Em 25 de maio de 2022 um homem negro foi abordado por agentes da polícia rodoviária federal em uma cidade no sul de Sergipe. Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, segundo testemunhas, foi abordado em sua moto e seguiu todas as ordens dadas pelos policiais; mesmo assim, foi brutalizado, espancado, sufocado, jogado na caçamba da viatura e agredido com gás suficiente para formar uma nuvem tóxica ao redor do veículo. Genivaldo, que sofria de esquizofrenia e tomava os remédios necessários, acabou morrendo por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda, segundo laudo do IML. Toda a ação assassina acabou filmada por celulares das testemunhas e correu o mundo. Mais uma vez, imagens de violência policial brasileira chocaram a comunidade internacional. Os agentes responsáveis, enquanto estas linhas estão sendo escritas, encontram-se presos mas sem data de julgamento marcada.
Em 24 de maio de 1987 um homem negro, epilético, estava nas dependências de um supermercado em Porto Alegre (RS) no momento em que um assalto estava em andamento. Ao ter uma crise na calçada, foi confundido com um dos assaltantes, preso sem chance de defesa (já que não conseguia se comunicar) e, dentro da viatura, assassinado a sangue frio pelos policiais que o levaram para o hospital meia hora depois de efetuada a prisão. Apenas um dos oficiais condenados chegou a cumprir pena. O crime também foi registrado, embora na época não houvesse celulares: um jornalista que cobria o assalto conseguiu registrar Julio Cesar de Melo – este era o nome do operário de 30 anos – ensanguentado e desacordado, mas ainda vivo ao entrar na viatura. Esta história se transformou no filme “O caso do homem errado,” de Camila de Moraes (2017).
Além do mês de maio, da presença de um transtorno mental/ cerebral e da atuação ilegal e letal da polícia, há outro fator em comum: a escolha da vítima por sua cor. Atualmente, esta atuação específica da polícia vem sendo caracterizada como “perfilamento racial”, a discriminação das pessoas por conta da cor no momento da abordagem policial.
Não é nada difícil perceber o quanto a violência policial é seletiva; dificilmente um músico branco com sua família seria alvo de 200 tiros de fuzil dados por soldados do exército em plena via pública de amplo acesso, como ocorreu com o músico Evaldo Rosa, assassinado em abril de 2019 em uma “operação” que também vitimou o catador Luciano Macedo. Oito militares foram condenados a penas entre 28 e 31 anos.
A cultura do extermínio no Brasil é notória e oficial: após o “incidente” com Evaldo e Luciano, o então presidente Jair Bolsonaro afirmou que "O Exército não matou ninguém, não"; seu então ministro da justiça, Sérgio Moro, afirmou que "Lamentavelmente esses fatos podem acontecer".
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indicam que em 2020, 6.500 pessoas morreram nas mãos da polícia no Brasil; 80% eram negras. Nosso país apresenta índices de letalidade policial inadmissíveis em democracias: a relação entre o total de mortos em intervenções policiais e o número de policiais mortos nas mesmas costuma indicar se estas forças estão agindo dentro da legalidade, da moderação, utilizando força letal apenas quando extremamente necessário. O FBI dos Estados Unidos (país que conta com uma polícia notoriamente racista e violenta) trabalha com uma proporção de 12 civis mortos para cada policial, sugerindo que quando esta proporção atinge 15, estamos diante de uma força policial abusiva.
No Brasil, este índice chegou a 33 em 2020.
A imagem aqui exibida integra um número do periódico Raça e Classe, inserido em um dossiê do SNI que conta com outros jornais do movimento negro que debatem temas como a violência policial seletiva, discriminação, violência contra mulheres negras, a farsa da abolição, crise econômica, além de relatórios da agência sobre a atividade das entidades. Notação: DFANBSB_V8_MIC_GNC_AAA_87063384_d0001de0001, fundo Serviço Nacional de Informação, setembro de 1987. Clique na imagem para abrir o documento.
Leitura recomendada:
https://forumseguranca.org.br/
Gouvêa, Viviane. Extermínio, 200 anos de um estado genocida. Planeta, 2022.