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Durante a ditadura militar (1964-1985) as eleições para os vários níveis (municipal, estadual e federal) do poder legislativo foram mantidas, mas com intensa manipulação de regras eleitorais que permitissem a manutenção da maioria dos situacionistas, em especial no Congresso Nacional. Os cargos do poder executivo (Presidente, Governador, Prefeito), ao contrário, em muitos casos passaram a ser ocupados por indivíduos escolhidos por colégios eleitorais favoráveis ao regime ditatorial. Esta democracia de fachada começou a ruir no início dos anos 1980, após a anistia e o reestabelecimento de eleições para governador, mas em 1977 o avanço da oposição no legislativo mobilizou o governo no sentido de impor novas regras que impedissem este avanço. O líder do partido de oposição no Congresso (MDB: Movimento Democrático Brasileiro) Alencar Furtado discursa contra estas medidas, tomadas em 1977. Você sabe que medidas foram estas? Pesquise, converse com amigos e colegas, e aguarde a resposta na próxima semana.

 

No dia 1º de abril de 1977 o Presidente da República general Ernesto Geisel aciona o AI-5 – na gaveta desde 1969 – e determina o fechamento do Congresso Nacional. Embora fosse o dia Internacional da Mentira, as consequências do fechamento foram bastante reais: duas semanas depois, seis decretos e uma emenda constitucional mais uma vez provavam que a boa-vontade dos generais com o processo de redemocratização não passava de uma falácia. O Pacote de Abril, como este conjunto de leis ficou conhecido, impunha uma série de normas relativas ao processo eleitoral que visavam impedir o avanço do partido de oposição ao governo militar, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), vitorioso nas eleições legislativas de 1974.

As medidas impostas impediram o avanço da oposição e protelaram o retorno à normalidade democrática – ainda mais. Para facilitar a eleição de candidatos da situação, do partido Arena (Aliança Renovadora Nacional), o Pacote aumentou o número de senadores dos estados menores, em que o governo obtinha mais apoio, criou o estado do Mato Grosso do Sul a partir do antigo Mato Grosso (região de predomínio da situação) e instituiu a figura do senador biônico  - uma referência a um seriado norte-americano que tinha como personagem principal um homem metade humano, metade biônico – eleito em um colégio eleitoral formado pelas Assembleias Legislativas e delegados das Câmaras Municipais. Assim, foram escolhidos vinte e dois senadores biônicos e vinte e três pelo voto direto; o governo conquistou 80% das vagas (trinta e seis a nove), apesar de ter obtido cinco milhões de votos a menos em todo o Brasil. A vitória foi obtida não apenas através das medidas de abril de 1977 mas também em consequência de alterações ocorridas em anos anteriores.

Com as medidas, o partido do governo obteve um ganho em número de assentos nas eleições para o senado no ano seguinte, mas outras medidas tiveram talvez impacto maior:

  1. Adiamento das eleições para governadores, previstas para 1978 e adiadas para 1982. Assim, a troca no legislativo estadual ocorreria via eleições indiretas, no mesmo colégio eleitoral que elegeria os senadores biônicos. Protegidos por diversos dispositivos instalados ao longo doas anos de ditadura, os candidatos da situação vencem em todos os estados, menos no Rio de Janeiro.

 

  1. Extensão do mandato presidencial de cinco para seis anos, dando maior fôlego à ditadura e ao sucessor de Geisel, João Batista Figueiredo. O mandato do presidente da República que seria escolhido indiretamente em 1978 foi estendido de cinco para seis anos.

 

  1. Alterações na constituição poderiam ser realizadas com maioria absoluta, contrariando a própria constituição vigente, que determinava a necessidade de dois terços do Congresso. A Arena – o governo militar - reconquistou o poder de mudar a Constituição a seu bel prazer, perdido nas eleições de 1974.

 

Ficou claro desde o início que o Pacote de Abril constituía-se em mais uma tentativa de impedir o retorno dos civis ao exercício do poder político; a gota d’água foi a rejeição do Congresso das reformas do judiciário desejadas pelo governo: a Arena não contava com os 2/3 necessários e assim mais uma vez alterações no sistema eleitoral foram impostas para garantir a vontade do regime militar. O livro Memórias do Senado, escrito pela ex-secretária-geral da Mesa do Senado Sarah Abrahão denuncia que a intenção dos militares (ou de uma ampla parcela das Forças Armadas) era “acabar com o Congresso Nacional”, e o Pacote de Abril foi a saída casuística encontrada pelo governo e pela própria Arena para evitar um confronto e retrocesso maiores.

As incongruências de um regime ditatorial que permitia um simulacro de democracia como forma de manutenção de legitimidade e também uma espécie de “laboratório de testes” da classe política – os militares jamais se dispuseram a entregar o poder de volta aos civis a não ser que estes se mostrassem “confiáveis,” como atestam declarações do próprio Geisel e de Petrônio Portela, um dos elaboradores do Pacote de Abril – não escaparam aos juristas e políticos da época. Paulo Brossard, senador pelo MDB, declarou no mês seguinte à imposição das medidas:

— O regime que pretenderam instituir no nosso país, reunindo a um tempo, a suposta legalidade e o puro arbítrio, a convivência de duas ordens, uma pretensamente constitucional, a outra declaradamente extralegal, tinha de dar no que deu, pela singela razão de que elas são incompatíveis, excluem-se reciprocamente, motivo pelo qual, em verdade, as duas ordens nem são duas, nem são ordens: a desordem é uma só.

Em 1980, o Congresso finalmente aprova emenda constitucional garantindo eleições diretas para governador em 1982, e dessa vez não houve surpresas e as eleições de fato se realizaram. No entanto, alas mais reacionárias das forças armadas, inconformadas com o inexorável processo de dissolução do regime e o avanço (lento mas igualmente inexorável) da democracia insistiram por anos em ataques verbais e inclusive terroristas para intimidar a sociedade.

A imagem do documento que abre a matéria foi retirada do diário do Congresso Nacional e integra o dossiê BR_RJANRIO_CNV_0_ERE_00092_002618_2014_36, fundo Comissão Nacional da verdade. O discurso de Paulo Brossard na Câmara está disponível em BR_DFANBSB_1M_0_0_9402_d0008de0022, fundo Comissão Geral de Investigações. O documento br_dfanbsb_v8_mic_gnc_aaa_77106667_d0001de0003, que encerra a matéria com uma das suas páginas iniciais, pertence ao fundo Serviço Nacional de Informações e apresenta relatórios confidenciais sobre o impacto das medidas de abril de 1977. Clique nas imagens para acessar o documento.

Fontes

 

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/03/31/ha-40-anos-ditadura-impunha-pacote-de-abril-e-adiava-abertura-politica

 

http://memorialdademocracia.com.br/card/pacote-de-abril-impoe-novo-retrocesso

 

 

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