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Capa da Constituição de 1891. BR RJANRIO DK C91 

Primeira constituição de nossa República, a Carta de 1891 marcou o fim do regime monárquico e a instituição de um sistema de governo republicano presidencialista. Ao contrário da nossa primeira constituição, outorgada em 1824 pelo imperador d. Pedro I, uma Assembleia Nacional Constituinte foi eleita diretamente em 1890 e ficou encarregada de dar forma e conteúdo a recém-instalada República. A nova Carta Magna precisou equilibrar as forças entre os diferentes grupos políticos que apoiaram a ação militar que derrubou o governo imperial. Você saberia dizer quais as principais mudanças instituídas pela constituição de 1891? Quem foram os grupos beneficiados pelo novo regime? E quais as parcelas da população excluídas do jogo político republicano? Em breve, saiba um pouco mais sobre o assunto.

Nossa primeira Constituição republicana

 

Com a Proclamação da República brasileira, em 15 de novembro de 1889, era finda a única monarquia que ainda existia nas Américas. A ação armada do exército, que destronou d. Pedro II, instituiu um novo governo e deu uma nova diretriz política para o país. O Governo Provisório, como o próprio nome já diz, ficou encarregado, temporariamente, das questões político administrativas do novo regime, até a eleição de uma Assembleia Constituinte responsável pela aprovação de uma Carta Magna republicana para o Brasil, em substituição à Constituição imperial outorgada em 1824.

Um ano depois, no mesmo 15 de novembro, a Assembleia Nacional Constituinte, eleita por sufrágio direto em setembro do mesmo ano, iniciou seus trabalhos, reunindo-se no antigo Palácio Imperial na Quinta da Boa Vista[1]. A nova Carta foi aprovado em 24 de fevereiro de 1891 e esteve em vigor durante toda Primeira República (1889-1930). O republicanismo foi ratificado e o presidencialismo estipulado como o sistema de governo[2].

 Palácio da Quinta da Boa Vista. A antiga residência imperial, foi utilizada pela República numa tentativa de apagar os símbolos imperiais do regime recém derrubado. Rio de Janeiro, 1894. Fundo Floriano Peixoto.

O novo nome do país, Estados Unidos do Brasil, estabelecido no decreto de número 1 do Governo Provisório, já anunciava o pacto federativo republicano, validado pelo texto constitucional e inspirado no modelo dos Estados Unidos da América. Era o fim do poder central do imperador, visto como indispensável para a unidade nacional e agente da ordem no início do século XIX, mas que com a crise da monarquia revelou-se autoritário e dispendioso.

O federalismo – sistema político no qual a união de todas as federações forma uma nação – era uma reinvindicação de alguns grupos políticos brasileiros formado pelas elites locais, que buscavam uma maior autonomia em relação ao poder central. A constituição estabeleceu uma maior divisão das atribuições político-administrativas e dos recursos financeiros entre a União e os governos estaduais.

Consequência direta dessa descentralização foi o fortalecimento dos estados exportadores, sobretudo São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que passaram a receber, de acordo com o novo texto, as rendas provenientes dos impostos de exportação e o direito de contrair empréstimos no exterior, além de concentrarem cerca de 40% do eleitorado de todo país. O poder econômico e político fez dessas elites estaduais peças fundamentais no jogo político brasileiro.

Outra importante mudança estabelecida na Constituição de 1891 foi a extinção do Poder Moderador, exercido pelo imperador e que teria como função equilibrar os outros três poderes, sobrepondo-se a eles. Em substituição, foi instituído o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O representante da nação, chefe do poder executivo, seria o presidente da República[3], eleito pelo voto direto para um mandato de quatro anos. Além das eleições presidenciais, também o poder legislativo, deputados – por um período de três anos – e senadores – por nove anos –, seriam eleitos diretamente, acabando com a vitaliciedade do Senado.

Ainda quanto as mudanças no sistema eleitoral brasileiro, outra alteração significativa foi a substituição do voto censitário – que exigia uma comprovação de renda mínima pelo eleitor –, e praticado durante todo período imperial, pelo sufrágio universal, estendendo o direito ao voto a todos os cidadãos alfabetizados, com idade mínima de 21 anos.

Apesar do voto feminino ser tema de debates durante a constituinte, poucos foram os posicionamentos favoráveis, e a nova constituição acabou por adotar uma postura ambígua, não estabelecendo o voto das mulheres no texto, mas também sem uma clara interdição.  A brecha na lei constitucional foi utilizada pelo movimento feminino sufragista na década de 1920, mas as mulheres só conquistariam o direito ao voto em 1932. [Leia mais sobre a conquista do voto feminino].

