Ir às ruas é uma forma de protesto comum nas grandes cidades do mundo contemporâneo. Seja em democracias, para se exigir algum direito a mais ou protestar contra uma situação que cause indignação; seja em regimes mais fechados e pouco democráticos, onde enfrentar as forças de uma repressão aberta pode custar a vida. Intensamente associadas aos movimentos estudantis, passeatas contudo podem reunir um grande número de bandeiras e reivindicações dos mais variados movimentos, de todos os espectros políticos.
A foto acima contém algumas informações que facilitam bastante a sua identificação. Você sabe dizer em que contexto ela foi tirada?
Em 1968 a ditadura instaurada com o golpe militar de abril de 1964 começava a incomodar até mesmo alguns setores que inicialmente haviam-na apoiado. Artistas verbalizavam seu descontentamento com a censura e a perseguição política, e todo o meio universitário inquietava-se, reagindo não apenas contra a ditadura mas também contra a política para a educação educação. Políticos de destaque na arena pré-golpe articulavam-se em uma oposição ao regime que unia figuras tão díspares como Carlos Lacerda e JK.
O pavio das revoltas estudantis já estava aceso em outros países, e logo o Brasil também veria uma explosão a ganhar as ruas das grandes cidades. Um dia, especificamente, foi responsável por precipitar os acontecimentos, desencadeando protestos que durariam meses e colocariam em xeque um governo ditatorial que, para conter a situação, acabaria por fechar ainda mais o regime e intensificar a repressão. No dia 28 de março, um estudante de 18 anos, que fazia sua refeição em um restaurante estudantil no Calabouço, localizado na região central do Rio de Janeiro, foi assassinado pela polícia em meio a um protesto estudantil.
Edson Luis de Lima Souto viera do Pará para o Rio de Janeiro para terminar o antigo curso secundário. Não atuava de forma significativa no movimento estudantil e seu sonho era ser engenheiro. Não foi a única baixa resultante dos conflitos de 28 de março – o estudante Benedito Dutra chegou a ser levado para o hospital mas faleceu horas depois – mas apenas ele teve a necropsia realizada em plena Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, para onde seus colegas o levaram com medo que os policiais sequestrassem seu corpo.
Uma multidão consternada compareceu a Cinelândia para velar o corpo. As manchetes dos jornais anunciavam: “Mataram um estudante. Podia ser seu filho.” Parte da classe média começava a perceber que a violência da ditadura não poderia ser contida e direcionada apenas àqueles que consideravam seus próprios inimigos: sindicalistas – urbanos ou rurais-, “esquerdistas,” “comunistas, “ateus.” O dia seguinte a morte de Edson Luis foi um dia de velório mas também de protestos, que se espalharam pela cidade. A violência policial arrefeceu mas não cessou, e voltou a carga total no início de abril, quando perseguiu de forma covarde centenas de pessoas que haviam comparecido à missa de sétimo dia do estudante na igreja da Candelária.
A estrutura de vigilância e espionagem do SNI já havia criado raízes em todo o Brasil e tornara-se peça fundamental da repressão: todos os movimentos sociais, as repartições estaduais, as escolas e universidades encontravam-se sob a onipresente mira de milhares de X-9s, “arapongas”, agentes infiltrados responsáveis por, de forma sub-reptícia, coletar e enviar informações cruciais para o SNI e a polícia militar. A foto acima foi tirada por um agente infiltrado na passeata ao dia seguinte a morte de Edson Luis, e integra um dos dossiês do fundo SNI do Arquivo Nacional.
A base de dados pode ser consultada no SIAN.
Imagem: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.70038094