A planta do anteprojeto de um cinema, a ser instalado no centro da cidade do Rio de Janeiro, evoca lembranças de uma cidade que já não existe mais: a dos cinemas de rua capazes de abrigar milhares de espectadores. Projetado em 1938, durante a vigência do Estado novo, o Cine Teatro deveria ter sido construído na rua Marechal Floriano, fazendo fundos na rua São Pedro. O empreendimento teria 1.642 m2, balcões e lotação total de 2.021 pessoas. Acima dele, galerias e apartamentos para residências.
Não se sabe exatamente as razões para não ter sido construído, mas as obras para a abertura da avenida Presidente Vargas, iniciadas pouco tempo depois, podem ter influenciado essa decisão. A rua de São Pedro, datada do início do século XVII, foi uma das que deixou de existir para dar lugar à grande avenida, tendo suas edificações totalmente demolidas.
As oito plantas que integram o anteprojeto do cinema encontram-se no fundo Família Guinle de Paula Machado, cujos membros estiveram associados a importantes empreendimentos e obras na cidade. Esses documentos apresentam algumas pistas interessantes, por exemplo, o projeto do cinema é de autoria da Empresa Construtora Humberto Menescal em colaboração com o Escritório Técnico Menescal & Baumann. O engenheiro Humberto Menescal era tio de um importante músico, compositor e produtor brasileiro. Você sabe de quem se trata? Conhece o movimento do qual este artista participava?
Cine Teatro
De arquitetura imponente e com capacidade para receber várias centenas de espectadores ao mesmo tempo, os cinemas de rua eram facilmente encontrados nos diversos bairros do Rio de Janeiro: na Cinelândia, seu epicentro, nos subúrbios e na zona sul da cidade. Os aspectos construtivos arrojados daquelas salas de exibição, herdados dos teatros, sintonizavam a importância que o ato de ir ao cinema representava. Opção de lazer relevante para populações urbanas das principais cidades do país, ir ao cinema nas primeiras décadas do século XX era também afirmação de status para a qual concorria a suntuosidade dos espaços de exibição.
Por serem localizados fora de grandes centros comerciais fechados e galerias, esses cinemas traziam uma movimentação especial às áreas onde se instalavam. Confeitarias e sorveterias frequentemente complementavam o programa. Na segunda metade do século XX, ainda no auge, os cinemas de rua atraíam a presença de pipoqueiros e vendedores de bala, já que fazia parte do ritual de ir ao cinema enfrentar tanto as longas filas para a compra de ingressos dos lançamentos cinematográficos de sucesso, quanto o burburinho à entrada da sessão em uma época em que os lugares não eram marcados e a superlotação, uma realidade.
Desde meados dos anos 1980, o público que procurava os cinemas de rua foi decrescendo paulatinamente, fenômeno que ocorreu não apenas no Rio de Janeiro, mas em outras cidades do país. A popularização da televisão e, posteriormente, dos aparelhos de vídeo, transformou de maneira definitiva a experiência dos espectadores, que passaram a ter os filmes à disposição para assistir em casa. A esse fato conjugaram-se questões urbanas de diversas ordens, resultando na descontinuação do uso daquelas construções majestosas pelos cinemas, agora reconvertidas em lojas comerciais e templos religiosos, ou simplesmente transformadas em prédios abandonados. A criação dos cinemas multiplex – espaços de exibição com diversas salas contíguas -, usualmente associados a shopping centers, acelerou esse processo.
O cinema, cujas plantas apresentamos, não chegou a ser construído, possivelmente devido às intensas transformações urbanas que tiveram curso na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1940, ainda sob a vigência do Estado Novo. Para a abertura da avenida Presidente Vargas, prédios de relevante valor histórico, assim como ruas, praças e parques foram demolidos, como é o caso da rua São Pedro, logradouro dos fundos do cinema. Caso tivesse sido construído, obedecendo rigorosamente às plantas, o Cine Teatro teria sido um perfeito exemplar de cinema monumental em estilo Art Déco, como tantos outros à época espalhados pelo país.
O engenheiro Humberto Menescal, cuja empresa estava à frente do projeto do Cine Teatro, construiu edificações emblemáticas na cidade do Rio de Janeiro, como a Galeria Menescal, em Copacabana, tendo integrado ainda o consórcio que ergueu o estádio do Maracanã. Roberto Menescal, instrumentista, compositor, produtor e sobrinho de Humberto, foi um dos pioneiros da Bossa Nova, nos anos 1960.
Imagens: BR RJANRIO HK.0.MAP.3. Anteprojeto de cinema, 1938. Fundo Família Guinle de Paula Machado