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As cidades, estes aglomerados urbanos que no mundo contemporâneo podem chegar a abrigar vários milhões de pessoas configuram-se como entidades dinâmicas que, especialmente no mundo de hoje, podem passar por transformações radicais aos olhos de quem vive nelas em um curto período de tempo. Embora movimentos espontâneos relacionados às decisões e transformações vindas dos próprios habitantes também ocorram, em geral as mudanças na paisagem urbana ocorrem devido a interesses de grandes grupos econômicos – muitas vezes ligados à especulação fundiária ou imobiliária – ou políticas de ocupação urbana específicas.

O Rio de Janeiro, capital do Brasil colonial, Imperial e Republicano (até 1960), apresentou ao longo dos seus quase 500 anos diferentes aspectos, perfis, facetas. As vielas e o casario colonial deram lugar a avenidas e edifícios grandiosos que simbolizavam o advento da República, que por sua vez não cansou de remodelar seu centro de poder em pleno Estado Novo. Nas últimas décadas, a fisionomia da cidade-metamorfose continuou a se alterar. Um dos aspectos a chamar a atenção para os processos de alteração na sua paisagem diz respeito à imagem que é projetada do Rio de Janeiro e seu papel como catalizador de cultura e de movimentos políticos, mesmo sem ser a capital do país. A cidade não apenas permanece como ímã mais poderoso para o turismo internacional no Brasil mas se oferece como palco para eventos como a ECO-92 (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento em 1992) e a sua versão 20 anos depois (Rio+20), o Pan-Americano de 2007 e as Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016, a XXVIII Jornada Mundial da Juventude em 2014, o Primeiro Fórum de Financiamento de Cidades Sustentáveis do C 40 em 2016, a reunião dos BRICS de 2019, e o G-20, que ocorre em novembro de 2024.

Os processos de alteração na paisagem urbana – grandes reformas, revitalização, qual seja o nome – costumam desalojar milhares de pessoas de forma autoritária, mesmo em décadas mais recentes. Se a destruição de patrimônio público e de logradouros caros à população – comuns especialmente na primeira metade do século XX – ocorrem em escala bem menor, não se pode dizer o mesmo do pouco caso com que a população é tratada durante tais processos.

Um exemplo de destruição do patrimônio em nome de projetos políticos alheios à quaisquer outros interesses que não sua própria consecução foi a derrubada da igreja (tombada pelo antigo SPHAN, Serviço de Patrimônio Histórico) de São Pedro dos Clérigos em 1944 para dar espaço para a abertura da avenida Presidente Vargas. A praça Onze, tradicional reduto do samba, desapareceu para dar lugar a uma árida esplanada, também nos anos 1940. Já na década de 1970, em plena ditadura militar, há o exemplo trazido por esta matéria.

No início do século XX, período em que as Grandes Exposições atraíam um grande público e se espalhavam pelas várias cidades do mundo, o Brasil enviou a Saint Louis (EUA) um edifício desmontável para ser seu pavilhão na Exposição Universal de 1904. Responsável não apenas pelo projeto – que, aliás, foi um dos mais visitados do evento – mas pelo seu traslado de volta para a Capital Federal, o engenheiro Souza Aguiar também fora encarregado do grandioso prédio a abrigar a Biblioteca Nacional. O palácio criado para a exposição recebeu o nome de Monroe em 1906, depois da sua reconstrução na então avenida Central (atual Rio Branco), recém-inaugurada, em homenagem a John Monroe, ex-presidente dos Estados Unidos. Embora obedecendo ao projeto original, apenas parte do material original foi utilizado em sua reconstrução.

Entre 1914 e 1922, o Palácio Monroe foi sede provisória da Câmara dos Deputados, enquanto o Palácio Tiradentes era construído. Com a inauguração deste, durante as comemorações do primeiro centenário da independência, o Senado Federal passou a utilizar o Monroe como sua sede. Com o Senado fechado em virtude da ditadura varguista a partir de 1937, o edifício ficou sem uma destinação formal e a partir de então passou a ser relegado a um crescente ostracismo, com modificações arquitetônicas espúrias que descaracterizavam o projeto original em estilo eclético. Sua localização privilegiada, ao final da avenida que corta o centro da cidade e termina na Cinelândia, já muito próximo da linha do mar, era alvo de críticas variadas, que expressavam claros interesses imobiliários ou especulativos na região, ou dirigiam-se especificamente à falta de utilidade e descaracterização do prédio. Também mencionavam que o enorme edifício impedia a visão da baía de Guanabara a partir da Cinelândia.

O fato é que desde os anos 1960 o imponente palácio foi alvo de uma cruzada que culminou em uma campanha oficial e artificial, articulada pelo próprio presidente-general Geisel na década seguinte. Jornalistas, urbanistas, arquitetos passaram a verbalizar ostensivamente seu desgosto com o Palácio Monroe, chamado então de “monstrengo.” A construção da estação Cinelândia do metrô foi vagamente citada como causa para seu eventual desmantelamento, o que foi desmentido pela própria empresa responsável pelas obras.

Toneladas de pedra e ferro resultaram da demolição, finalizada em 1976, sem falar nas estátuas e preciosos vitrais, e muito do material retirado das obras teve uma destinação desconhecida. Não se sabe até hoje a real motivação para demolição do palácio – alguns defendem inclusive que o general Geisel simplesmente nutria profundo ressentimento pela família de Souza Aguiar, em virtude de rivalidades dentro do exército. O que se sabe é que o injusto linchamento coletivo de um marco urbano histórico em plena ditadura militar deixou um vazio na região, que de todo modo abriu a visão local para o Pão de Açúcar e a Guanabara.

As imagens aqui exibidas permitem comparar o antes e o depois da demolição:

BR_RJANRIO_PH_0_FOT_05054_013: Obras do metrô na Cinelândia carioca em maio de 1972. A foto foi tirada próximo ao antigo chafariz, em primeiro plano, perto da Câmara dos Vereadores. Ao fundo, o palácio Monroe. Correio da Manhã.

BR_RJANRIO_FS_0_FIL_0355_d0001de0001: Fotograma de um programa de entrevistas com populares circulando na Cinelândia sobre a reurbanização da região, gravado em 1977. Na imagem, um plano mais à frente do que a foto anterior, a câmera encontra-se próximo ao cinema Odeon. Ao fundo, a vista livre da baía de Guanabara. Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa.

br_rjanrio_4t_0_map_0095_d0001de0002: planta do 1º pavimento do palácio Monroe, setembro de 1924. Ministério da Justiça e Negócios Interiores

As fotografias restantes pertencem ao fundo Correio da Manhã, dossiê 2068, e exibem a destruição do palácio a partir de 1972.

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