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O ano de 1930 marcou profundamente a política nacional e acabou por se tornar um divisor de águas na nossa história republicana. O movimento de 1930 destituiu do poder institucional as forças dominantes até então e reorganizou a coalizão de forças que dali em diante estaria à frente dos negócios públicos. A década que ali se iniciava pode ser vista como uma das mais radicais do século, não apenas no Brasil mas em todo o mundo, já que engendrou o maior dos conflitos bélicos: a Segunda Grande Guerra, que envolveu dezenas de países e matou milhões de pessoas. O conflito envolveu ideologias excludentes entre si, disputas de mercado, formas de gestão do capital e da produção, lutas por libertação, e ao seu final o mundo havia se transformado se forma radical.

Uma saudação de amizade e fraternidade adotada pelos escoteiros brasileiros na década de 1920, de origem incerta e sonoridade tupi, “anauê” tornou-se um símbolo de um grupo político que emergiu nesta década assombrosa. Você conhece o movimento ao qual nos referimos?  

O mundo encontrava-se em uma encruzilhada em 1930. A desorganização dos mercados gerou uma crise inédita no mundo capitalista, que além dos desafios na esfera econômica ainda enfrentava um novo adversário político que não seguia a cartilha da economia de mercado _ o comunismo, vitorioso na Rússia em 1917. A democracia liberal, encurralada entre a revolução e a crise, assiste ao nascimento de outro movimento que, apesar do discurso populista, na prática fortalecia a expressão mais selvagem e autoritária do capitalismo: o fascismo. Os movimentos de extrema-direita que se espalharam pela Europa na primeira metade do século passado tinham alguns pontos fundamentais em comum, embora Portugal de Salazar e a Alemanha de Hitler apresentassem diferenças cruciais. No entanto, tais movimentos têm em comum a defesa de um estado totalitário, o nacionalismo exacerbado e o anti-liberalismo.

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No Brasil os tradicionais acordos políticos já não davam conta das transformações na sociedade e economia brasileiras, e em 1930 um movimento derruba o presidente eleito pelo sistema vigente e instaura um novo regime. A crise que se abateu sobre o país e o mundo a partir de 1929, a urbanização crescente, o aumento do número de trabalhadores, e o crescimento de grupos de intelectuais e artistas urbanos tornariam o terreno fértil para contestações políticas.

Os movimentos fascistas europeus valorizavam a exaltação e a participação popular, mas não no sentido democrático: o povo e suas expressões tinham valor na medida em que refletiam a espontaneidade irracional na qual tais movimentos tentavam se apoiar. A mobilização popular se fundamentaria em um apelo emocional às massas, à nação: a paixão, a guerra, os mitos que enfim despertariam a fúria reacionária.

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Alguns dos componentes dos fascismos europeus estariam fortemente presentes no integralismo, como o corporativismo, o apego às hierarquias e demonstrações de força, o nacionalismo e a potência dos mitos sociais. Novas vertentes nacionalistas ganhariam força com a primeira guerra mundial, em um impulso que continuaria no período de paz, colocando para o país questões relativas à segurança e independência em um cenário internacional conturbado. O sentimento de inferioridade que tradicionalmente fazia com que as elites intelectuais desprezassem abertamente o povo e se vissem "obrigadas a conformar-se com o atraso" passou a dividir espaço com o orgulho e o sentimento de que afinal, o Brasil era uma terra jovem onde tudo estava por ser feito, e onde tudo poderia acontecer sob o comando certo.

O embrião do movimento integralista encontra-se no jornal A Razão e na Sociedade de Estudos Políticos, criada por um jornalista do referido periódico: Plínio Salgado. A sociedade reunia intelectuais de tendência autoritária (tanto o tradicional autoritarismo excludente da política nacional quanto admiradores do dirigente italiano Benito Mussolini e do fascismo)  que acabaram fundando a Ação Integralista Brasileira em 1932. O Manifesto Integralista apresentava os pilares da entidade: nacionalismo (especialmente o relacionado a cultura), corporativismo (princípio básico de uma organização social onde todos conheciam seu lugar); anti-liberalismo (que fazia bastante sentido em um país que jamais conseguira fazer “funcionar” a democracia liberal) e um anticomunismo visceral.

