Rodrigo de Sá Netto
Doutor em história e técnico em assuntos culturais no Arquivo Nacional
Surgimento e expansão de um pentecostalismo renovado no Brasil
Introdução
Os anos 1970 foram marcados por um revigoramento do conservadorismo cristão norte-americano, desde finais da década de 1940 em trajetória expansiva por todo o mundo. No Brasil, um reflexo desse fenômeno foi o alastramento de organizações pentecostais com traços inovadores, frequentemente referidas como “neopentecostais”. Diferenciando-as do pentecostalismo tradicional[1], as teologias da Prosperidade e do Domínio fornecem a essas igrejas algumas de suas principais características, conforme o sociólogo Ricardo Mariano (2014, p. 36), a “exacerbação da guerra espiritual contra o Diabo” e a ênfase na possibilidade de acesso a riquezas por via da fé.
Idealizada por intelectuais evangélicos como o pastor carismático Kenneth Hagin, a Teologia da Prosperidade sustenta que as benesses divinas devidas ao homem incluem a satisfação material. No Brasil, um dos seus maiores propagadores é R. R. Soares, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus, que publicou dezenas de livros de teólogos da prosperidade norte-americanos, como T. L. Osborn, Gordon Lindsay, Ken Jr, e Fred Price, além do próprio Kenneth Hagin (Mariano, 2014, p. 40). Já a Teologia do Domínio, criação de teólogos conservadores como o calvinista Rousas John Rushdoony, prega que o conflito entre Deus e o Diabo se daria inclusive no plano material e na arena partidária, daí o revigorado interesse dos pentecostais pela política.
Embora frações de organizações pentecostais mais antigas, como a Assembleia de Deus, tenham adquirido cores “neopentecostais”, abrindo-se para o novo arcabouço teológico, a mais destacada difusora dessas ideias no Brasil é a Igreja Universal do Reino de Deus - IURD, fundada no Rio de Janeiro em 1977. Outras “neopentecostais” de peso são a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Mundial do Poder de Deus, abertas pelos dissidentes iurdianos R. R. Soares e Valdemiro Santiago em 1980 e 1998, respectivamente, às quais somam-se a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), a Comunidade da Graça (1979), a Igreja Cristo Vive (1986), a Renascer em Cristo (1986) e a Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994). Em todas elas abundam promessas de riquezas dependentes de crescentes contribuições financeiras, seguindo de perto os pressupostos da Teologia da Prosperidade, enquanto exorcismos e a partidarização de pastores encarnam os ideais da Teologia do Domínio.
Vejamos as linhas gerais do processo de “neopentecostalização” do Brasil e a trajetória da principal representante dessa linha teológica em nossas terras.
Contexto social
A multiplicação de igrejas “neopentecostais” no Brasil é simultânea à conclusão do processo de urbanização iniciado na década de 1950, com a maioria da população já habitando as cidades. De fato, por volta de 1980, nelas residem 66,86% dos brasileiros, atingindo 77% em princípios dos anos 1990 (SANTOS, 2009, p. 31).
Tal modernização, embora autoritária e excludente, redundou na atualização dos meios de comunicação em massa, com a popularização do rádio e da televisão, meios de difusão preferidos pelas novas igrejas. Estimulou, por outro lado, impulsos consumistas incompatíveis com a realidade da maioria da população, uma vez que o momento também trouxe para a classe trabalhadora grande intensificação da exploração, correspondendo o salário mínimo em 1974 a pouco mais que a metade do seu valor em 1940 (MENDONÇA e FONTES, 2006, p. 67). Aliados ao desmonte da política de segurança no trabalho sob a ditadura, tais números contribuíram para um declínio da expectativa de vida dos menos remunerados, que distava em 14 anos daqueles cuja renda era cinco ou mais salários mínimos (MENDONÇA e FONTES, 2006, p. 68-69).
