O parlamentarismo, ou sistema parlamentar de governo, pode existir em uma república ou em uma monarquia constitucional, e apresenta variações na forma com que os poderes executivo e legislativo se organizam. O elemento fundamental em comum é que as articulações políticas decisivas para a gestão do Estado têm origem no parlamento (bicameral ou não, em um sistema multi ou bipartidário), que indica entre seus componentes o chefe de governo. Ao contrário do sistema presidencialista, onde chefe de Estado e chefe de governo são a mesma pessoa, no sistema parlamentarista estas duas funções são divididas entre a liderança do poder executivo e a liderança indicada pelo parlamento (congresso), que efetivamente é quem toma a maioria das decisões relativas a política nacional.
O Brasil adota a forma presidencialista de governo. Você sabe dizer se foi assim durante todo o período republicano? Quem são as personalidades retratadas aqui e qual sua relação com a presente discussão?
Os diferentes Estados que constituem a comunidade internacional contemporânea apresentam formas e princípios diferentes de organização. Para descrevê-las, em geral falamos de formas do Estado (federativo, unitário), formas de governo (república, monarquia), sistemas de governo (parlamentarismo, presidencialismo). Cada um desses aspectos apresenta variadas características, dependendo do país e momento histórico ao qual nos referimos. Dessa forma, tanto a república como a monarquia podem ser democráticas, ditatoriais, constitucionais, etc. O parlamentarismo e o presidencialismo também variam na forma de funcionamento.
Predominantemente, os Estados se organizam em torno de três poderes que (em tese) devem regular uns aos outros: o poder legislativo, o judiciário e o executivo. O fato de não existir nominalmente um desses poderes não indica sua ausência, já que suas funções ainda assim devem ser realizadas: legislar, ou seja, editar leis e regulamentá-las; julgar, ou seja, julgar os atos dos cidadãos de acordo com as leis; e executar, ou seja, executar planos de governo de acordo com a legislação vigente. A concentração desses poderes em uma única instância pode indicar a existência de um estado ditatorial. A caracterização dos sistemas de governo depende da relação entre os três poderes, especialmente o legislativo e o executivo.
No sistema parlamentarista tradicional, o chefe de governo e líder do poder executivo é escolhido pelo parlamento, e permanece a ele ligado por todo o seu mandato; seu gabinete de ministros deve ser aprovado pelo parlamento e este pode dispensar o chefe de governo através de moções de desconfiança; por outro lado, existem dispositivos que permitem a dissolução da assembleia e a convocação de eleições gerais para renovação da base política de governo. Muitas vezes, no sistema parlamentarista, o chefe de estado e o chefe de governo são pessoas diferentes, sendo que o primeiro mantém apenas funções cerimoniais e diplomáticas. No presidencialismo, os dois papéis são exercidos pela mesma pessoa.
No presidencialismo em democracias, o chefe de estado e chefe de governo são a mesma pessoa, eleita diretamente por voto popular. As relações entre o legislativo e o executivo variam conforme o país, mas em geral, para a estabilidade do governo, é fundamental a construção de bases de apoio no congresso.
No Brasil, como em quase todo o continente Americano (as 3 Américas) o sistema de governo é o presidencialista. Com a exceção do período de setembro de 1961 a janeiro de 1963, tem sido assim durante todo o período republicano. Discussões acerca da implantação de um sistema parlamentarista voltaram a ocupar a cena política quando a atual Constituição estava sendo elaborada (entre 1986 e 1988) e no início dos anos 1990 (um ano após o impeachment de Fernando Collor em 1992), quando um plebiscito de âmbito nacional chamou o povo a decidir entre os dois sistemas de governo.
A implantação do parlamentarismo em 1961 representou uma solução casuística para a crise deflagrada pela renúncia de Jânio Quadros em agosto daquele ano. Seu vice, João Goulart, não apenas não partilhava da sua plataforma eleitoral ou do seu partido (na época, a votação ocorria em separado, ou seja, escolhia-se o presidente e também o vice presidente, em votos separados na cédula) como suscitava literalmente terror entre militares, empresários e as elites econômicas nacionais em geral. Herdeiro do trabalhismo de Vargas, João “Jango” Goulart defendia reformas estruturais que ampliariam o acesso a educação e aos direitos trabalhistas, propunha medidas de redistribuição de renda e limitação de atuação de grandes grupos econômicos e era considerado demasiadamente próximo dos sindicatos. Era, por essas razões, visto como ameaça por uma elite acostumada a não ter freios sobre suas escolhas.
