e dois gravemente feridos. Mas quais as razões da revolta? Por que eles fizeram isso? Clique aqui e leia o resumo que Luís Carlos Prestes fez, anos depois, sobre a situação vivida na época. Mas, para compreendê-los em detalhes, precisamos pensar sobre dois pontos em especial: 1) quais eram as condições das Forças Armadas nas primeiras décadas da República; 2)qual o contexto político que alimentou o movimento.
A década de 1890 havia sido conturbada para os militares, com conflitos como a Revolução Federalista e a Revolta da Armada, o confronto em Canudos e até o envolvimento de militares em um atentado contra a vida do presidente Prudente de Morais, em 1897, em ação de Marcelino Bispo de Melo. O Exército, desde o início da República, era visto pelos oficiais de alta patente como uma instituição que necessitava de disciplina, profissionalização e maior investimento do Poder Público. Um país independente precisava, na visão militar, de fileiras armadas que fossem capazes de defendê-lo e, para isso, necessitavam de preparo e condições para tal.
Nesse sentido, foram enviadas três missões, em 1906, 1908 e 1910, com jovens oficiais destinados a passar dois anos na Alemanha para aprender o espírito de organização militar daquele país. Todos retornaram muito impressionados pela experiência vivida, sendo o último grupo o que tomou prontamente a iniciativa para transformar a realidade nacional. De início, criaram duas publicações: A Defesa Nacional e Revista Militar, compartilhando nelas informações coletadas na viagem. Ao mesmo tempo, se incorporaram nas tropas para que pudessem dar o exemplo prático de como deveria ser a nova organização militar.
Esse grupo recebeu o apelido de “jovens turcos”, apelido atribuído em razão da Turquia ter realizado missão semelhante da brasileira junto ao exército alemão. O grupo foi importante para a profissionalização do exército brasileiro, dando ênfase ao ensino militar e à disciplina. Nesse contexto, houve a inauguração da Escola do Realengo, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), simbólica dos “novos tempos” que chegavam.
Dos anos 1920 aos 1940, foi a vez da chamada “missão francesa” completar o trabalho dos “jovens turcos”. Como os alemães haviam sido derrotados na Primeira Guerra Mundial, a França foi escolhida para nova investida brasileira no intuito de aprender e capacitar seus jovens oficiais. Os franceses vieram ao Brasil e emitiram relatórios periódicos, como este sobre a aviação militar nacional. Um dos impactos foi a formação de novos quadros para o Estado-Maior do Exército, que começou, de fato, a exercer sua função de formulador de uma política de defesa nacional. Assim, cada vez mais o exército brasileiro ficava mais coeso, com o princípio da hierarquia consolidado e crescia entre as tropas a ideia de que possuíam um papel importante nos destinos da nação.
Diante do exposto, as Forças Armadas brasileiras, no início dos anos 1920, mostravam-se mais profissionalizadas. Ao mesmo tempo, sentiam uma responsabilidade crescente de participação na condução do país. Se, por um lado, a coesão e disciplina impedirá uma adesão maciça dos militares às revoltas tenentistas; por outro lado, o aumento da crença em seu papel transformador fará com que um pequeno grupo, de baixa patente, compreendesse que deveria agir em prol da moralização dos costumes políticos do país, colocando o Brasil de volta no rumo do ideal republicano inaugurado em 1889.
O que dizem os historiadores sobre a relação entre a política e o tenentismo
As origens do tenentismo remetem ao envolvimento militar com a política e a busca por soluções para problemas sociais, políticos e econômicos. Em 1889, o contexto envolvia, entre outras coisas, uma crise relacionada à contestação da autoridade do imperador. Em 1922, o foco das críticas era o sistema eleitoral e a forma como o poder era conduzido pela elite que o detinha. Segundo a historiadora Anita Leocádia Prestes, o surgimento do movimento tenentista teve também relação com o desenvolvimento da Reação Republicana, grupo de oposição que se apresentava como uma alternativa à indicação de Artur Bernardes à presidência, em 1922.