Neste panorama, teria origem um variado mercado religioso, ofertando tratamentos para problemas, decorrentes do novo contexto econômico e social, que as religiões tradicionais abordariam com dificuldade (PRANDI, 1996 p. 34 e 94). Mariano (2014, p. 148-9) também relaciona o surgimento do “neopentecostalismo” com a expansão do mercado consumidor brasileiro, levando os pentecostais ao abandono do ascetismo e à valorização dos impulsos materiais, enquanto Leonildo Campos (1996, p. 91) o associa com a “irrupção de uma sociedade de massas” nos quadros de uma acelerada informatização das comunicações. Em finas dos anos 1970 estaria pronto o país, portanto, para receber essas organizações, com seu “estilo empresarial de produção e distribuição de bens religiosos” e cujo domínio do rádio e da TV é “questão de vida ou de morte”.
Mas, se a atualização tecnológica foi condição para a expansão “neopentecostal”, não menos importante foi a explosão da pobreza urbana, sendo o público-alvo das novas igrejas os trabalhadores citadinos de baixa renda. Fato constatado por pesquisadores como Elizete da Silva (2001) e Ricardo Mariano (2014) e pelas palavras do bispo Marcello Crivella, que credita à miséria o grande sucesso do seu empreendimento na África (PAIXÃO, 1999, p. 46). Na mesma direção, pesquisa realizada em meados da década de 1990 pelo Instituto de Estudos da Religião - ISER mostrou que 63% dos membros da IURD sobrevivem com até dois salários mínimos (FERNANDES et al., 1998, p. 251).
A Igreja Universal do Reino de Deus
As raízes da Igreja Universal do Reino de Deus datam de 1963, quando Edir Macedo passa a interessar-se pelo pentecostalismo, seduzido pelo programa de rádio do pastor Robert McAlister, Voz da Nova Vida. Macedo passaria uma temporada na Igreja de McAlister, onde acumulou experiência e ambição para iniciar seu próprio empreendimento. Sendo assim, com R. R. Soares, Roberto Augusto Lopes e Samuel e Fidélis Coutinho, funda em 1975 a Cruzada do Caminho Eterno, onde permanecem os irmãos Coutinho para os outros três amigos fundarem em 1977 a Igreja Universal do Reino de Deus, a qual Soares, por sua vez, abandona em 1980.
Atenta aos novos tempos, a IURD tem como algumas de suas características principais, além da introdução das teologias da Prosperidade e do Domínio, a fusão do pentecostalismo com elementos da umbanda. Ainda que a cura espiritual continue importante, outras práticas dividem o protagonismo no arsenal litúrgico iurdiano, como as sessões de exorcismo, que esconjuram exus afro-brasileiros.
De modestos princípios, a Igreja inicia atividades numa funerária desativada no bairro popular da Abolição, Rio de Janeiro. Seu despontar, contudo, foi extraordinário. O rápido crescimento, ao lado das inúmeras controvérsias em que se envolveu nas décadas de 1980 e 1990, legou um vasto acervo documental escrito pelos serviços de inteligência federal, rico material para a reconstituição da sua trajetória.
Tais papéis relatam a rápida ascensão da Igreja Universal na década de 1980. Ela foi concentrada, porém, nos subúrbios das grandes cidades e sem paralelo no interior do país, fato que Chesnut (1997, p. 47) atribui à “queda brusca na renda da população urbana”, atraída pela tríade teológica “exorcismo, prosperidade e cura”. Essencialmente voltadas para esse grupo, as táticas de recrutamento de seguidores da IURD, porém, não se resumiram ao espaço do culto, compreendendo programas de alfabetização, campanhas de doação de alimentos e distribuição de “sopões” para a população de rua.
