Brasília e a dança de Aruanã
Os povos conhecidos pelos “não-índios” como Karajás (denominação criada no início do século XX) autodeclaram-se como Iny (que na verdade significa “nós” em seu idioma). Atualmente contam com poucos milhares de indivíduos vivendo em tribos que reconhecidamente são algumas das mais tenazes, no Brasil, em relação as suas tradições. Vivem na região do Araguaia, inclusive na ilha do Bananal, objeto de interesse do filme aqui exibido.
A dança do Aruanã é um ritual karajá que há muito desperta a curiosidade e o entusiasmo de visitantes externos. Suas famosas máscaras ijasó foram descritas por Paul Erenheich em 1888. No ritual, a dança é realizada sempre em pares, pous um aruanã precisa de duas máscaras para existir. Eduardo Soares Nunes descreve: “Sua indumentária é composta por saiotes de palha amarrados ao corpo e sua cabeça, a parte mais importante da máscara. Ela tem formato cilíndrico e apresenta padrões gráficos estampados. A parte da frente é dita ser o “rosto” (kò ♀, ò ♂) da entidade. A parte superior de suas cabeças é sempre adornada com penas.”As vestimentas não são iguais, variando na cor e no desenho, e cada aruanã tem passos e ritmos que lhes são peculiares.
Segundo Sônia Regina Lourenço, nesses rituais cíclicos “os Aruanãs são convidados a cantar e dançar para os humanos sociais, dramatizando, de um lado, a memória, os sentimentos e as emoções, e de outro, refazendo, cerzindo as relações entre os afins.”
Juscelino Kubitschek, eleito presidente em 1956, volta sua atenção para a região central do Brasil, com a construção da nova capital, Brasília. Nesse processo, acaba por ressucitar a Fundação Brasil Central, criada por Getúlio Vargas em 1943, que atua na região do rio Araguaia, interferindo na vida dos karajás (e outros povos ali instalados). Em 1960, tem início a “Operação Bananal,” que segundo seu idealizador, o próprio JK, “tratava-se de um impulso a mais, na direção da Fronteira Ocidental. Para que esse alvo fosse atingido, seria necessário transformar a ilha em parque nacional. O parque seria a meta da marcha que eu iria iniciar, no sentido de estabelecer naquela região, até então deserta, núcleos agrícolas pioneiros para o pleno desenvolvimento de atividades agropecuaristas. Como a ilha era um paraíso de caça e pesca, decidi construir no seu ponto mais favorável um hotel de turismo, e levando em conta as primitivas condições de vida na região, resolvi, simultaneamente, incorporar os índios que ali habitavam à civilização brasileira, criando, para eles, serviços locais de assistência imediata (KUBITSCHEK, 1978: 382 apud LIMA FILHO, 1998: 129).”
Durante meses milhares de operários trabalham intensamente, para que no início de 1961, já houvesse um pequeno hospital indígena, uma escola primária indígena para 250 crianças, instalações de energia e abastecimento. Mas o hotel em si ainda não estava pronto, e JK termina o mandato antes de fazê-lo. Ele seria inaugurado apenas em 1965 (depois de processos e embargos por conta de fraudes e desvios de verbas), depois de arrendado pelo governo militar a um grupo privado. Era um estabelecimento luxuoso que funcionou efetivamente por apenas 2 anos, pois a Fundação Brasil Central foi extinta e a regulamentação da exploração comercial na região ficou incerta.
A proibição da entrada de turistas na região enterrou de vez a iniciativa, em 1980. O prédio pegou fogo poucos anos depois, quando já se encontrava completamente depenado. Hoje ainda se pode ver as ruínas do prédio, na aldeia Wàrebia.
BR RJANRIO EH.0.FIL, CJI.225
BANANAL [GO]. Rancho pioneiro de turismo na Ilha Fluvial. Juscelino no Palácio Alvorada. Imagens de Tribo Indígena. 1960
LOURENÇO, Sonia Regina et al. Brincadeiras de Aruanã: performances, mito, música e dança entre os Javaé da Ilha do Bananal (TO). 2012.
NUNES, Eduardo Soares. Transformações Karajá: os “antigos” e o “pessoal de hoje” no mundo dos brancos. 2016.
SCHIEL, Helena. Dançando cacofonias: de mestiços, inã (Karajá) e “cultura”. Anuário Antropológico, n. II, p. 353-381, 2017.