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Ao longo do século XX, diversos países testemunharam um movimento de crescente organização da sociedade civil. De formas variadas, inúmeros setores, aglutinados pelo trabalho, gênero, etnia, consumo, interesses diversos criaram estruturas próprias e formas peculiares de luta em defesa dos seus interesses, dos seus direitos e também, em maior ou menor grau, de pautas mais gerais e comuns a sociedade como um todo.

Com os estudantes não foi diferente, e a partir dos primeiros anos do século alunos das faculdades já se organizavam em prol de questões pontuais, buscando uma incipiente estruturação do movimento (fundação da Federação dos Estudantes Brasileiro, de breve existência, em 1901; realização do Congresso Nacional de Estudantes em 1910 e criação do Conselho Nacional dos Estudantes). A partir do Movimento de 1930 e da crescente urbanização e envolvimento dos cidadãos com a política de massas, os estudantes também se posicionam com mais vigor diante das questões nacionais ou internacionais, aderindo (por exemplo) ao integralismo da AIB ou ao comunismo de Prestes e do PC.

Por paradoxal que possa parecer, a União Nacional dos Estudantes (órgão maior do movimento estudantil brasileiro) nasceu em 1937, 3 meses antes da decretação da ditadura estadonovista por Vargas em novembro daquele ano (há algumas divergências em relação a data correta da fundação, mas a própria entidade considera 1937 seu ano de nascimento). O interesse na juventude e nos estudantes (um “investimento” nas gerações futuras) orientou uma aproximação de Vargas com o movimento estudantil, o que não livrou o presidente de críticas mordazes e nem alguns estudantes mais ousados de perseguição. No entanto, rapidamente o foco da União e da luta estudantil passou a ser o conflito europeu deflagrado em 1939 e que acabou envolvendo literalmente meio mundo, inclusive o Brasil. O movimento estudantil de uma forma geral passou a pressionar o governo para que o Brasil entrasse na guerra ao lado das forças aliadas contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão), o que veio a ocorrer em 1943.

Nas décadas seguintes a UNE envolveu-se nos principais debates e movimentos nacionais: a campanha O Petróleo é nosso (nos anos 1940-50, que resultou na criação da Petrobrás em 1953), a Campanha da Legalidade em 1961 (em defesa da posse de Jango após a renúncia de Jânio Quadros), o golpe de 1964 que instaurou a ditadura militar que duraria até 1985 (o movimento estudantil pagou um preço alto pelo seu envolvimento com os movimentos contra a ditadura, sendo desmantelada, colocada na ilegalidade e seus militantes e dirigentes, presos, assassinados, torturados ou exilados), o movimento em prol da anistia na década de 1970, Diretas Já, o impeachment de Fernando Collor de Melo em 1992…

 

As organizações estudantis de todos os níveis sempre foram alvo de acirradas disputas políticas, e com a UNE não tem sido diferente. Em geral por forças à esquerda do espectro político ocupam o espaço maior destas entidades, que no entanto não escapam do interesse das forças de direita e de extrema-direita, muitas vezes ligadas a partidos políticos em disputa no cenário da política institucional nacional. As entidades estudantis sempre se envolveram com pautas mais gerais, mas jamais deixaram de lado as questões específicas do universo estudantil, que afinal é sua luta maior. A busca por um ensino universal de qualidade é a maior delas, e nesse sentido vimos recentemente alunos das redes públicas mobilizando-se com veemência e coragem contra a nefasta PEC 241, que o governo Michel Temer apresentou ao Congresso em 2016 e que resulta em um congelamento atroz de gastos na educação e outras áreas do serviço público.

Os anos 1980 e 1990 representaram o retorno do movimento estudantil a arena política legal, e também foram décadas em que sua participação se mostraria bastante diferente do que havia sido até então. A nova geração que reconstruiu a UNE, a partir de Centros Acadêmicos nas faculdades, depois da Constituição de 1988 identificava-se também com outros interesses (movimento ecológico, emergência das ONGs, feminismo). De acordo com  alguns pesquisadores, a estabilização da democracia (e do papel dos partidos políticos) e a dispersão dos interesses dos estudantes deixou as entidades demasiadamente vulneráveis às disputas político-partidárias, afastando-as das suas bases.

Os documentos que acompanham este texto pertencem ao fundo Serviço Nacional de Informações, ainda ativo e atento aos movimentos sociais ao longo da década de 1980, período ao qual eles pertencem. O Arquivo Nacional atualmente está organizando o fundo União Nacional dos Estudantes - Projeto Memória do Movimento Estudantil, código ME, com material audiovisual doado à instituição em processo ainda em curso. 

Arquivos (todos disponíveis no SIAN):

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Barbosa, A. (2002). A (Des) articulação do Movimento Estudantil:(Décadas de 80 e 90). Educação: teoria e prática, 5-5.

 

Della Vechia, R. D. S. (2012). Movimentos sociais e movimento estudantil. Sociedade em Debate, 18(1), 31-54.

 

SALDANHA, Alberto. A UNE e o mito do poder jovem. Maceió. EDUFAL. 2005

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