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A Petrobrás foi criada em 1953 pela lei 2004, que versava sobre a política nacional do petróleo de uma forma geral e também estabelecia o monopólio estatal da exploração do mesmo, mantido até 1997 quando o mercado foi aberto a outras empresas. A Petrobrás segue, no entanto, como a maior empresa do país, líder na exploração das reservas de petróleo e gás. Uma das maiores empresas do mundo, a Petrobrás é uma companhia de economia mista e capital aberto cujo acionista majoritário é a União (Brasil) com produção diária de 2 milhões de barris de petróleo. Emprega quase 50 mil pessoas e suas atividades se estendem por praticamente todo o território nacional e 14 países. Atualmente é um conglomerado formado por várias subsidiárias, como a Petroquisa e a Transpetro, entre outras.

O fato de entre 1953 e 1988 todos os presidentes da Petrobrás terem sido externos a empresa pode ser visto como um dos indícios dos seus usos políticos. Apenas em 1988 o Presidente da República José Sarney nomeou um funcionário de carreira para o cargo, Armando Guedes Coelho, engenheiro que ingressou na Petrobrás nos anos 1960. Ele permaneceu no cargo poucos meses, durante os quais abriu uma comissão de sindicância para apurar denúncias de extorsão realizada pela diretoria de Petrobras Distribuidora junto a alguns bancos. O diretor (e general) Alberico Barroso, da citada Petrobras Distribuidora, empresa do conglomerado no centro das acusações que teve uma grande repercussão entre o público e a mídia, foi acusado de fraudar ou ter conhecimento de fraudes em notas fiscais da empresa. Uma vez que José Sarney recusou-se a demitir Barroso (ao solicitar sua demissão ao presidente, Guedes Coelho obteve a desconcertante resposta: “eu não demito amigos”), o presidente da Petrobrás entregou o cargo.

Questões políticas não resultam apenas em escândalos de corrupção e denúncias de incompetência, que algumas vezes deram origem às “CPIs da Petrobrás” (1955, 1963, 1980, 1989, 2015...).  Em várias ocasiões, o governo impediu que a Petrobrás praticasse preços competitivos, em manobras populistas que visavam poupar o consumidor do aumento no preço do combustível ou/ e segurar uma escalada inflacionária.

Constituída apenas dois anos após a criação da Petrobrás, a primeira CPI ligada à estatal tinha por objetivo “investigar e apurar assuntos ligados à exploração do petróleo e à Petrobrás.”  O viés político da Comissão era bastante claro na lista de fatos a serem apurados, o que ecoava os interesses daqueles que se opunham ao monopólio da exploração de petróleo e mesmo à existência da empresa. Propondo-se a investigar “se a Petrobrás, tendo em vista o desenvolvimento normal de nossas necessidades, constitui o instrumento adequado para a solução do problema do petróleo”, entre outros pontos, a CPI sofreu a influência direta do  otimismo em relação às descobertas de petróleo no Brasil (na Bahia e na região Amazônica) e o relatório final acaba por endossar sua importância e adequação.

Nas décadas subsequentes, denúncias isoladas de corrupção na empresa não conseguiram transformar-se em investigações concretas. Depois do golpe militar de 1964, a já parca transparência do Estado brasileiro se tornou inexistente e os esquemas de corrupção envolvendo empresas públicas e privadas se institucionalizaram. Foi no período da ditadura militar, aliás, que a empresa começou a crescer drasticamente, consequência direta das descobertas de enormes reservas de petróleo na costa fluminense.

No governo de Fernando Collor, iniciado em 1990 o Presidente foi acusado de indicar amigos para cargos-chave nas empresas da Petrobrás, que superfaturavam vendas ao exterior, em prejuízo dos cofres públicos. O mais recente caso de corrupção envolvendo a Petrobras resultou na criação da Operação Lava a Jato e da CPI Petrobras instalada em 2015. Embora o escopo temporário desta CPI não vá além de 2005, o relatório da mesma concluiu que o esquema de corrupção que lesou o Estado brasileiro em bilhões de dólares teve origem com o chamado caso Banestado (Banco do estado do Paraná) na segunda metade dos anos 1990, que envolvia denúncias de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. As tentativas de se criar uma CPI para investigar o esquema foram arquivadas e o caso foi enterrado na transição do governo FHC para o governo Lula em 2003. Ao contrário da Lava a jato, apenas figuras menores cumpriram pena e o “incidente” (que, avalia-se, lavou 134 bilhões de dólares via empresas e bancos públicos) não teve maiores repercussões.