Plínio Salgado foi a liderança maior _ o Grande Líder _ do movimento durante seus anos de atividade, e o jurista Miguel Reale, um dos seus ideólogos. Reunindo símbolos para fácil identificação popular (a letra grega “sigma”, o cumprimento Anauê, uniformes para os militantes da organização, o lema “Deus, pátria, família”), o movimento ganhou proporções inéditas. Contando com uma participação popular ampla, o movimento penetrou nas cidades e no campo, organizando-se de uma forma que não havia sido feita antes em termos nacionais: na época, os partidos políticos - e esta inclusive era uma das críticas mais contundentes à democracia, especialmente no Brasil - não eram organizações permanentes na vida popular, não contavam com estruturas nacionais e muito menos com participação ativa de quem não estava diretamente envolvido no processo eleitoral. Mas a AIB contava com mais de meio milhão de filiados em 1936, podendo este número ter chegado a um milhão de pessoas, tornando-a a primeira agremiação política de massa no Brasil.

Plínio Salgado chegou a se candidatar a presidência da República em 1937, mas o processo eleitoral foi interrompido em novembro pelo golpe de estado que inaugurou o chamado Estado Novo. Admiradores de regimes autoritários, os integralistas inicialmente apoiaram o golpe de Getúlio Vargas, mas o ditador surpreendeu seus aparentes aliados já em dezembro, quando declarou proscritas todas as agremiações políticas _ inclusive a AIB. No ano seguinte, alguns militantes da Ação tentaram dar um golpe de estado, mas a pífia tentativa de derrubar Getúlio acabou com a prisão de vários integralistas.

As concepções integralistas de Estado, história, nação, etc, sofreram influência de intelectuais brasileiros como Oliveira Vianna, Alberto Torres, e também de leituras de teóricos europeus, como Sorel e Manölesco, muitos deles ligados ao corporativismo e ao fascismo. Não foi um movimento tão homogêneo quanto se pensa, em termos de ideias e propostas, pois dirigentes como Gustavo Barroso pregavam abertamente o anti-semitismo, enquanto o próprio Plínio Salgado - chefe maior do movimento - defendia a mistura de raças e etnias tão caro ao nacionalismo brasileiro; no início do movimento, monarquistas alinhavam-se com os integralistas; em algumas áreas rurais mais atrasadas, os integralistas cooptavam o trabalhador rural, e nas mais desenvolvidas, acabavam em aliança com as oligarquias.

A revista Anauê circulou entre 1935 e 1937, e dedicava-se basicamente a divulgar os princípios da AIB para um público bastante amplo. Educar o povo na cartilha integralista era a tarefa principal da revista.

Documentos:

Capa da revista Anauê. BR_RJANRIO_02_CX1_PASTA_1. Gaston Luis do Rego Monteiro

Processo de apelação de Francisco de Assis Lopes. Entre os anexos, panfletos e jornais relacionado a integralistas, em  especial da cidade de Araraquara, SP. Ano final: 1942. BR RJANRIO C8.0.APL.988. Tribunal de Segurança Nacional

Processo de apelação de Durvalina Vilela. Entre os anexos, várias fotografias de grupos integralistas e instalações e material de propaganda integralista apreendido pela polícia em Jundiaí (SP), além de discursos de Hitler e matérias sobre a Alemanha nazista. Ano final: 1942. BR RJANRIO C8.0.APL.1093

Processo de apelação de Francisco Soares. Entre os anexos, jornais como A Razão, folhetos da campanha de Plínio Salgado para a presidência, manifestos e panfletos. Ano final: 1942. BR RJANRIO C8.0.APL.1248

Leitura recomendada

BARBOSA, J. R. (2006). A ascensão da ação integralista brasileira (1932-1937). Revista de Iniciação Científica da FFC-(Cessada), 6.

Maio, M. C., & Cytrynowicz, R. (2003). Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no Brasil (1932-1938).

Oliveira, R. S. D. (2009). Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937).

Silva, R. S. (2005). A política como espetáculo: a reinvenção da história brasileira e a consolidação dos discursos e das imagens integralistas na revista Anauê!. Revista Brasileira de História, 25, 61-95.

 

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