Em agosto de 1989, portanto, relatório[2] confidencial da Agência Central do Serviço Nacional de Informações - SNI informava que a Igreja atingira a marca de um milhão de adeptos e 580 templos, ostentando um “vasto patrimônio”, como doze emissoras rádios no Rio de Janeiro, Ceará e Bahia. O relatório está anexado a documento da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça, que investigava as ações da Igreja, em particular as compras de emissoras, segundo o papel feitas por “testas-de-ferro” e com dinheiro de procedência desconhecida. O Know How para a realização dessas produções seria adquirido nos Estados Unidos, assimilando “técnicas e estratégias” de pregadores televisivos (CAMPOS, 1996, p. 91).
A ascensão midiática da IURD foi acompanhada também pelo Serviço Nacional de Informações – SNI. Documento[3] de 1989, escrito no calor da notável compra da Rede Record de Televisão, além de dar conta deste fato, informava a aquisição de diversas emissoras de rádio por “seitas”. Na mídia impressa, o SNI também via a infiltração evangélica, destacando o caso do jornal Folha Cristã, “que divulga textos de interesse das igrejas Assembleia de Deus, Batista e Universal do Reino de Deus”.
Sustentado por essa campanha, na década de 1990 o crescimento da Universal seguiu firme. Confirmando tal pujança, informe[4] confidencial da Agência Regional de Pernambuco da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, datado de fevereiro de 1996, supunha que naquela altura a IURD chegara a três milhões[5] de seguidores e sete mil pastores divididos em 2.100 templos pelo Brasil e outros 225 em 34 países, com patrimônio estimado em oitocentos milhões de dólares.
Embates com as religiões afro-brasileiras, o catolicismo e o espiritismo
Em 1977 o SNI[6] assinalava que as organizações religiosas pentecostais e as afro-brasileiras cresciam em ritmo mais ou menos comparável. Como explicar, então, o encolhimento do candomblé e da umbanda em tempos recentes?
Certamente teve peso considerável a violenta campanha evangélica contra as religiões de matriz africana. Guerra que tem na Igreja de Edir Macedo o ator mais engajado, oferecendo semanalmente uma “Corrente da Libertação”, ritual de exorcismo para “afastar demônios, libertar as pessoas que estão escravas dessas entidades que, na opinião dos iurdianos são ‘“santos” com aspas” (SILVA, E. 2002, p. 5-6).
A documentação do Estado brasileiro traz relatos dessas ações, que não se resumiam aos ataques simbólicos, envolvendo também a violência física. Aparece ali a IURD como a principal origem dessas agressões, que não poupavam também o catolicismo, como ilustrado pelo famoso episódio do “chute na santa”[7].
Em julho de 1989 a Superintendência da Polícia Federal em Goiás emitiu um pedido de busca para confirmar denúncias feitas contra a IURD. Conforme o documento, católicos, espíritas e umbandistas acusavam-na de “desrespeito, agressão física aos fiéis e depredação de templos dessas religiões”[8]. No mesmo ano, no Rio de Janeiro, o deputado estadual Átila Nunes pediu a abertura de inquérito policial para a investigação de ataques a terreiros[9]. Segundo Nunes, após o início da ação policial, tanto ele como o presidente da Confederação Nacional da umbanda e Cultos Brasileiros teriam passado a receber ameaças. Também na Bahia, berço do candomblé, a IURD desferia golpes, como o caso ocorrido em Salvador, em agosto de 1989, quando milhares de adeptos foram às ruas para denunciar um hipotético sacrifício de crianças em terreiros[10].
A campanha iurdiana era constatada pelo próprio SNI, que julgava serem as metas da Igreja “combater as drogas, o umbandismo, as magias negras em geral, o espiritismo e as idolatrias da Igreja Católica”[11]. Exemplar dessas disposições, frisava o Serviço a crença de que práticas como a incorporação de espíritos seriam “coisa do diabo” e a oposição ao “uso de velas aos mortos” e aos santos católicos. Era frisada também a intolerância de muitos iurdianos, transparecendo em fatos como o ocorrido em São Luís - MA em março de 1989, onde se realizou uma “ruidosa e violenta manifestação religiosa”[12] a fim de obstruir a procissão católica do Senhor Morto.