Outra historiadora, Claudia Viscardi, pontua que o desdobramento das revoltas também foi impulsionado pela forma como Artur Bernardes, após eleito, lidou com os críticos e a oposição de forma geral: com ações persecutórias e revanchistas. Convém lembrar que durante quase todo o mandato presidencial, entre 1922 e 1926, o Brasil esteve sob o Estado de Sítio.
Marieta de Morais Ferreira, autora do livro Conflito Regional e Crise Política: a reação republicana no Rio de Janeiro, defende que a cisão oligárquica que levou à Reação Republicana não foi gerada pelos debates sobre quem seria o candidato a vice-presidente na chapa de Artur Bernardes – ao contrário do que argumentam alguns pesquisadores –, mas sim a um desacordo da elite dissidente a respeito da política econômica que privilegiava o café, desvalorizava a moeda e endividava externamente o Brasil. O pano de fundo, que expressa essas divergências, é o questionamento que outros estados fazem sobre a hegemonia do eixo Minas Gerais – São Paulo, em uma clara disputa por influência nos rumos da política e da economia do país.
Há autores, como Maria Cecília Spina Forjaz e José Augusto Drummond, que trabalham o tenentismo como um movimento que corre em paralelo com a Reação Republicana, sem uma necessária relação com ela. Porém, neste texto, concordamos com a abordagem de Anita Prestes, ou seja, de que há sim uma relação, em menor ou maior grau, entre a Reação Republicana – e o consequente aumento do clima de tensão política – e a ocorrência da Marcha dos 18 do Forte de Copacabana, que inaugurou os movimentos tenentistas.
A crise política de 1921 e 1922
As duas primeiras décadas republicanas assistiram à crescente mobilização dos trabalhadores urbanos. Greves [Link para texto sobre greve], congressos operários, até a insurreição anarquista de 1918. A forte repressão e a Revolução Russa de 1917 fizeram com que os trabalhadores brasileiros se reorganizassem em novas bases, a partir da criação do Partido Comunista do Brasil, em 1922, na luta por seus direitos. Ao mesmo tempo, a década de 1920 trouxe também outras formas de contestação da realidade nacional, entre as quais podemos citar a Semana de Arte Moderna e o crescimento do pensamento autoritário brasileiro nas obras de Azevedo Amaral, Oliveira Viana, Alceu Amoroso Lima, entre outros.
Porém, quem fazia política no espaço público e tinha instituições representativas para questionar os rumos do país eram, basicamente, apenas as oligarquias. Assim, o espaço político se resumia ao confronto e negociação entre os grupos que detinham o poder e ocupavam posições de destaque no Executivo, Legislativo ou Judiciário. Nesse contexto, o Exército surgiu cada vez mais como um ator que almejava maior participação em 1921 e 1922, na ocasião dos preparativos para a nova eleição presidencial que se aproximava. Assim como ocorrera na eleição de 1910, em que as Forças Armadas se envolveram com a vitória de Hermes da Fonseca, doze anos depois, mais uma vez, os militares se tornaram personagens importantes no cenário eleitoral.
Os estados do RS, RJ, PE e BA, oligarquias dissidentes, cortejaram inicialmente as Forças Armadas em prol de um candidato militar para enfrentar Artur Bernardes – que terminou seu mandato no governo de Minas, passou o bastão a Raul Soares e concentrou-se na busca pela cadeira presidencial – e Urbano dos Santos (candidatos a presidente e vice), que tinham o apoio de São Paulo e Minas Gerais. A ideia da oposição era lançar o nome do ex-presidente Hermes da Fonseca (1910-1914), oferecendo um eixo alternativo de poder. Rui Barbosa surgia, nas conversas de pé-de-ouvido, como um possível nome para ocupar a vice-presidência. Este grupo, que se opôs à candidatura de Bernardes, ficou conhecido como Reação Republicana.
