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Comissão Nacional da Verdade (CNV)

O ano de 2011 foi o da edição de dois importantes marcos legais da história republicana brasileira: a promulgação da Lei de Acesso à Informação e a criação da Comissão Nacional da Verdade. Resultado de lutas empreendidas pela sociedade civil, ambas corroeram o sigilo a que, durante décadas, havia sido destinada parcela relevante da documentação produzida pelo Estado.

A Lei no. 12.528 

de 18 de novembro de 2011, criou a Comissão Nacional da Verdade e estabeleceu sua finalidade: examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no país no período compreendido entre 1946 e 1988. O Brasil foi o último país da América Latina a criar uma comissão nacional da verdade para apurar crimes de violação dos direitos humanos cometidos durante a vigência de Estados ditatoriais e para se aquilatar a importância desta inciativa trazemos as reflexões de dois autores. Segundo o entendimento de Weichert (2016), as Comissões da Verdade integram um processo mais amplo de justiça de transição que inclui também “medidas judiciais e não-judiciais adotadas para superar o legado de graves violações aos direitos humanos em sociedades pós-conflito ou pós-governo repressivo” (WEICHERT, 2016, p. 6-7).  Quadrat (2005, p. 5) destaca que essas comissões possuem um “efeito pedagógico”, pois “divulgam ao mundo as atrocidades ocorridas no país e neutralizam as versões que estavam cristalizadas pelas ditaduras ao tornarem visíveis socialmente, com respaldo e credibilidade, que os crimes existiram chocando-se com a negação e o silêncio”.

Importantes ações precederam a criação da Comissão Nacional da Verdade no intuito de esclarecer os crimes cometidos pelo Estado durante o período da ditadura militar. Um dos exemplos é Projeto Brasil: Nunca Mais iniciativa do Conselho Mundial de Igrejas e da Arquidiocese de São Paulo que resultou em um relatório e um livro, lançados em 1985 e elaborados a partir de pesquisa realizada em processos do Superior Tribunal Militar. Soma-se a esta ação a entrega ao Arquivo Nacional, estabelecida em decreto de 2005, dos acervos do Serviço Nacional de Informações, Conselho de Segurança Nacional e Comissão Geral de Investigação (ISHAQ, 2011, p. 1). Além desses, outros fundos foram recolhidos ao Arquivo Nacional, entre os quais os da Divisão de Inteligência do Departamento de Polícia Federal, o do Centro de Informações do Exterior do Ministério das Relações Exteriores, da Comissão Geral de Inquérito Policial-Militar. Fico (2012, p. 56) ressalta que “isso torna o Brasil detentor de um dos maiores acervos públicos de documentos outrora sigilosos produzidos por uma ditadura militar”.

A Comissão Nacional da Verdade elaborou “relatório circunstanciado contendo as atividades realizadas, os fatos examinados, as conclusões e as recomendações a respeito de graves violações de direitos humanos, cometidas no período compreendido entre os anos de 1946 e 1988, com ênfase naquelas ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985)” (MARTINS; ISHAQ, 2016, p. 42). Cópia do Relatório da Comissão encontra-se disponível no Centro de Referência Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional.

Durante os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, que se estenderam até o ano de 2014, foram solicitados, às Forças Armadas, universidades, empresas públicas e governos de outros países, acervos de informação e contrainformação referentes ao período compreendido entre 1946-1988, em todos os tipos de suporte. Buscava-se localizar documentos que pudessem conter informações referentes a prisões ou detenções ilegais e a indivíduos cassados, aposentados compulsoriamente, mortos ou desaparecidos por motivação política, assim como identificar locais, instituições e empresas relacionadas aos casos de mortes, tortura e ocultação de cadáveres. Incluem-se nesta documentação depoimentos colhidos em todo o Brasil com relatos pungentes de indivíduos que sobreviveram a prisão e tortura, ou de familiares em busca de esclarecimentos sobre o desaparecimento forçado de seus filhos, pais, irmãos e cônjuges. A documentação reunida, sistematizada e produzida pela CNV abriu caminho para as reparações devidas e legou as possibilidades tanto de conhecer aspectos do período a partir de fontes que não estavam anteriormente disponíveis, quanto a de interpor obstáculos ao processo de esquecimento.

 

 O fundo Comissão Nacional da Verdade (CNV) pode ser consultado pelo Sistema de Informações do Arquivo Nacional – SIAN e está organizado em 28 séries, entre as quais: audiências públicas; comissões da verdade (com trabalhos finais das comissões 

Documentos

Expedientes dos comandos da Marinha, Exército e Aeronáutica, em atendimento a solicitações da Comissão Nacional da Verdade. 2013. Fundo Comissão Nacional da Verdade. BR_RJANRIO_CNV_0_RCE_00020000525201330_v_01_d0001de0001.

Informação sobre o andamento de solicitação da Comissão Nacional da Verdade ao governo norte-americano. Fundo Comissão Nacional da Verdade. BR_RJANRIO_CNV_0_RCE_00092000040201301_d0001de0001.

Trecho da transcrição do depoimento de Djanira de Oliveira Ramos, filha de Epaminondas Gomes de Oliveira, tomado em Abadia de Goiás/GO, pela Comissão Nacional da Verdade. 17 de dezembro de 2013. Fundo Comissão Nacional da Verdade. BR_RJANRIO_CNV_0_DPO_00092_000090_2014_61_parte.

 

Bibliografia

FICO, Carlos. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e documentos sensíveis – o caso brasileiro. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 28, n. 47, p. 43-59, 2012. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0104-877520120001&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 10 abr. 2021.

ISHAQ, Vivien. Apresentação. Revista Acervo, Rio de Janeiro, v. 21, n, 2., p. 1-4, 2011. Disponível em: http://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/issue/view/23. Acesso em: 14 abr. 2021.

MARTINS, André Saboia; ISHAQ, Vivien. O legado da Comissão Nacional da Verdade: dois anos depois da publicação do Relatório, o reconhecimento judicial do direito à verdade desafia a falta de justiça efetiva. In: WESTHROP, Amy Jo et al. (org.). As recomendações da Comissão Nacional da Verdade: balanços sobre a sua 

implementação dois anos depois.  Rio de Janeiro: ISER, 2016. Disponível em: https://www.iser.org.br/wp-content/uploads/2020/08/asrecomendacoescnv.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.

QUADRAT, Samantha Viz. Batalhas pela justiça e pela memória. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 23., 2005, Londrina. Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548206573_918bd8538d85094834e6f20976291be1.pdf. Acesso em 10 abr. 2021.

WEICHERT, Marlon Alberto. Prefácio. In: WESTHROP, Amy Jo et al. (org.). As recomendações da Comissão Nacional da Verdade: balanços sobre a sua implementação dois anos depois.  Rio de Janeiro: ISER, 2016. Disponível em: https://www.iser.org.br/wp-content/uploads/2020/08/asrecomendacoescnv.pdf. Acesso em: 14 abr. 2021.

 

 

 

 

 

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