Outra agressão ocorreu na capital fluminense, em janeiro de 1999, nos festejos do dia de São Sebastião. Durante missa na Catedral Metropolitana, pessoas vestindo “roupas normalmente usadas por seminaristas católicos”[13] infiltraram-se para “distribuir panfletos ironizando a conduta dos católicos reverenciando São Sebastião”. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República atribuía a ação à IURD, cujas publicações recentes faziam “uma onda de provocações” aos católicos.
A Igreja Universal do Reino de Deus e o Estado brasileiro
Surgida em finas dos anos 1970, não se pode dizer que as relações da IURD com a ditadura foram amistosas. Pentecostais tardios, inaugurando práticas e aprofundando a monetização de outras já comuns, como as sessões de cura, a Universal começa a se expandir quando o regime dos generais se desagrega. A organização não foi integrada, portanto, em programas de sustentação ideológica[14], tal como outras pentecostais mais antigas, recebendo neste período a desconfiança governamental ao invés de afagos e benesses. Tais desentendimentos parecem em grande parte reportar-se à ênfase na Teologia da Prosperidade e no correspondente impulso arrecadatório dos cultos.
Dossiê do Serviço Nacional de Informações – SNI mostra a vigilância constante e o mau juízo que o regime fazia do empreendimento. Retrocedendo a maio de 1981, ele contém documento da Delegacia de Polícia Fazendária do Departamento de Polícia Federal comunicando abertura de investigação sobre denúncias de contrabando contra Edir Macedo, que estaria trazendo equipamentos dos Estados Unidos, contando com ajuda para “desembaraçar-se na Alfândega”[15]. As investigações encontraram indícios das denúncias, tendo Macedo confessado que trouxera apenas algumas fitas de videocassete e microfones, liberados por uma “Sr.ª Lúcia”, funcionária da Receita. As denúncias terminaram arquivadas, contudo, diante da indisponibilidade de maiores provas.
Os serviços de inteligência, porém, permaneceram antenados nas atividades da IURD, conforme revela documento de 1989, juntado ao mesmo dossiê, que discorria sobre as suas ousadas campanhas dizimistas. Em função delas, julgava o SNI ser a Universal essencialmente uma “organização comercial que usa como fachada o nome de Igreja, ficando isenta de alguns tributos e fiscalização”, valendo-se de “charlatanismo e curandeirismo como forma de arrecadar “doações”’. Notava-se que, em tempos de hiperinflação, eram solicitadas doações em dólar, entre slogans como “Quanto Vale um Milagre e Quem Não Tem Dólar Dá Cruzado”. Edir Macedo chegou mesmo a ser brevemente preso em 1992 por queixas de ex-seguidores que, após doarem o que tinham e não tinham, não receberam as dádivas prometidas. Paralelamente, o Ministério Público Federal manteve-se atento à IURD durante boa parte da década de 1990, interessado no processo de conversão do não tributável dízimo, através de manobras de duvidosa licitude, em capital investido em atividades lucrativas (NASCIMENTO, 2019).
A despeito dessa resistência, Edir Macedo sempre alimentou planos para frequentar o governo brasileiro. Não é fortuito, assim, que a Igreja Universal seja uma das pentecostais cujas incursões partidárias se deram em menor tempo após a fundação, lançando candidatos já em 1982, e que, ainda nos primeiros anos da redemocratização tenha conseguido sua inserção nos quadros estatais com a eleição para deputado federal do seu cofundador, Roberto Augusto Lopes, um dos principais interlocutores entre a bancada evangélica e José Sarney. Documento[16] formulado pelo SNI conta como o pastor conseguiu o favor do presidente, oferecendo-lhe o apoio da IURD e outras igrejas. A parceria foi firmada em julho de 1987, envolvendo a nomeação do pastor da Assembleia de Deus Jeremias Soares de Oliveira para a direção da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE. Outro documento do SNI sobre o mesmo tema indica que o interesse evangélico na SUDEPE seria a contraposição ao trabalho da Pastoral da Pesca, “organismo progressista vinculado à CNBB” [17].