Maurício de Lacerda e Nicanor Nascimento eram líderes políticos importantes que se somaram a essas dissidências estaduais que criticavam o nome de Bernardes, entre os quais se destaca Borges de Medeiros (ao centro, na imagem), presidente (nomenclatura utilizada para os governantes dos estados, depois substituída por “governador”) do Rio Grande do Sul. Alguns jornais se juntaram ao grupo, dando amplo apoio à dissidência levada adiante pela Reação Republicana, como O Imparcial, de José Eduardo de Macedo Soares, e o Correio da Manhã, de Edmundo Bittencourt.
Com o passar do tempo, a dupla Hermes da Fonseca / Rui Barbosa perdeu espaço. Cada vez mais, nos círculos políticos, o nome de Nilo Peçanha ganhou força. E Peçanha tinha ótimo trânsito também nos meios militares, tendo laços, por exemplo, com o general Dantas Barreto, que lançou manifesto apoiando a Reação Republicana. No contexto da crise dos anos 1920 não dá pra fazer uma separação grande entre civis e militares, pois as críticas ao então presidente Epitácio Pessoa (1918-1922) e ao seu candidato para a sucessão, Artur Bernardes, partiam dos grupos os mais diversos.
E o descontentamento em relação ao governo se aprofundou entre as Forças Armadas quando, em novembro de 1920, Epitácio Pessoa nomeou civis para pastas militares. Se os colegas de farda já reclamavam dos baixos soldos, do atraso técnico das tropas e sentiam o peso da inflação e carestia de vida – conforme relatou Luís Carlos Prestes, em depoimento –, esse novo fato aumentou ainda mais a tensão no Exército e na Marinha. Para piorar, em abril de 1921, o marechal Bento Ribeiro pediu demissão do Estado Maior do Exército e foi seguido por outros oficiais, todos em discordância com a forma do governo lidar com questões internas das Forças Armadas.
Ainda em 1921 foi intensificada a perseguição política aos militares que se pronunciavam publicamente criticando o governo Epitácio Pessoa e/ou contrários à candidatura de Bernardes. Ao mesmo tempo, Nilo Peçanha definiu com aliados o nome do experiente político baiano, J. J. Seabra, para compor a vice-presidência em sua chapa. O compromisso assumido em indicar militares para os ministérios militares fez com que Peçanha ganhasse maior prestígio perante as Forças Armadas conseguindo, inclusive, apoio do influente general Joaquim Inácio Cardoso.
A simpatia a Peçanha contrastava com o crescimento da oposição a Artur Bernardes, em especial depois do episódio conhecido como “Cartas Falsas”, em outubro de 1921, quando cartas atribuídas a Bernardes traziam críticas pesadas aos militares – Luís Carlos Prestes fez menção a elas, anos depois, em uma palestra [imagem 14]. Por fim, as cartas foram consideradas falsas, o que hoje chamaríamos de fake news, mas o problema gerou mal-estar e muita antipatia, em especial, da baixa patente, em relação ao candidato a presidente de São Paulo e Minas Gerais. Alguns autores se referem à crise criada pelas cartas quase como uma “segunda questão militar”, ao compará-la ao problema entre D. Pedro II e as Forças Armadas ocorrido no final do período imperial.
A vitória de Bernardes e o primeiro ato tenentista: a Marcha dos 18 do Forte
Havia um clima de conspiração no ar, de que as mudanças eram necessárias e deveriam ocorrer nas urnas ou pelo uso da força. As eleições, em 1º de março de 1922, ainda demorariam meses até terem seus resultados divulgados, já que o voto era no papel. Mas no final de abril a contagem já mostrava uma vantagem significativa de Bernardes sobre Peçanha, situação que gerou desconforto na oposição e o aumento da articulação de grupos militares com dissidências estaduais pensando em ações armadas.
