O artigo 205 da Constituição Federal diz que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Elevar a educação a um direito básico e aspecto fundamental formador da cidadania foi uma inovação da chamada Constituição-cidadã de 1988 (em vigência), coerente com um processo iniciado no Ocidente há cerca de 100 anos: a universalização do ensino e da educação. De lá para cá ampliou-se paulatinamente o acesso a educação e os níveis disponíveis, do básico ao superior, garantidos pelo Estado. A despeito das dificuldades, ao menos até o presente momento este processo também vem ocorrendo no Brasil; em 1997, cerca de 10% dos jovens entre 18 e 24 anos estava matriculada em instituição de ensino superior, e 20 anos depois, esta percentagem estava em 20%; em 1920, 65% da população era analfabeta, taxa que caiu para 13% no ano 2000.
A educação formal é essencial para o exercício da cidadania e a melhora global das condições de vida e trabalho da população. Contudo, por trás de projetos e instituições de educação, é possível perceber diferentes concepções de sociedade e objetivos diversos. A charge aqui apresentada critica uma concepção conformista _ senão, racista _ do processo educativo. Você tem alguma familiaridade com este debate?
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco. Na década de 1940 formou-se na faculdade de direito, mas nunca exerceu a advocacia. Inicialmente dedicado a filosofia de linguagem, logo passou a desenvolver estudos e atividades diversas relacionadas ao ensino e pedagogia. Torna-se diretor do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social, e sua atuação junto à educação de adultos – em especial, de origem humilde – o incentiva a pensar novas formas de educação, fora dos parâmetros convencionais, nascidos a partir do ponto de vista de pessoas instruídas e economicamente favorecidas. Seu método de alfabetização, elaborado a partir dos anos 1950 e sistematizado na década seguinte, é até hoje considerado revolucionário, e Paulo Freire é um dos intelectuais brasileiros mais lidos, difundidos e respeitados em todo o mundo. Não à toa, sua metodologia revolucionária de ensino sempre foi vista com – para dizer o mínimo – desprezo pelos conservadores e reacionários, quando não ódio aberto. Foi preso e exilado em 1964, após o golpe que instaurou uma ditadura militar no Brasil que duraria 21 anos.
Seu livro mais notório – Pedagogia do Oprimido – foi finalizado em 1968, pouco antes de trabalhar como professor visitante da Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Retornou ao Brasil um ano depois da edição da Lei de Anistia (1979), participando da fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980. Centrado na realidade específica do aluno (especificamente, o aluno adulto e de origem humilde), seu método de alfabetização e ensino buscava recuperar a realidade concreta experimentada por este e o questionamento em relação à mesma, buscando alcançar uma apreensão crítica da condição vivida.
Paulo Freire, Patrono da Educação Nacional, nos últimos anos tem recebido uma escandalosa quantidade de ofensas (póstumas) em uma “nova” onda de ódio aos seus posicionamentos e sua metodologia popular de ensino. Em geral as ofensas que povoam o discurso conservador e as redes sociais de extremistas baseiam-se em um absoluto desconhecimento da sua obra e da relevância da mesma para a educação (internacionalmente falando, inclusive). Freire, por questionar uma concepção de realidade elitista que sempre embasou o ensino tradicional e que tem como consequência o conformismo (principalmente dos indivíduos oprimidos por uma estrutura sócio-econômica perversa), e por desconstruir uma relação hierárquica autoritária entre aluno e professor atrai para si o ódio e o ressentimento daqueles que defendem a manutenção das relações autoritárias e de uma sociedade desigual. Acusado de comunista e de “bolchevizar” a educação, Freire na verdade defendia uma revolução nos métodos de ensino e na estrutura educacional que permitisse ao indivíduo um conhecimento crítico acerca da sua realidade. Nesse sentido, o trabalho do educador sempre foi político, já que ele jamais considerou a sala de aula com sistema fechado, estanque, pré-fabricado por elites intelectuais a serviço das elites econômicas. Ao contrário: para ele, o ensino era um processo dinâmico e flexível, cujo objetivo era libertar o aluno de condição de objeto para torna -lo sujeito da sua própria vida.
O Arquivo Nacional guarda extensa documentação sobre a educação no Brasil incluindo material diverso sobre Paulo Freire, sua história e seu trabalho, incluindo as dificuldades e perseguições políticas que enfrentou.
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Leitura recomendada
http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/handle/7891/4274
http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/bitstream/handle/7891/1662/FPF_PTPF_13_025.pdf
Casali, A. (2009). A Pedagogia do Oprimido: de clandestina a universal. Globalização, educação e movimentos sociais, 40.
Streck, D. R. (2009). Da pedagogia do oprimido às pedagogias da exclusão: um breve balanço crítico. Educação & sociedade, 30, 539-560.