O semiárido brasileiro há décadas – talvez séculos – atravessa períodos de extrema escassez em função de questões geoclimáticas, políticas e fundiárias. Nas últimas décadas propostas para amenizar o sofrimento causado pelas estiagens periódicas e pela natureza peculiar da região buscam ir além de soluções pontuais e que muitas vezes beneficiavam apenas os grandes latifundiários e seus associados políticos.
O programa Cisternas, por exemplo, “tem como objetivo promover o acesso à água para consumo humano e produção de alimentos através da implementação de tecnologias sociais simples e de baixo custo.” Estabelecido pelo governo federal em 2003, destina-se a famílias rurais de baixa renda e usa as citadas tecnologias para captar e armazenar água de chuvas e enxurradas, construção de barragens e tanques de uso comunitário. Outras ações incentivam a adaptação de atividades econômicas às especificidades do semiárido (Política de Convivência com a Seca) ou enfrentamento dos processos de desertificação (Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca).
Há propostas que recuperam antigas ideias. Uma delas é a transposição do rio São Francisco, um dos maiores rios brasileiros e que atravessa regiões do semiárido.
A ideia de abrir canais para ligar o “Grande Chico” a outros rios vem da época do segundo reinado, e foi retomada várias vezes durante o período republicano. A Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS) chegou a elaborar um esquema do canal que interligaria os rios São Francisco e Jaguaribe em 1909, proposta que seria avaliada novamente em 1919 pela Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). Não chegou a sair do papel.
O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) tentou retomar o projeto em duas ocasiões: logo depois da sua criação por Getúlio Vargas na década de 1940, e em 1981, mas o projeto foi arquivado. Na década de 1990 outras iniciativas encontraram o fracasso, por motivos variados.
Desde o início do século XXI, sob o primeiro governo Lula, o projeto se chama Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional e suas obras, a despeito de continuadas polêmicas, tiveram início em 2007. Segundo Castro, “o projeto de transposição prevê a construção de dois canais: o Eixo Norte, que levará água para os sertões de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, e o Eixo Leste, que beneficiará parte do sertão e as regiões agreste de Pernambuco e da Paraíba.” As obras originais dos referidos eixos foram concluídas em 2022, e atualmente encontram-se sob responsabilidade do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional. A continuidade das obras para além do projeto original também está sob responsabilidade do mesmo ministério.
O projeto apresenta inúmeros impactos potenciais positivos mas também vários negativos, o que faz com que até hoje seja objeto de polêmica. O relatório de impacto ambiental pode ser lido aqui: https://web.archive.org/web/20111130061526/http://www.integracao.gov.br/saofrancisco/integracao/rima.asp
O site oficial do projeto é https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/seguranca-hidrica/projeto-sao-francisco
Durante muitos anos a ideia de ligar o São Francisco a outros rios do nordeste foi cogitada e abandonada, sempre em meio a polêmicas, em geral relacionadas ao alto custo total do projeto e o impacto ecológico. O mapa que ilustra o início da matéria foi encontrado em meio a outros documentos sem relação com este projeto específico, mas em meio a outros mapas da época no fundo João Coelho Brandão. Este fundo, que leva o nome do engenheiro da Repartição Geral dos Telégrafos (RGT) responsável pela acumulação dos documentos que o constituem, apresenta 39 mapas (quase todos digitalizados e disponíveis no SIAN (https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/pagina_inicial.asp) e também documentação escrita, como correspondência e estudos do titular.
BR RJANRIO HQ.0.MAP.22 – Mapa (1910) referente ao indicado canal São Francisco - Jaguaribe organizado pelo engenheiro Roberto Miller que trata da transposição do rio São Francisco, construído conforme dados coletados ou compilados. Originalmente este mapa era anexo à publicação nº28 série 1-g da inspetoria de obras contra as secas.
Os outros dois documentos pertencem ao fundo Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Um deles (br_dfanbsb_h4_mic_gnc_eee_990026344_d0001de0001), da Agência São Paulo, é um relatório confidencial sobre o evento "Movimento Solidário no Combate Efetivo à Seca do Semi-Árido Nordestino” (São Paulo, maio de 1999) em que foram debatidas soluções para os problemas do semiárido nordestino. O outro documento (br_dfanbsb_h4_mic_gnc_iii_980009644_d0001de0001) é da Agência Pernambuco e informa, em comunicação oficial, sobre a entrega de um documento assinado por 40 ONGs exigindo a suspensão do início das obras de transposição a serem iniciadas no segundo semestre daquele ano (1994).
https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5477/1/BRU_n2_transposi%C3%A7%C3%A3o.pdf