Em junho, após o Congresso declarar oficialmente a vitória de Bernardes, Peçanha emitiu manifesto não aceitando a derrota. O documento, que tinha apenas o objetivo de indicar um protesto formal, acabou incentivando o aumento da mobilização rebelde em prol de uma ação armada. Porém, os oficiais de altas patentes, mesmo os que apoiavam o candidato opositor, se mantiveram quase em totalidade a favor da manutenção da ordem, receosas e fiéis ao governo. Mesmo as figuras mais destacadas da Reação Republicana, como Borges de Medeiros e o próprio Nilo Peçanha, não queriam chegar às últimas consequências, ou seja, a pegar em armas para um levante. Foi então que o clima político de franca conspiração anti-Bernardes acabou sendo levado adiante apenas pela juventude militar, mais radical e com pouco a perder na busca por um caminho revolucionário.
O confronto político se acirrou, em especial, em Pernambuco. Grupos oposicionistas chegaram a entrar em confronto com o governo estadual. As Forças Armadas foram imediatamente chamadas a intervir para garantir a manutenção da ordem. Diante disso, o Hermes da Fonseca, defensor da Reação Republicana e que quase havia saído candidato pela chapa de oposição, sugeriu que os militares não deveriam atender o governo na defesa da legalidade em Pernambuco. Por causa de tal sugestão, acabou preso a mando do governo federal e o Clube Militar, do qual era presidente, foi fechado.
Esse fato teria sido o estopim para o movimento de 5 de julho de 1922, a primeira ação do que ficou conhecido como movimento tenentista. A ideia dos revoltosos era de deflagrá-lo nacionalmente, mas a revolta acabou ocorrendo somente na Vila Militar, na Escola Militar e no Forte de Copacabana – na cidade do Rio de Janeiro (RJ) –, em Niterói (RJ) e em Mato Grosso.
As principais bandeiras defendidas pelo grupo eram 1) a moralização dos costumes políticos, motivo geral, que constava inclusive na plataforma da Reação Republicana; 2) a crítica à nomeação de civis para ministérios militares; 3) a imediata libertação do ex-presidente Hermes da Fonseca.
Os revoltosos bombardearam, a partir do Forte de Copacabana, várias áreas militares, recebendo resposta bélica das forças legalistas, que causaram grave dano ao forte. Depois de quase vinte e quatro horas de negociações entre o Ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, e os tenentes, o conflito continuava sem que os insurretos se rendessem. Até que chegamos ao momento mais dramático, o ato final do evento: muitos militares deixaram o forte e se entregaram, mas um pequeno grupo decidiu resistir e, por fim, marchar pela Avenida Atlântica, na zona sul do Rio de Janeiro, em direção às forças legalistas. Apesar do nome “18 do Forte de Copacabana”, não se tem certeza do número exato deles. Certo é que, durante a marcha, eles receberam a companhia de Otávio Correia, um civil que estava na região e simpatizava com o movimento. No confronto contra o Exército, todos morreram, com exceção de Siqueira Campos e Eduardo Gomes – mais adiante, este seria candidato à presidência em 1946 e 1950 –, que sobreviveram com graves ferimentos.
Embora tenha sido um movimento pequeno e que não alcançou capilaridade nacional, o gesto adquiriu a simbologia de um mito, sendo desde então bem visto pela população, de modo geral. Afinal, para a opinião pública, eles entraram para a história como militares que deram a vida por um ideal, na luta por um país melhor. E então foram plantadas as sementes para novos movimentos que ocorreriam dois anos depois.
Revoltas Tenentistas de 1924 e a Coluna Prestes-Miguel Costa
Em 5 de julho de 1924, passados dois anos do evento dos 18 do Forte, iniciou-se em São Paulo uma insurreição. Inicialmente, os rebeldes ocuparam as estações da Luz, da Estrada de Ferro Sorocabana e do Brás, além dos quartéis da Força Pública e outras localidades estratégicas – aqui, você vê a imagem de um grupo das forças rebeldes. Três dias depois, o governador Carlos de Campos deixou a cidade e as forças rebeldes ocuparam o Palácio dos Campos Elíseos, colocando o general Isidoro Dias Lopes como novo governante do estado. Tiros e bombas foram trocados entre forças legalistas e revoltosas. Diante disso, José Carlos de Macedo Soares, membro da Associação comercial de São Paulo, tentou mediar um armistício para interromper os bombardeios e conflitos que assolavam a cidade de São Paulo.
