Getúlio Vargas suicidou-se com um tiro no coração no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, em 24 de agosto de 1954. O episódio, além de marcar a história republicana brasileira, entrou para o imaginário popular, mitificando a figura do homem que durante mais tempo ocupou o cargo máximo do executivo.
Embora tenha ocupado a Presidência da República entre 1930 e 1945, Vargas foi eleito por voto popular direto apenas nas eleições de 3 de outubro de 1950. Apesar da relutância da oposição e de setores militares, ele tomou posse em janeiro de 1951.
Não terminou o mandato.
O suicídio não o retirou da cena política. Como ele mesmo anuncia em sua célebre carta-testamento, “saio da vida para entrar na história.” As denúncias contidas na carta (segundo a qual seus opositores impediam que ele governasse para o povo brasileiro, preferindo em vez disso defender os interesses das empresas multinacionais), a emocionante exposição das suas próprias frustrações e humilhações diante de seus inimigos e a trágica atitude deixaram seus opositores sem ação e à mercê da raiva popular, e transformou-o em um herói para muitos, invocado ao longo de décadas sempre que os interesses nacionais e populares estavam em jogo.
A imagem acima está intimamente relacionada com os eventos que culminaram com o suicídio de Vargas. O que você tem a dizer sobre ela?
Getúlio Vargas foi eleito presidente da República por voto popular apenas uma vez, em 1950. Ocupou o cargo entre 1930 e 1945, e entre 1951 e 1954, sempre buscando forjar uma imagem de protetor do povo brasileiro, em especial dos mais pobres. A legislação elaborada ao longo do seu primeiro governo seria responsável pela limitação da exploração do trabalhador assalariado em um país de industrialização tardia, em que a desregulamentação das condições de trabalho costumava ser a norma. Este corpo de leis – a CLT, consolidação das leis de trabalho -, perdura até hoje, apesar dos constantes e muitas vezes bem-sucedidos ataques a regulamentação e proteção do trabalhador brasileiro.
Além da regulamentação das leis de trabalho, o posicionamento frequentemente nacionalista de Getúlio incomodava profundamente uma parte expressiva do empresariado nacional, em especial aquele associado ao capital internacional e financeiro. No seu mandato democrático, Getúlio também desafiou os interesses ligados ao petróleo, criando a Petrobrás e impedindo a exploração do ouro negro por empresas estrangeiras. A aproximação com o movimento sindical (indicada pela presença de João Goulart na pasta do trabalho e pelo aumento expressivo do salário mínimo em 1954) assustava a UDN, União Democrática Nacional, partido de direita que se opunha fortemente a Vargas, à maioria das políticas nacionalistas, e a qualquer aspecto de participação dos trabalhadores organizados na vida política do país. A algaravia que promoviam no Congresso era tal que a bancada ficou conhecida como a banda de música, orquestrada com a ajuda do jornalista Carlos Lacerda que, nas páginas do seu jornal Tribuna da imprensa atacava o governo incessantemente. Pouco afeito a democracia de fato e sem nenhuma reserva quanto a admitir sua opção por vias golpistas, Lacerda acabou por se tornar pivô da crise que culminou com o suicídio de Getúlio Vargas em agosto de 1954.
No início de agosto de 1954, Lacerda encontra-se já em campanha para se eleger deputado federal pelo Distrito Federal. Na noite do dia 4, o jornalista voltava para casa depois de realizar um comício. Chegando na rua Tonelero, em Copacabana, Rio de Janeiro, Lacerda desce do carro em que estava na companhia do filho e do major Rubens Florentino Vaz, que ajudava a fazer a segurança do candidato. Neste momento, um homem passa atirando, e acerta o major. Um guarda que se encontrava nas proximidades socorre o grupo mas também é atingido, embora sem gravidade. Contudo, o major não tem tanta sorte e morre no local.
Havia a desconfiança entre a oposição de que o governo de Vargas estava de alguma forma envolvido, desconfiança esta que passou a ser uma certeza estampada na página de muitos jornais. A Aeronáutica instalou, na base aérea do Galeão, inquérito policial-militar destinado a apurar o crime. As investigações apontaram para a guarda pessoal do presidente da República, liderada por Gregório Fortunato.
Quem chefiava o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) no momento do atentado da rua Toneleiro era o general Armando de Morais Âncora, veterano da FEB. Com estilhaços da crise atingindo todo o círculo mais próximo ao presidente, o general é destituído do cargo e em seu lugar é nomeado Paulo Francisco Torres, com o apoio dos militares da Aeronáutica. Em 10 de agosto, data da sua posse, em conversa como ministro da Guerra, general Zenóbio da Costa, e o ministro da Justiça, Tancredo Neves, Paulo Torres afirmou: “A ordem é entregar o criminoso à justiça, seja ele quem for.”
Getúlio Vargas optou por um gesto trágico que o manteria vivo na política por décadas. Com um tiro no peito, ele encurralou a oposição, colocando-a como alvo da ira popular; deu fôlego às políticas nacionalistas e trabalhistas que defendia; e transformou-se em um mito.
BR RJANRIO EH.0.FOT, PRP.3074 Presidente Getúlio Dornelles Vargas (1951-1954) no Palácio do Catete: recebe em audiência Paulo Francisco Torres, chefe de polícia do Departamento Federal de Segurança Pública, Rio de Janeiro, RJ. 16 de agosto de 1954