Mulheres de Cinema
Mariana Monteiro
Viviane Gouvêa
De acordo com dados da Ancine, dos 513 filmes nacionais com mais de 500.000 espectadores, entre 1970 e 2018, apenas 22 foram dirigidos ou co-dirigidos por mulheres - o que representa 4,2% desse total. Não há dados de público precisos para o período anterior a 1970; ainda assim, O Ébrio (1946), de Gilda de Abreu, é considerado um dos maiores sucessos de bilheteria do cinema brasileiro e estima-se que tenha sido visto por mais de 12 milhões de pessoas desde o seu lançamento _ mas é uma exceção. Nas últimas décadas vem aumentando o número de mulheres que ingressaram na carreira cinematográfica desempenhando papéis diferentes do tradicional na frente das câmeras, passando a atuar como produtoras, roteiristas, montadoras, pesquisadoras e diretoras. Contudo, no ano de 2016, mulheres dirigiram menos de 20% dos filmes brasileiros lançados, sendo que nenhuma delas é afro-descendente.
O Arquivo em Cartaz – Festival Internacional de Cinema de Arquivo do Arquivo Nacional se propôs, em sua 5ª edição em 2019, o desafio de resgatar trajetórias de mulheres que foram fundamentais na história do cinema brasileiro mas que, por força de apagamentos e esquecimentos, não alcançaram um espaço justo na memória coletiva nacional. Apesar de, no embate entre memória oficial e memória subalterna, o lugar das lembranças proibidas, indizíveis ou marginais limitar-se em geral às estruturas de comunicação informal, espaços oficiais de memória podem buscar romper este padrão, em sociedades ditas democráticas. Nesse sentido, o Arquivo Nacional buscou – e busca - trazer à luz do presente o esforço de mulheres cineastas que historicamente nunca recebeu a devida atenção.
A edição 2019 do Arquivo em Cartaz começou a ser organizada no primeiro semestre daquele ano. Decidido o tema – Mulheres de Cinema – uma das primeiras tarefas do grupo de trabalho responsável pelo evento seria encontrar, no acervo da instituição, imagens de mulheres que haviam desempenhado papel fundamental no cinema brasileiro ou alguma informação acerca do seu trabalho: por exemplo, as diretoras Helena Solberg, Cleo de Verberena, Carmem Santos, Ana Maria Magalhães, Gilda Bojunga, Suzana Amaral, Gilda de Abreu, Eunice Gutman, Sandra Werneck, Adélia Sampaio, Regina Maura...
Apesar de alguns acervos audiovisuais apresentarem obras de diretoras ou por elas depositadas (Maria Luiza Aboim, Lúcia Murat, Helena Solberg, Isa Albuquerque, Elizabeth Formaggini), não encontramos, entre o acervo organizado, imagens que ilustrem o trabalho destas mulheres enquanto diretoras. Quando elas se desdobravam em outros papeis (atriz, cantora, por exemplo) encontramos imagens marcantes. Mas jamais atrás das câmeras, envolvidas com a tarefa de realizar um filme. Não causa surpresa, uma vez que são os filmes produzidos e dirigidos por homens que perfazem esmagadora maioria do que é realizado, além de atraírem um público significativamente maior (os nossos maiores sucessos de bilheteria do século passado são quase todos dirigidos por homens, à exceção de O Ébrio, de Gilda de Abreu, já citado).
Com exceção das atrizes, pouco se sabe sobre a atuação de profissionais mulheres nas primeiras produções do cinema nacional, ainda no período silencioso. Tal fato deve-se, em grande parte, às raras referências na imprensa da época sobre a atuação de mulheres nas funções técnico-criativas das produções, bem como às informações esparsas e desencontradas em relação aos créditos dos filmes. Carmem Santos, pioneira do cinema nacional, atuava em várias frentes: atriz, diretora, roteirista, produtora. Começando sua carreira atrás das câmaras na década de 1920, trabalhou ao lado de personalidades como Humberto Mauro e Mário Peixoto. Fundou sua própria produtora, dirigiu filmes como Inconfidência Mineira (1948) e lutou pela organização da indústria cinematográfica em nosso país. Seu legado, contudo, não escapou do destino de outras cineastas pioneiras, marcado pelo apagamento: quase todos os seus filmes estão atualmente desaparecidos.
Se no início do século passado era comum que mulheres desempenhassem papéis centrais na cadeia hierárquica da indústria - seja como atrizes, diretoras, roteiristas ou até mesmo diretoras de estúdios -, com o crescimento da importância do cinema e o aumento exponencial dos lucros auferidos elas passaram a ser excluídas deste processo, que ocorreu em todos os países que produziam cinema – e este foi um processo que marcou inclusive a indústria do cinema nos Estados Unidos. Esta presença menor das mulheres em postos-chave da indústria cinematográfica começou a ser revertida apenas há pouquíssimo tempo, e a situação está longe de ser equilibrada.
Mulheres sempre estiveram presentes atuando, dirigindo, produzindo e preservando o cinema. Diante desse cenário de apagamento da importância da mulher no cinema, que por vezes significou também uma exclusão econômica da área, procuramos estimular o resgate e a justa valorização da participação dessas mulheres, inclusive para a construção de uma identidade nacional mais inclusiva e representativa da nossa sociedade, e também para incentivar a participação feminina no mercado cinematográfico.
BR RJANRIO OC.0.ABR.7423: Ficha de identificação de Carmem Santos na polícia, na época obrigatória para todos os artistas, contendo número de registro, nome e pseudônimo, entre outras informações. No verso constam informações ligadas ao exercício profissional, como gênero artístico, cursos, data de início da carreira e contratos celebrados.
Delegacia de Costumes e Diversões do Rio de Janeiro
BR RJANRIO PH.0.FOT.7142_1: Gilda de Abreu, 1955
BR RJANRIO PH.0.FOT.32936: Retratos da atriz e política brasileira Maria da Conceição da Costa Neves (1908-1989), cujo nome artístico era Regina Maura. 1932.
BR RJANRIO PH.0.FOT.41129: Imagens da atriz e cineasta Maria do Carmo Santos Gonçalves (1904-1952), mais conhecida como Carmen Santos.
BR RJANRIO Q0.ADM, COR.A931.83:
Carta de Maria da Conceição da Costa Neves manifestando apoio à causa feminista; explicitando concepção do evento denominado “Noite da Mulher Brasileira”, que será realizado no Teatro Trianon com a encenação da peça “O sol e a lua”, de autoria de Joracy Camargo, por sua companhia teatral; e convidando Bertha Lutz a comparecer ao evento. 1931.
BR RJANRIO TJ.0.IMP.10/9 Panfleto ‘A Mulher no cinema brasileiro’, ciclo de debates, exibições de filmes e exposição fotográfica, promovido pela Cinemateca do Museu de Arte Moderna. 1975.