Segundo Mônica Karawejczyk (2011), nos anais do Congresso Constituinte, foram identificadas as propostas de 6 ementas favoráveis ao sufrágio feminino, além de 17 manifestações sobre o tema. No entanto, argumentos contrários à participação das mulheres na política, como a degradação da família e da figura da feminina, que deveria se dedicar ao lar, e o fato de que nenhum país “civilizado” ainda havia concedido tal “privilégio” às mulheres, levou a rejeição de todas as emendas que tratavam do tema.  

Além das mulheres, estavam excluídos da vida política mendigos, soldados, cabos e sargentos, religiosos de ordem que impunham a renúncia à liberdade individual e analfabetos. Diante de todas essas limitações, uma parcela muito pequena da população brasileira poderia participar da vida política nacional. Segundo a historiadora Dulce Pandolfi (2002), nos primeiros da República, o eleitorado nacional não passava de 2% da população, além disso o voto não era obrigatório. Essa reduzida participação da população na esfera política do país durante o período foi marcada, ainda, por eleições fraudulentas e pelo uso da violência, favorecidas pelo voto descoberto – não secreto[4].

Podemos citar, ainda, dentre as mudanças introduzidas pela Carta de 1891, a liberdade religiosa e a adoção de um Estado laico, promovendo, oficialmente, a separação entre governo e igreja. A partir da ideia de laicidade, não haveria mais a interferência de quaisquer correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria uma ou algumas religiões sobre as demais. Foi estabelecido a secularização dos cemitérios, a obrigatoriedade do ensino leigo em escolas públicas e o reconhecimento do casamento civil como oficial.

A nossa primeira constituição republicana ditou as novas diretrizes para o país até a Revolução de 1930. Embora tenha avançado em alguns pontos, sobretudo com relação aos ideais burgueses, como a liberdade religiosas e a igualdade de todos perante a lei[5], foi um liberalismo excludente, já que a maior parte da população permaneceu fora do jogo político. Nessas primeiras décadas da República, o poder central cedeu espaço para o fortalecimento dos grandes estados exportadores, assegurando o controle da elite agrária sobre a máquina administrativa, política e econômica do Brasil.

Você sabia que o Arquivo Nacional tem sob guarda o original de todas as Constituições brasileiras? A Constituição Imperial e as Cartas republicanas de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988 fazem parte do nosso acervo.

 

[1] Inicialmente instalou-se no Cassino Fluminense no centro do Rio de Janeiro, mas logo foram transferidos para a antiga residência imperial, numa tentativa de dissolver os símbolos que ainda representavam a extinta monarquia. Buscava-se associar o belo edifício ao novo regime, onde foi elaborada a Carta Máxima da República do Brasil, apagando seu passado monarquista.

[2] A Constituinte foi responsável também pela eleição indireta do primeiro presidente da República, Deodoro da Fonseca, agora de forma constitucional.

[3] No caso dos estados, antigas províncias imperiais, o poder executivo seria exercido pelo “presidente de Estado”, reafirmando os dispositivos constitucionais descentralizadores, ao permitir que cada estado se organizasse de acordo com os interesses locais. Na monarquia, era o poder central que definia os presidentes de províncias.

[4] O voto aberto favoreceu a manipulação eleitoral ao possibilitar o controle dos votos da população pelos poderes locais, sobretudo nas áreas rurais onde os “coronéis”, como eram conhecidos os grandes proprietários de terras e que também tinham influência política, usavam da violência e da compra de votos para eleger seus candidatos, o que conhecemos como voto de cabresto. Os coronéis recebiam influência política dos governadores dos estados, que por sua vez eram influenciados pelo presidente. [Veja mais sobre a “política dos governadores”].

[5] A Carta de 1891 extinguiu privilégios de nascimento e foros de nobreza, além das ordens honoríficas, os títulos nobiliárquicos e de conselho.

 

Legenda das imagens:

Constituição de 1891. Capa. Constituições e emendas constitucionais. BR RJANRIO DK C91

Palácio da Quinta da Boa Vista. Álbum recordações dos festejos nacionais. Fundo Floriano Peixoto. BR RJANRIO Q6 GLE FOT 1

Constituição de 1891. Artigo 1. Constituições e emendas constitucionais. BR RJANRIO DK C91

Constituição de 1891. Artigo 70. Constituições e emendas constitucionais. BR RJANRIO DK C91

O Diabo a Quatro. Recife, 23 de março de 1879. Periódicos raros. J339

 

Leia mais em:

Freire, Américo e Castro, Celso. As bases republicanas do Estados Unidos do Brasil. Em: Gomes, Angela Castro; Pandolfi, Dulce Chaves; Alberti, Verena (org). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: CPDOC, 2002.

Karawejczyk, Mônica. O Voto Feminino no Congresso Constituinte de 1891: primeiros trâmites legais. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.

Pandolfi, Dulce. Voto e participação política nas diversas repúblicas do Brasil. Em: Gomes, Angela Castro; Pandolfi, Dulce Chaves; Alberti, Verena (org). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: CPDOC, 2002.

 

 

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