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O médico inglês Edward Jenner (1749-1823) desenvolveu experimentos envolvendo reações individuais a formas de varíola bovina que acabaram por permitir a criação das vacinas contra a doença, devastadora na época. Na virada para o século XIX, o processo de imunização contra a varíola (embora tivesse muitos opositores, que encaravam com repugnância e ceticismo a utilização de pus de animais doentes no processo) tornou-se conhecido em toda a Europa e começou a se espalhar pelo mundo. No Brasil, tentou-se a obrigatoriedade de vacinação ainda no século XIX, inviabilizada pela falta de produção de vacinas em território nacional. Na virada para o século XX, já existiam algumas instituições capazes de produzir o soro anti-viral: Instituto Vacínico Municipal e Instituto Soroterápico Federal. Em 1904 ela se tornou definitivamente obrigatória por iniciativa do sanitarista Oswaldo Cruz, o que acabou por ser um dos fatores a desencadear a Revolta da Vacina.

Ao longo dos anos aumentou o número de doenças combatidas através da vacina, resultando no controle ou mesmo erradicação de várias delas: sarampo, poliomielite, a própria varíola, entre muitas outras. No Brasil, percebe-se uma elevada adesão a este pacto coletivo de saúde pública, desenvolvida ao longo de décadas de campanhas públicas, e que perdura até os dias de hoje, embora enfraquecida nos últimos anos em consequência de campanhas insidiosas e fake news. Segundo Hochman, “a demanda e a oferta por mais vacinas pode ser associada à compreensão consagrada na Constituição Federal de 1988 de que a saúde (e a imunização) é um direito a ser garantido pelo Estado. No caso brasileiro, a cesta de vacinas disponíveis gratuitamente pelos serviços públicos de saúde é maior do que aquela recomendada pelas organizações de saúde internacionais como a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) e maior do que o ofertado pelos demais países da América Latina e por muitos países da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD).”

O direito à vacinação encontra-se no Estatuto do Menor e do Adolescente, de 1990, mas o calendário obrigatório a ser seguido pelos pais foi estabelecido em lei nos anos 1970 com o Plano Nacional de Imunização, um dos mais abrangentes do mundo. Nos últimos anos, contudo, a cobertura da vacinação pública tem sido abaixo do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde e desde 2015 não atinge suas próprias metas, de acordo com o DATASUS (Departamento de Informática do Sistema único de Saúde). https://datasus.saude.gov.br/sobre-o-datasus/

As campanhas de educação sanitária desenvolvidas pelos governos brasileiros especialmente a partir da segunda metade do século XX mostraram-se fundamentais para o elevado índice de adesão às vacinas. Nos anos 1970, um personagem animado tornou-se famoso por protagonizar desenhos institucionais educativos voltados para higiene e saúde. Com o lema “povo desenvolvido é povo limpo,” a campanha criada em 1972 encarnava o projeto de desenvolvimento e modernização dos governos militares, e buscava levar ao maior número possível de pessoas uma educação sanitária vinculada a educação cívica. Através do mais poderoso veículo de comunicação para as massas existente – a televisão – o Sujismundo apresentava de forma lúdica os hábitos fundamentais para a manutenção da saúde. Partindo de preconceitos típicos das nossas elites, a campanha percebia o povo brasileiro como integralmente despreparado para a “civilização,” com hábitos prejudiciais a uma nação moderna e que deveriam ser erradicados. Preconceitos e elitismo a parte, o alcance desta campanha contribuiu para a conscientização acerca de algumas doenças e suas relações com determinados hábitos comuns.

A campanha “povo desenvolvido é povo limpo” foi encerrada poucos meses depois de iniciada, mas o personagem Sujismundo e a estratégia de utilizar desenhos animados continuaram, e logo voltariam às telas brasileiras a despeito das críticas daqueles que desprezavam o formato, considerando-o infantil, carente de seriedade. A popularidade das campanhas subsequentes, contudo, confirmariam o sucesso da ideia.

Desenho animado com Sujismundo mostrando a importância das vacinas para evitar doenças. Arquivo Nacional. Fundo Agência Nacional. BR_RJANRIO_EH_0_FIL_FIT_032

COLUSSI, Eliane Lucia; BALBINOT, Valmíria Antonia. Propaganda e educação sanitária na década de 1970:“Povo desenvolvido é povo limpo”. Anos 90, v. 15, n. 28, p. 253-275, 2008.

HOCHMAN, Gilberto. Vacinação, varíola e uma cultura da imunização no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 2, p. 375-386, 2011.

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