Com a eleição de Fernando Collor de Mello em 1989, a IURD aprofunda a sua integração estatal. A amizade entre Macedo e Collor, que viu no primeiro um grande cabo eleitoral, foi costurada pelo empresário, eleito deputado federal no mesmo ano, Alberto Felipe Haddad Filho. Como dividendos da nova relação, Macedo teria obtido facilidades para efetivar a compra da TV Record (NASCIMENTO, 2019).
A parceria entre a burocracia estatal e o “bispo” prosseguiu nos anos de Fernando Henrique Cardoso, cuja eleição também foi facilitada pela mobilização da base de fiéis da Universal, em troca da regularização de canais de TV cuja transferência de controle acionário encontrava-se emperrada (NASCIMENTO, 2019).
Ilustrando a mudança de opinião estatal sobre a IURD, em 1998 a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República de FHC alinhava-se com a Igreja em suas disputas com a Rede Globo. Reportava, assim, que o programa Globo Repórter, “à guisa de informar e fazer denúncias em prol da sociedade”, deixava “transparecer suas “tintas de imprensa marron”[18] no serviço de interesses inconfessáveis dos proprietários” (SIC). Arrolava, portanto, uma série de reportagens, tidas como difamatórias, contra as forças armadas e a “Igreja Universal do Reino de Deus e seu bispo Edir Macedo, este grande concorrente do Grupo Roberto Marinho na área de comunicação social”. O mesmo órgão que, seis anos antes, apesar das boas relações com Collor, sugeria “a conveniência de reavaliação da concessão de um canal de televisão” [19] e uma “devassa fiscal, objetivando conter os excessos da IURD e o poder de influência do seu principal líder”.
Também em 1998, a Secretaria formulou outro documento que sugere que tanto a IURD quanto a Igreja Católica podem ter tido o acesso a penitenciárias facilitado em seus trabalhos de cunho não apenas religioso, mas também educativo e assistencialista. Ao comentar a campanha realizada pelos católicos naquele ano, intitulada A Fraternidade e os Encarcerados, o órgão destacava também a presença da Igreja de Macedo junto aos presos, conectando tais fatos a uma alegada melhoria na administração penitenciária em estados como o Rio de Janeiro. Essas ações eram vistas, assim, como desejáveis, pois “neutralizam as campanhas assacadas contra o Brasil por ONGs nacionais e internacionais vinculadas aos direitos humanos”[20].
Passou a IURD ao longo dos anos 1990, dessa forma, por um processo de legitimação social e integração ao Estado, fenômeno que prosseguiria nos governos do Partido dos Trabalhadores. Aproximação antecipada pela visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Edir Macedo, durante sua prisão em 1992, pelo auxílio jurídico a ele prestado pelo advogado Márcio Thomaz Bastos, futuro ministro da Justiça de Lula (NASCIMENTO, 2019), e que era preconizada por importantes quadros petistas, como o sociólogo Paul Freston, que procurou negar as alegadas inclinações direitistas do público pentecostal.
Conclusão
Após meados da década de 1970, um Brasil plenamente urbanizado, onde o rádio e a TV tornam-se itens domésticos corriqueiros, observa o despontar de igrejas pentecostais atualizadas, que se alastram pelas periferias urbanas impulsionadas pelas ondas das telecomunicações e pela eclosão de mazelas sociais típicas da nova realidade econômica e social. Assim, o revigorado apelo aos impulsos consumistas, que esbarra na remuneração crescentemente insuficiente do trabalho nas cidades, vê no aceno ao acesso às riquezas, oferecido pela teologia da prosperidade, atraente chamariz para o púlpito evangélico. Ao lado das agressivas campanhas de prospecção de fiéis, em prejuízo da Igreja católica e das religiões afro-brasileiras, será, portanto, essa combinação de pobreza galopante com o desenvolvimento de um forte mercado capitalista interno o motor primordial da expansão “neopentecostal” brasileira.
