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O Ipês

Publicado: Terça, 01 de Outubro de 2019, 18h49 | Última atualização em Terça, 17 de Outubro de 2023, 19h40 | Acessos: 2386
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Nos primeiros meses de 1964 uma grave crise política iniciada com a ascensão de Jango à presidência da República adquire proporções espetaculares, resultando na sua deposição pelas forças militares entre o último dia de março e o primeiro de abril. O evento, no entanto, representou muito mais do que um golpe militar, uma simples deposição de presidente como os brasileiros já haviam testemunhado anteriormente, tanto em suas origens como nos seus desdobramentos.

A derrocada da democracia nos anos 1960 torna-se incompreensível sem a abordagem da batalha ideológica travada não apenas no congresso, nos bastidores da política e dos quartéis, mas nas praças públicas, nos cinemas, nos jornais e na televisão — enfim, nos discursos e nas imagens que buscavam despertar nas massas tradicionalmente silenciosas a necessidade de aderir a um dos lados no cenário de crescente radicalização da época, alimentada também pela guerra fria.

Um grupo formado majoritariamente por empresários — inclusive alguns de origem estrangeira —, mas também um número significativo de militares e alguns intelectuais inicia, ainda nos anos 50, um movimento de discussão e, eventualmente, articulação política objetivando fazer frente à emergência do que era por eles visto como “tendência esquerdista da vida política.” A renúncia de Jânio Quadros serviu como um catalisador, e o grupo decidiu buscar formas de concretizar as propostas resultante de tais articulações. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais — IPES — fundado em 1962 por empresários, militares graduados e intelectuais do Rio de Janeiro e de São Paulo foi uma peça chave para a articulação do golpe. Portanto, estudá-lo é fundamental para o entendimento não apenas dos fatores que possibilitaram que o regime democrático ruísse da forma como ocorreu, mas também para percebermos as articulações profundas entre os setores militares e as elites civis, que permitiu não apenas o golpe e sua aceitação, mas também o seu prolongamento e radicalização.

Durante os seus dez anos de funcionamento, o Instituto concebeu projetos de lei — inclusive relativos a reforma agrária —, ministrou uma diversidade de cursos de capacitação em finanças e administração, conferências, palestras e cursos de “atualidades brasileiras”, levantou grande quantidade de dados acerca de atividades de inúmeros cidadãos brasileiros e instituições públicas e privadas, produziu filmes de alta qualidade e debates televisivos, editou livros e periódicos. Boa parte desta atividade, em especial aquela voltada para um público geral, tinha como objetivo vender a imagem da sociedade por eles concebida, e principalmente, demonizar qualquer projeto alternativo.

Os fundadores do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais a princípio não possuíam uma unidade ideológica muito consistente, mas encontravam-se todos no espectro mais à direita da política nacional. Relacionavam-se com grandes multinacionais, apresentavam um posicionamento anticomunista radical, desejavam também reformular o Estado e adequá-lo às suas necessidades, e não possuíam nenhum compromisso com as instituições democráticas – ao contrário, pois defendiam que nem sempre estas eram capazes de solucionar “graves questões” de desenvolvimento.

Após a sua fundação em 1962, o IPES passou a se dedicar a uma série de atividades de articulações políticas, planejamento de cursos, levantamentos e pesquisas, e divulgações destes últimos, além da produção de vasto material de propaganda que buscava convencer diferentes setores da sociedade de que o Brasil era um país de futuro, mas que este dependia das escolhas certas de cada brasileiro, que deveria rejeitar as ideologias alienígenas e abraçar a paz social, a defesa da família e da igreja como pilares da nação, aceitar a autoridade de tecnoburocratas para gerir com a devida competência o desenvolvimento do país.

A criação de um clima de medo, propício a intervenção militar, através de propaganda era um dos objetivos primordiais do IPES. Seus filmes, produzidos com esmero e dirigidos pelo experiente Jean Manzon, eram exibidos em escolas, cinemas, clubes operários Brasil afora. Seu público alvo era variado, mas todos eles tinham em comum o fato de se dirigirem a um espectador médio, um cidadão brasileiro comum que era chamado a tomar posição. Alguns filmes dirigiam-se a você, trabalhador, abordando problemas mais diretamente relacionados a várias parcelas da sociedade, procurando despertar um sentido de pertencimento em cada um, ao mesmo tempo em que demonstrava o quanto o posicionamento individual diante das questões contingentes era fundamental para a resolução destas.

Estes filmes, além de um anticomunismo visceral que deveria ser consolidado a qualquer preço na audiência, criavam uma conexão direta entre movimentos sociais organizados e o comunismo, o caos e o totalitarismo. No Brasil do IPES, a paz social deveria estar acima de tudo; as melhorias do trabalhador, condicionadas a um relacionamento de cooperação entre patrões e empregados; e principalmente, qualquer tentativa de organização autônoma da sociedade civil que não fosse das próprias elites necessariamente seria subversiva, por trazer em seu bojo uma forma de expressão de demanda que ia muito além de esperar pela benevolência dos poderosos.

Depois do golpe, quadros técnicos e políticos ligados ao Ipês participam ativamente do governo. O próprio general Golbery do Couto e Silva, que concebeu todo o sistema de segurança e inteligência do regime militar, era um homem ligado ao Instituto. A entidade, inclusive, instiga e colabora com o paulatino fechamento do regime, que culminaria no Ato Institucional número 5, editado em dezembro de 1968.

As condições políticas que permitiram a queda de Jango em 1964, a instauração de um governo militar logo em seguida, e o gradativo fechamento do regime que desaguou no AI-5 ainda são objeto de muita controvérsia, em parte porque a análise do período enfrenta a dificuldade em se encontrar registros formais relevantes ao caso. Nesse sentido, a existência da documentação presente no fundo Ipês é fundamental para esclarecer as relações entre o golpe militar e as forças civis que o apoiaram.

Em 1974, dois anos depois do encerramento das atividades do IPES, um dos integrantes do instituto, sócio fundador general João José Batista Tubino, doou o material que havia arquivado ao longo dos anos de participação ao Arquivo Nacional. A diversidade presente no fundo IPES espelha a diversidade das atividades levadas a cabo pelo instituto. São atas de reuniões dos diversos grupos e comitês da entidade, conferências realizadas, material didático dos cursos, enorme quantidade de material contábil (livros-caixa, recibos, balanços), correspondências com vários órgãos (públicos e privados, no Brasil e no exterior), publicações, algumas fotos (que mostram o encerramento de uma das versões do curso de atualidades, e da abertura da linha naval Brasil-México, promovida pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e do convés do navio Loide Guatemala), e mais de uma dúzia de filmes dirigidos por Jean Manzon.

 

BRISO NETO, Joaquim Luiz Pereira et al. O Conservadorismo em construção: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e as reformas financeiras da ditadura militar (1961-1966). 2008.

DREIFUSS, Reńe Armand. 1964, a conquista do estado: ação política, poder e golpe de classe. Vozes, 1987.

RAMIREZ, Hernán. Empresários e política no Brasil: o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPES), 1961-1971. Diálogos-Revista do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História, v. 13, n. 1, p. 209-240, 2009.

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