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Prudente de Morais foi o primeiro civil a se tornar presidente do Brasil. Depois de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, estava finda a chamada "República da Espada". Em 1894, o novo presidente assumiu diante dos escombros da Revolta da Armada e da Revolta Federalista. 

A atuação vigorosa de Floriano Peixoto, muitas vezes autoritária e violenta, deixou um séquito de admiradores. Não à toa ele ficou conhecido como "Marechal de Ferro" e "Consolidador da República". Prudente de Morais teve que conviver com a sombra do chamado florianismo, em especial após a morte de seu antecessor, em 1895. No enterro do marechal ouvia-se palavras de ordem como "Viva Floriano! Morte a Prudente!".

A ameaça latente de um retorno dos militares através de um golpe fez com que Prudente de Morais decretasse o Estado de Sítio em 1897, após sofrer um atentado durante uma cerimônia que homenageava os que destruíram Canudos. Esta, aliás, foi uma batalha difícil para Prudente, que precisava demonstrar a força de seu governo, frequentemente considerado mais frágil do que o anterior. Repercutiram mal as derrotas sucessivas no combate aos sertanejos liderados por Antônio Conselheiro. Assim, a vitória final, após uma investida militar devastadora, foi muito celebrada pelo governo.

Em 1895, o ítalo-brasileiro Ângelo Agostini, talvez o mais importante artista gráfico do Segundo Reinado, criador da Revista Ilustrada (1876) - um marco editorial do país à época -, fundou a Dom Quixote (1895). Em suas páginas, Agostini teceu críticas contundentes ao presidente, sempre em tom de ironia e com bom humor. Aqui trazemos alguns trechos desta publicação, achados no acervo do Arquivo Nacional, que pode ser encontrada na biblioteca da instituição.

Don Quixote, ao lado de seu fiel companheiro Sancho Pança, foi concebido e ressignificado no contexto brasileiro como alguém que, na sua figura cavaleiresca, lutava pelo bem do país e pela concretização dos sonhos republicanos. Por outro lado, o presidente eleito em 1º de março de 1894, Prudente de Morais, era retratado como alguém confuso, fraco, que protelava em tomar decisões e em agir – o “Prudente Demais.” Uma antítese do D. Quixote tupiniquim.

Em uma das imagens, vemos uma mulher, elemento marcante do imaginário francês na representação da República, segurando a bandeira do Brasil, voltada ao presidente, reclamando da falta de ação do governo central em relação aos conflitos locais nos estados. Ao lado do presidente, as estátuas da "Justiça" e da "Liberdade" estão destruídas. Acima, Don Quixote observa a cena e lamenta os rumos da nação, enquanto Sancho Pança diz que a República está perdendo tempo ao cobrar atitudes a uma "estátua", ou seja, uma alegoria que remete a um presidente passivo.

Já em outra página da revista há uma cobra – hidra - com sete cabeças, representando o que Agostini descreve como "Política despótica dos estados". Mais uma vez a República, representada pela figura feminina, pede socorro emergencial ao presidente, que permanece sentado, calmamente, justificando sua passividade pelo fato de estar avaliando se sua interferência não feria a Constituição de 1891. Não fica claro se Agostini tem por alvo a constituição, o presidente ou ambos.

Por fim, trazemos uma terceira imagem, que mostra diversas mulheres em seus cavalos, representando repúblicas sul-americanas, todas na direção do progresso, enquanto Prudente de Morais puxa, em sentido contrário, um burro onde está sentada, com um ar de tristeza, a república brasileira. Há muitos outros detalhes na ilustração, acidamente crítica, como uma bandeira citando de forma negativa, entre outras coisas, o positivismo que marcou profundamente o início da nossa história republicana. Parados no caminho do progresso, D. Quixote e Sancho Pança observam tudo com tristeza e desalento.

Na mesma ilustração, à frente de Prudente, puxando-o pelo braço, estão ministros e outras autoridades, sendo o primeiro, em destaque, Júlio de Castilhos, presidente do estado do Rio Grande do Sul. Agostini considerava Júlio de Castilhos um déspota, que deveria ser combatido por Prudente, assim como o positivismo castilhista. Certa vez, em outra publicação, Agostini desenhou Don Quixote deixando um bilhete para o presidente, dizendo que "tanta prudência cheira a imprudência".

Pesquise no Arquivo Nacional. Investigue o acervo em seus mais diversos fundos e coleções no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) e outras bases. Conheça, assim, um pouco mais sobre nossa história, memória e identidade.

Imagens retiradas do periódico D. Quixote – J398 – ano: 1895

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