Historicamente, percebe-se a quase inexistência do combate a esta corrupção sistemática no Brasil, tendo os vários governos optado pelo combate pontual a ações e incidentes específicos, quando muito. Muitas vezes, como no caso do respeitado jornalista Paulo Francis (que denunciou a corrupção na Petrobrás no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso em 1996, denúncias estas comprovadas pela CPI instaurada em 2015 e pela Operação Lava a Jato, a partir do ano anterior), o próprio denunciante sofria graves retaliações e processos judiciais. Apenas em 2013 a Lei de Combate às Organizações Criminosas (Lei nº 12.850) entrou em vigor, o que aparentemente facilitaria as denúncias e investigações, além de estabelecer um processo jurídico em tese mais rigoroso.

No entanto, de acordo com muitos juristas (e com o próprio relatório da CPI redigido em 2015) a lei não tem sido aplicada da mesma forma em todos os casos. Segundo as juristas e professoras de direito Gisele Cittadino e Carol Proner, “O Brasil do futuro vai lamentar profundamente a forma com que travou o “combate à corrupção sistêmica”, uma perda de oportunidade histórica de fazer as coisas dentro dos marcos legais e aprofundar o processo democrático. Para além dos espetáculos midiáticos, da tutela judicial da democracia e da clara perseguição a uns e proteção a outros, o futuro econômico e empresarial do país foi transformado em terra arrasada pela Lava Jato [...] A Lava Jato tem sido considerada por estudiosos como promotora de um direito penal de exceção que, embalado pela comoção midiática, inaugura procedimentos e técnicas de investigação que maculam, a priori, as garantias processuais em nome de um suposto combate à corrupção do país.”

As relações promíscuas e os esquemas de corrupção envolvendo empresas estatais e privadas (sem as quais tais esquemas seriam impossíveis) são tão antigas quanto o Estado brasileiro, que tradicionalmente apresenta um padrão de apropriação privada e predatória por parte das elites que se aproxima do patrimonialismo burocrático peculiar, segundo uma vertente sociológica brasileira representada, entre outros, por Raimundo Faoro e Sérgio Buarque de Hollanda. Com o intenso processo de midiatização da sociedade de uma forma geral ocorrido a partir dos anos 1970, a corrupção no Brasil vem se tornando cada vez mais uma peça crucial na espetacularização da política, sujeita a usos e desusos políticos que costumam mascarar a raiz dos problemas. A luta contra a corrupção institucionalizada no país, marca das atividades de empresas e organizações públicas e privadas pelo menos desde a instauração da República surge de tempos em tempos como bandeira de determinados grupos políticos (da vassourinha de Jânio Quadros em 1960 a caça aos marajás de Fernando Collor, eleito em 1989) e como uma preciosa “commodity” que as empresas de comunicação encaixam em suas narrativas acerca do poder público no Brasil.

Em um discurso realizado no senado enquanto vice-presidente em 1956, João Goulart expunha a forma recorrente com que, através de ataques às pessoas públicas atentava-se contra as instituições, denunciando ardis fraudulentos e campanhas difamatórias. BR_RJANRIO_EH_0_DSO_DIS_0352_d0001de0001. Agência Nacional. 

Um informe confidencial da Divisão de segurança da informação do Ministério das Minas e energia ao Sistema Nacional de Informações comunica a reação do SINDPETRO (sindicato de trabalhadores na indústria do petróleo) frente aos escândalos envolvendo a Petrobras Distribuidora em 1988. br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_89069466. SNI.

      

Recomendação de leitura

Comissão Parlamentar de Inquérito – Petrobrás, Relatório Final – 2015. Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/55a-legislatura/cpi-petrobras/documentos/outros-documentos/relatorio-final-da-cpi-petrobras Consulta em 12 de abril de 2021.

Cittadino, G., & Proner, C. COMBATER A CORRUPÇÃO SEM LESAR A PÁTRIA.

de Oliveira Medeiros, C. R., & da Silveira, R. A. (2017). A Petrobrás nas teias da corrupção: mecanismos discursivos da mídia brasileira na cobertura da Operação Lava Jato. Revista de Contabilidade e Organizações, 11(31), 11-20.

https://csalignac.jusbrasil.com.br/noticias/332167264/o-que-diferencia-o-caso-banestado-da-operacao-lava-jato

http://www.justificando.com/2014/09/23/justica-paulo-francis-ainda-que-tardia/

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