Já a Teologia do Domínio garantirá a irrupção dos novos pentecostais também no ramo da política. Ainda que, nesta seara, o caso mais destacado seja o da IURD, que detém expressiva parcela da bancada evangélica, outras neopentecostais sem representantes no Congresso não se furtarão a participar da vida partidária nacional. A esse respeito, o passado recente é emblemático, acreditando o teólogo Fábio Py (2020), por exemplo, que a aproximação de líderes religiosos com o Estado atingiria novos patamares durante o governo Jair Bolsonaro. Em face do desgaste enfrentado pelo presidente pelas disposições negacionistas exibidas durante a epidemia de COVID-19, Edir Macedo, R.R. Soares e Valdemiro Santiago, entre outros, teriam concebido uma campanha de santificação do mandatário que, se pedia o sacrifício da população em nome de um bem maior, a manutenção do funcionamento do país, o fazia com a autoridade de quem se expusera a semelhante sacrifício, quase perdendo a vida durante a campanha presidencial de 2018.
[1] O pentecostalismo original tem como pedra angular a ideia de que os dons concedidos pelo Espírito Santo aos apóstolos de Jesus Cristo, conforme descrito no Novo Testamento, como a habilidade de falar em outras línguas, fazer profecias, receber revelações e praticar a cura espiritual, permaneceriam acessíveis no presente. As teologias do Domínio e da Prosperidade se somam a estes preceitos no “neopentecostalismo”.
[2] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus, IURD. SE141 AC. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.89071864.
[3] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Veículos de Comunicação Social, UCS, Jornais, Rádios e Televisões sob Influência de Seitas Evangélicas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.90019323.
[4] ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC, GNC.III.990009747.
[5] Números que estatísticas posteriores do IBGE revelaram ser exagerados, indicando que, em 2010, a membresia da IURD somava pouco menos de dois milhões.
[6] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. A Posição da Igreja católica Apostólica Romana em Relação às demais Religiões ou Seitas. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.82001191.
[7] Em 12 de outubro de 1995, no programa O Despertar da Fé na Rede Record de Televisão, o pastor Sérgio Von Helder aplicou chutes a uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida.
[8] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus - Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012868.
[9] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus - Dossiê. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556.
[10] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus de Itinga, Faz Protesto Contra as Religiões Afro Brasileiras, em Salvador BA. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.PPP.89010798.
[11] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Atuação da Igreja Universal do Reino de Deus. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.RRR.89012965.
[12] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus - Dossiê. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.QQQ.89004476.
[13] ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021611.
[14] Em outro lugar procurei demonstrar como a expansão de organizações religiosas conservadoras, sobretudo as inspiradas no ambiente religioso norte-americano, empenharam-se, após meados do século XX, numa campanha político-ideológica com o fito de consolidar interesses capitalistas enraizados nos Estados Unidos, sendo o apoio a ditaduras no Cone Sul um dos aspectos dessa campanha (NETTO, 2022).
[15] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Igreja Universal do Reino de Deus. Arquivo Nacional. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.CCC.89017556.
[16] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
[17] ARQUIVO NACIONAL. Serviço Nacional de Informações. Bloco Parlamentar Evangelico, Apoio Irrestrito ao Presidente Sarney. Código de Referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.87063733.
[18] ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem título. Código de Referência: BR DFANBSB H4.MIC,GNC.CCC.990021497.
[19] ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de referência BR DFANBSB H4.MIC,GNC.DIT.920076033.
[20] ARQUIVO NACIONAL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Sem Título. Código de Referência BR DFANBSB H4,MIC,GNC.CCC.990021496.
Bibliografia aqui