A CAMDE
Em meados de 1962, após a saída de Tancredo Neves do cargo de primeiro ministro do presidente João Goulart, o nome do nacionalista/ trabalhista Santiago Dantas foi enviado ao Congresso Nacional pelo Presidente da República para ocupar o cargo vago. Forças reacionárias mobilizaram-se e vetaram seu nome, apoiado por forças progressistas e movimentos sociais.
A possibilidade de Santiago Dantas ocupar o cargo de máxima autoridade em um regime parlamentarista causava horror entre militares alinhados aos interesses norte-americanos, empresários, as classes médias conservadoras, latifundiários: seria basicamente a mesma coisa que ter Jango com poderes plenos, algo que estas elites se esforçaram em evitar a ponto de impor uma “saída parlamentarista” para a crise desencadeada pela renúncia de Jânio Quadros. Não à toa, naquele ano de 1962 o IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) foi fundado, bem como algumas organizações que reuniam mulheres engajadas em preservar suas famílias do “perigo comunista”, assim como os valores cristãos. Elas se colocavam e agiam como mães, esposas, donas de casa que discursavam de forma virulenta contra tudo aquilo que acreditavam ameaçar suas tradições _ tradições estas que alegavam ser de todo brasileiro. Uma das primeiras organizações do tipo foi a CAMDE _ Campanha da Mulher pela Democracia.
Ipanema, junho de 1962. Glycon de Paiva (empresário e um dos fundadores do IPÊS), o general Antônio de Mendonça Molina, do serviço secreto do exército e irmão da dona da casa, Amélia Molina, aposentada, reúnem-se com paroquianas da Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema (Rio de Janeiro) para ouvir o padre titular desta, frei Leovigildo Balestieri, discorrer sobre a “terrível situação” pela qual passava o país, ameaçado pelo “perigo vermelho.” Assim nasceu a CAMDE, com o objetivo inicial de engrossar o movimento contra a presença de Santiago Dantas no governo, mas que passou a integrar as articulações golpistas que objetivavam derrubar o presidente João Goulart. Sua atuação acabou se tornando peça-chave para mobilização de setores conservadores da classe média, que foram às ruas em 1964 bater panelas contra o presidente e, depois da sua queda, celebrar o triunfo do golpe militar.
A associação dedicava-se também a atividades filantrópicas junto a população carente e a mobilização de donas de casa diante de preços abusivos praticados no comércio e que presumivelmente contribuiam para a escalada inflacionária.
Assim como o IPÊS, a CAMDE começa a declinar quando fica claro que a ditadura militar viera para ficar, e se extingue no início dos anos 1970, quando esta não mais precisava do tipo de legitimação que as organizações como a CAMDE emprestaram ao movimento golpista em seus momentos iniciais.
O fundo CAMDE (Campanha da mulher pela democracia) contém recortes de jornais com artigos sobre o comunismo, economia, reforma agrária, política estadual, censura, greves, sindicalismo, democracia e manifestações, campanhas beneficentes, panfletos. Abarca o período de 1961 a 1973.
Imagem de introdução: BR_RJANRIO_PE_0_0_0092. Recortes de jornais e panfleto sobre a campanha da CAMDE e da União Cívica Feminina pela defesa da economia popular (controle de preços). 1965.
Imagem ilustrativa: BR_RJANRIO_PE_0_0_0007. Texto e recortes de jornais sobre palestras promovidas pela CAMDE. 1964.
Leitura recomendada:
CORDEIRO, Janaina Martins. Do Golpe de 1964 ao “Milagre Brasileiro”. Iberoamérica Social: Revista-red de estudios sociales-Open Journal System, n. ESPECIAL, p. 49-69, 2016.
MOREIRA, Cristiano da Silva. EM DEFESA DA IGREJA: RELIGIÃO E POLÍTICA NA CONSTRUÇÃO DA PROPAGANDA DA CAMPANHA DA MULHER PELA DEMOCRACIA (1962-1964). REVISTA DE TRABALHOS ACADÊMICOS-CAMPUS NITERÓI, n. 3, 2018.