Apesar da crise econômica que o país atravessava, o quarto centenário da “descoberta” do Brasil pelos portugueses mobilizou a sociedade nacional em 1900. No entanto, a programação inicialmente proposta teve que ser bastante reduzida em função da falta de verbas. A recém-República ainda patinava em busca da sua identidade, e o marco do descobrimento (na época, ainda sem aspas) representou uma oportunidade para exibir o patriotismo da nação, embora ainda indeciso: ora valorizando seus laços e origens europeus, ora o solo americano, encarnando um futuro possível e uma identidade própria. Mas, apesar de algumas ações de reforma urbana (em especial na Capital Federal, Rio de Janeiro), lançamentos de livros, eventos dispersos, a data não chegou a marcar de fato nossa história, ao contrário – por exemplo - dos 100 anos da Abertura dos Portos em 1908, comemorado com uma Exposição internacional após uma ampla reforma da capital, e dos 500 anos do “descobrimento” em 2000 – então com as aspas.
De todo modo, a ideia do Brasil como país do futuro já se disseminava na época; um país ao mesmo tempo herdeiro de grande tradição europeia e portador de idiossincrasias que permitiriam seu eventual sucesso. Limpar a nação se fazia necessário, deixando apenas traços e aspectos que permitissem sua “evolução;” ou seja, a pobreza, a maior parte das origens indígenas e herança africana (restando somente atributos convenientes e toleráveis, concedendo ao Brasil aquelas peculiaridades necessárias), tradições consideradas obscurantistas deveriam ser varridas do mapa. Ou, pelo menos, da vista. Tornou-se comum imaginar o Brasil em um momento futuro, após uma jornada ascendente rumo à ordem e o progresso. Esse otimismo integrava o positivismo em voga nos primeiros anos da República, que no entanto afastava-se do povo real, presente nas ruas.
A matéria aqui apresentada incorpora essa imaginação de futuro: o Rio de Janeiro no ano 2000, ano do V Centenário, vivo na memória de muitos de nós. A Revista da Semana de maio de 1900 dedicou-se a falar do Quarto Centenário e do destino do Brasil. Entre as mudanças imaginadas pelo autor - Urbano Duarte – que se concretizaram estava o fim da febre amarela e da tuberculose como doenças mortais e comuns; a enseada de Botafogo como atração por sua beleza; a resistência do Canal do Mangue; o discurso atemporal sobre como o passado era inevitavelmente melhor; a permanência de políticos enganadores, da corrupção, dívida pública... De resto, percebemos que a sociedade belle-époque jamais imaginou que o centro da cidade deixaria de ser o centro da beleza urbana e da vida social do Rio de Janeiro, já que o autor descreve ainda as transformações possíveis na paisagem central e em suas franjas, inclusive o Sacco do Alferes, localizado na região perto da atual Rodoviária Novo Rio, que sequer existe atualmente.
Revista da Semana, biblioteca Maria Beatriz Nascimento, J 352
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