Quando da inesperada renúncia do presidente Jânio Quadros, Jango encontrava-se em visita oficial à China (já sob regime comunista). Assim, o segundo em linha sucessória (Rainieri Mazzili, presidente da câmara dos deputados) acabou assumindo, de certa forma dando tempo para que a crise se resolvesse, uma vez que empresários, latifundiários, classes médias reacionárias e uma boa parte dos militares simplesmente se recusava a seguir a constituição, que determinava que, em caso de renúncia do presidente, o vice deveria assumir.
Se os ministros militares foram os responsáveis por, na prática, inviabilizar a posse de Jango, os aliados deste rapidamente criaram a Campanha da Legalidade, liderada pelo governador gaúcho Leonel Brizola. Aglutinando forças populares, setores democráticos das Forças Armadas (liderados por Henrique Lott), alguns meios de comunicação alinhados ao partido de Jango (PTB) que denunciaram incansavelmente a tentativa de golpe militar, a Campanha logrou trazer João Goulart de volta ao Brasil. No entanto, o impasse continuava e Tancredo Neves (PSD – MG) articula a aprovação de uma emenda que transformaria o Brasil em uma República Parlamentarista. Aprovada a emenda, o próprio Tancredo acabou sendo indicado Primeiro Ministro pelo Congresso Nacional. O seu gabinete continha representantes dos 3 maiores partidos, inclusive da oposicionista UDN, do PTB e do PSD.
Tancredo Neves ocupou o cargo até junho do ano seguinte. Diante da sua renúncia, Jango indicou Santiago Dantas para o cargo, indicação negada pelo PSD e pela UDN, que o percebiam tão esquerdista quanto o próprio presidente. Por outro lado, centrais sindicais ameaçaram entrar em greve caso a nomeação não se concretizasse. A CAMDE acabou surgindo nesse contexto: criar uma campanha contra a nomeação de Dantas, que fora assessor de Getúlio Vargas, aguerrido defensor do desenvolvimento nacionalista, ministro das relações exteriores de João Goulart que defendia a política externa independente, ou seja, independente dos Estados Unidos e seus interesses (mais um motivo para que os opositores de Goulart antagonizassem Dantas, já que defendiam a irrestrita obediência às determinações norte-americanas). Após negociações, o nome de Brochado da Rocha foi aceito pelo Congresso como novo Primeiro Ministro. Em janeiro de 1963, um plebiscito decidiu pelo retorno ao presidencialismo, e assim João Goulart reassumiu seus antigos poderes.
Já na década de 1980, voltou-se a discutir uma possível mudança no sistema de governo, em função da elaboração da nova Constituição. O tema é retomado no Brasil seguindo-se as tendências da crise de 1961: alguns setores da sociedade e da classe política percebem o presidencialismo brasileiro como instável, vulnerável a ataques personalistas e inconsistente. Após o impeachment do primeiro presidente eleito desde 1960, (Fernando Collor de Melo, eleito em 1989 para o cargo que deixaria em 1992), voltou-se a cogitar uma saída parlamentarista. No entanto, o plebiscito popular de abril de 1993 (previsto na própria Constituição de 1988) enterrou a questão, ao dar quase 70% dos votos ao sistema presidencialista.
O Arquivo Nacional possui farta documentação sobre os três momentos. O fundo Conselho de Ministros Parlamentaristas cobre os anos em que o regime vigorou; sobre a Constituinte 1987-1988, fundos como Serviço Nacional de Informações, Conselho de Segurança Nacional e DSI-Ministério da Justiça apresentam material relevante, além do fundo Comissão Provisória de Estudos Constitucionais (material oriundo do Museu da República); acerca do plebiscito de 1993, a documentação de concentra no fundo Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Podem ser pesquisados no SIAN.
Imagens:
BR_RJANRIO_Q8_0_GJG_FOT_0013_d0001de0002: Santiago Santas e Tancredo Neves [1961-1963]
BR.RJANRIO.TT.0.JUS.AVU.0180.d0001de0001: Primeira página de documento com notas taquigráficas de reunião do conselho de ministros. Atas, minutas e notas taquigráficas das reuniões do Conselho de Ministros, presidida pelo Primeiro-Ministro Tancredo de Almeida Neves. Período de 09/11/61 a 23/05/62.
Leitura recomendada:
AMATO, Lucas Fucci. A Constituição de 1988 e o debate sobre parlamentarismo e presidencialismo: modelos, trajetórias e alternativas institucionais. 2018.
CRUZ, Paulo Márcio; PASOLD, Cesar Luiz. PRESIDENCIALISMO INEFICIENTE OU PARLAMENTARISMO DE OCASIÃO?. Revista Argumentum-Argumentum Journal of Law, v. 17, p. 65-85, 2016.
PAIXÃO, Cristiano; BARBOSA, Leonardo. Crise política e sistemas de governo: origens da “solução parlamentarista” para a crise político-constitucional de 1961. Universitas Jus, v. 24, n. 3, 2013.