Em apoio ao movimento paulista, iniciaram-se revoltas militares em Mato Grosso, Sergipe e Amazonas. Neste último, um governo provisório foi implantado pelos rebeldes, durando de 23 de julho até 28 de agosto, sob a liderança do tenente Ribeiro Júnior. Tropas federais, sob a liderança do general Mena Barreto, conseguiram encerrar o conflito e colocar de volta o então presidente do estado, Cesar Resende do Rego Monteiro, acusado pela oposição de ser corrupto e autoritário.
Os revoltosos paulistas não ficaram sabendo dos demais movimentos estaduais que os apoiavam. Diante da repressão, em 28 de julho deixaram o estado e rumaram para o sul do país. Encontraram-se com outro grupo, que havia se levantado no Rio Grande do Sul contra o governante daquele estado. Tal encontro se deu na cidade de Foz do Iguaçu (PR), formando o contingente que deu origem à Coluna Prestes-Miguel Costa.
A decisão de continuar com o ideal revolucionário foi tomada em reunião entre os líderes Luís Carlos Prestes, Miguel Costa e Bernardo Padilha. Isidoro Dias Lopes, um dos líderes do movimento em São Paulo, discordou da decisão e partiu para a Argentina, onde se exilou e passou a coordenar os revolucionários que estavam fora do país. Foi então formada a 1ª Divisão Revolucionária, sob o comando de Miguel Costa, com Luís Carlos Prestes definido como chefe de Estado-Maior. A coluna era formada por quatro destacamentos, sob a liderança de Cordeiro de Farias, João Alberto, Djalma Dutra e Siqueira Campos – este último, é importante lembrar, sobrevivente dos 18 do Forte.
A coluna passou por Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia e outros estados até retornar para Mato Grosso e optar pelo exílio na Bolívia, em março de 1927, após mais de 25 mil quilômetros percorridos em cerca de três anos. A lendária Coluna Prestes-Miguel Costa, nesse longo percurso, venceu batalhas contra forças militares, policiais e até jagunços mobilizados por latifundiários.
A Revolução de 1930: o tenentismo do poder à fragmentação ideológica
O movimento armado que colocou Getúlio Vargas no poder, em 1930, pode ser considerado um movimento tenentista? Pela quantidade de alianças e por ter envolvido grupos diversos – Góis Monteiro chegou a guardar listas sobre quem apoiou a chamada “revolução” –, este fato histórico teve uma participação muito mais ampla do que os movimentos tenentistas anteriores. Porém, o braço armado dos tenentes foi, sem dúvida, um dos diferenciais para que a cisão institucional se concretizasse, o que não ocorreu em outras crises oligárquicas como a de 1910 e, principalmente, a de 1922.
Vargas sabia da importância dos tenentes para o sucesso da empreitada e, por isso, deu a eles amplo poder no início do chamado Governo Provisório, indicando vários participantes do movimento para serem interventores federais nos estados, substituindo os antigos presidentes estaduais. Porém, com o retorno paulatino à normalidade democrática, em especial após a convocação da assembleia nacional constituinte (ANC) que se realizaria em 1933 e 1934, o tenentismo foi se enfraquecendo e seus nomes se dividiram e ingressaram em partidos e outras organizações políticas que estavam sendo fundados. Alguns nomes fortes do governo, como o general Góis Monteiro, eram contrários ao tenentismo – Monteiro os havia combatido, inclusive, nos anos 1920 – por entenderem que o movimento significava uma grave quebra de hierarquia no Exército e que a ação isolada de grupos militares prejudicava que as Forças Armadas tivessem uma atuação unívoca, sem divisões internas.
Com a fragmentação do movimento, foi possível perceber mais precisamente as grandes diferenças entre seus participantes. Alguns ingressaram no Partido Comunista – como Luís Carlos Prestes –, outros no movimento integralista – como Belmiro Valverde –, outros, ainda, continuaram a defender a democracia liberal – como Pedro Ernesto, apelidado de “tenente-civil”, um não fardado de grande relevância no grupo. Além dos que, é claro, participaram de alguma forma do governo Vargas – como João Alberto e Cordeiro de Farias, que estiveram em posições de destaque no cenário nacional até o final do Estado Novo.
