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No ano de 1992, foi deixada na portaria do Arquivo Nacional uma caixa de papelão que continha documentos e cujo portador não quis se identificar. Ele pediu que a caixa fosse entregue à então diretora, que ao abrir a caixa encontrou vários documentos, em ótimo estado de conservação, sobre treinamentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) e informações a respeito de pessoas e entidades. Logo se percebeu que a documentação era de alguém que fez parte de algum serviço de informação, seja militar ou civil, e que estava a serviço do regime estabelecido no Brasil em 1964. Identificados os documentos surgiu a dúvida acerca de qual nome dar a tal conjunto documental. Informante do Regime Militar foi logo sugerido e acatado pelos técnicos que identificaram o acervo e, por sugestão dos mesmos, recebeu o código de identificação de fundo como X9. A escolha do código não foi aleatória, pois, no jargão policial, X9 significa espião, informante. Uma vez identificado e colocado em ordem cronológica, foi feito um instrumento de pesquisa provisório e desde então está aberto à pesquisa, sem nenhuma restrição de acesso. (Arquivo Nacional. História arquivística do fundo X9. SIAN)

O conjunto de documentos que integra o notório fundo X-9 apresenta registros de como a polícia repressiva da ditadura militar funcionava, mas não só, pois oferece um vislumbre de como estas polícias – chamadas “secretas” – agiam no chamado período democrático entre 1946 e 1964.

O governo ditatorial de Getúlio Vargas utilizou amplamente as forças policiais para investigar, perseguir, prender, torturar, processar e até matar opositores do regime. Durante o Estado Novo, em especial (1937-1945) a polícia política se organizou em delegacias especializadas, estruturada até certo ponto de forma flexível para que suas atribuições não fossem engessadas em regras que poderiam se tornar inconvenientes dependendo do contexto político. Prestando contas direta e exclusivamente ao Presidente da República – o próprio Vargas – estas forças especiais de polícia acabaram, com o fim da ditadura, absorvidas em estruturas policiais que, como no caso da Polícia Civil, herdaram não apenas todo o extenso banco de dados formado ao longo de anos de vigilância mas também todo um conjunto de práticas repressivas – quando não francamente ilegais – que foram perpetuadas no período democrático após a queda de Vargas em 1945, embora suavizadas.

A reestruturação das polícias foi pensada e levada a cabo sem considerações com democracia, cidadania e capacitação das forças policiais em um contexto de respeito ao cidadão e ao ambiente democrático. Pior: os agentes que agiram livremente e ao arrepio da ordem legal durante a ditadura varguista não apenas não foram punidos como permaneceram em seus cargos, muitas vezes assumindo cargos de liderança: “Neste sentido, considerando a continuidade entre os períodos e estabelecendo um eixo comparativo de análise focado em compreender como o mesmo problema manifesta-se em dois contextos históricos distintos (como propõe BARROS, 2014: p.53-56) percebemos um campo (no sentido que Bourdieu propõe) que, independentemente do modelo político em vigor - ditatorial ou democrático – manteve-se contínuo nos dois períodos analisados. Este campo era ligado a Inteligência, mas sua produção de verdades tinha origem em vários interesses internos que diziam respeito tanto à própria instituição quanto ao conhecimento por parte do Estado sobre os perigos que supostamente o ameaçariam.”

Dentre as muitos consequências nefastas deste processo – fora, obviamente, a insistente violência e impunidade relacionadas às nossas forças policiais, e até hoje – percebemos a utilização insidiosa das informações e da capacidade de intimidação da polícia política do então Distrito Federal (Rio de Janeiro) pelo governador Carlos Lacerda, udenista e notório inimigo de forças progressistas e nacionalistas, que fez uso destes mecanismos para investigar e desgastar a imagem dos seus inimigos políticos, de JK a Jango.

A impunidade dos agentes das forças de segurança pública é um traço constante em nossa história, em períodos ditatoriais e democráticos, pelo qual pagamos um alto preço – até os dias de hoje. 

 

BR.RJANRIO.X9.0.TAI.0003_0009: Normas para produção e análise de “informes” e critérios para avaliação da idoneidade de agentes. [1960]     

 

Citação: PACHECO, T. D. S. (2016). Da Ditadura à Democracia: Atividades de Inteligência da Polícia Política no Estado Novo e na República de 1946–2016 (Doctoral dissertation, Tese (Doutorado em História Comparada)-Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós Graduação em História Comparada Rio de Janeiro).

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