Dessa forma, o tenentismo enquanto movimento chegou ao fim. Mas muitos dos nomes que dele participaram continuaram a atuar e influir na política nacional, como Eduardo Gomes, candidato à presidência pela União Democrática Nacional (UDN) em 1946 e 1950, e Luís Carlos Prestes, que permaneceu na militância comunista até a sua morte, nos anos 1980.
O depoimento de Luis Carlos Prestes, cujos trechos foram inseridos ao longo do texto, pode ser lido na íntegra aqui.
Notações e legendas das imagens (na ordem que aparecem no texto):
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_05664_007 Em 1972, militares na ocasião dos festejos dos 50 anos dos 18 do Forte.
BR_RJANRIO_LC_0_TXT_0084_d0001 Trecho de depoimento de Luís Carlos Prestes, anos depois, rememorando o contexto político que antecedeu a revolta de 1922.
BR_RJANRIO_SF_0_FOT_0002_m0002de0004 Marcelino Bispo de Melo, autor do atentado contra o presidente Prudente de Morais, em 1897.
BR_RJANRIO_SA_0_MMF_0_0754_d0001de0001 Relatório da Missão Francesa detalhando alguns dos membros que participaram do trabalho junto ao Exército brasileiro.
BR_RJANRIO_SA_0_MMF_0_0752_d0001de0001 Capa de relatório da Missão Francesa sobre a aviação militar brasileira.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_11593_002 Artur Bernardes, presidente do Brasil de 1922 a 1926.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_47395_003 Oliveira Viana, um dos principais nomes do pensamento autoritário brasileiro.
BR_RJANRIO_OO_0_FOT_0001_m0001de0001_ Raul Soares, eleito presidente do estado de Minas Gerais, após a saída de Artur Bernardes para concorrer à presidência da República.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_21909_002 Hermes da Fonseca, presidente de 1910 a 1914 e que teve prisão decretada em 1922 ao não apoiar repressão do governo aos insurgentes de Pernambuco.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_10460_037 Rui Barbosa, que teve o nome ventilado para a vice presidência na chapa da Reação Republicana, o que não acabou não se efetivando.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_33193_007 Borges de Medeiros, presidente do estado do Rio Grande do Sul. Um dos principais articuladores da Reação Republicana.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_38335_004 Nilo Peçanha, candidato à presidência pela Reação Republicana.
BR_RJANRIO_LC_0_TXT_0084_d0001_ Trecho de depoimento de Luís Carlos Prestes, anos depois, rememorando a disputa eleitoral de 1922.
BR_RJANRIO_LC_0_TXT_0084_d0001 _ Trecho de depoimento de Luís Carlos Prestes, anos depois, rememorando o episódio das “Cartas falsas”.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_23751_024 Propaganda política de Eduardo Gomes por ocasião das eleições presidenciais de 1950, na qual foi derrotado por Getúlio Vargas.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_30261_003_isidoro Isidoro Dias Lopes, líder da revolta tenentista de 1924, em São Paulo.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_39357_010 Luís Carlos Prestes, o “Cavaleiro da Esperança”, principal nome da famosa Coluna Prestes-Miguel Costa.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_17678_002_Miguel_Costa, outro nome primordial da famosa coluna que rodou o Brasil de 1924 a 1927.
BR_RJANRIO_SA_0_DOS_MCE_0768_d0001de0001 Documento encontrado no acervo de Góis Monteiro, no qual constam nomes de revolucionários de 1930.
BR_RJANRIO_PH_0_FOT_34678_d0045de0069 Góis Monteiro, um dos principais nomes do Governo Vargas.
BR_RJANRIO_EH_0_FOT_FEB_00013_d0004de0044 Cordeiro de Farias, participante do movimento tenentista que se manteve presente durante o governo Vargas.