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Muitas vezes os acidentes de trânsito não são tão "acidentais" assim. Resultam da má conservação das vias, da falta de manutenção dos veículos e, principalmente, da inconsequência dos motoristas. Ou seja, são causados por falhas do Poder Público ou de quem guia de forma irresponsável automóveis, ônibus, motocicletas e bondes...

Mas como assim "bondes"? As gerações atuais não têm ideia de como era o trânsito das grandes cidades há cem anos, por exemplo. Havia um tempo em que os bondes eram os principais meios do trabalhador se deslocar dentro da sua cidade, indo de casa para o trabalho e vice-versa, especialmente em trajetos não tão longos. Na imagem, vemos um protesto de estudantes no Rio, em 1956, em razão do reajuste de 100% no valor da tarifa: colocaram uma mesa de ping pong nos trilhos e ocuparam o local, impedindo o trânsito dos veículos.

Com o passar do tempo, os bondes passaram a dividir a tarefa de levar os trabalhadores com os ônibus, até que, finalmente, foram praticamente aposentados, em 1963, da capital fluminense.

 

Chegam os bondes

Os bondes surgiram inicialmente por meio de tração animal, ainda no Império do Brasil, inaugurados por D. Pedro II em 1859 no Rio de Janeiro, então capital do país. Embora tenham existido tentativas do uso do vapor e até de baterias nesse meio de transporte, foi somente na República, em 1898, que os bondes elétricos surgiram e ganharam protagonismo pela cidade.

Já os automóveis chegaram bem depois. Apesar do primeiro carro ter chegado ao país em 1891, quando Santos Dumont importou um Peugeot que deu entrada no Brasil pelo porto de Santos, foi somente nos anos 1920 e, principalmente, ao longo dos anos 1930 que os automóveis se multiplicaram pelo espaço urbano nacional, atingindo grande protagonismo em especial a partir dos anos 1950.

No Arquivo Nacional há diversos documentos que mostram uma transformação dos costumes gerada pela acelerada mudança do tráfego de veículos pelas cidades. Era comum as crianças brincarem nas ruas, sendo elas vítimas frequentes de atropelamentos já nos anos 1920. Para se ter ideia, o primeiro semáforo do Brasil foi instalado somente em 1935, no bairro do Brás, na cidade de São Paulo, tendo se espalhado pelo país somente no decorrer dos anos seguintes. Então durante um bom tempo as ruas eram divididas entre as pessoas e os veículos sem regulação alguma, facilitando a ocorrência de acidentes.

Era comum também muitas pessoas tentarem entrar nos bondes em movimento ou até pularem de um bonde para outro, algumas vezes para ganhar tempo, outras para não pagar passagem. Tal prática causava acidentes graves que muitas vezes terminavam em morte. Outros acidentes ocorridos eram batidas entre bondes, como o da imagem abaixo, feita pela perícia, que mostra a colisão frontal entre dois bondes em Jacarepaguá, um vindo do Tanque e outro da Freguesia, este último sendo considerado culpado pelo impacto, conforme podemos ver no laudo resultante das investigações.

Clique nas imagens abaixo!!!

       

 

Ônibus versus bondes

 

Um concorrente que durante um bom tempo existiu concomitantemente com o bonde foi o ônibus. Embora haja registros dos primeiros ônibus em 1817, sob a tração de cavalos e mulas, e em 1837 tenha surgido a "Companhia de Omnibus", ambas experiências ocorridas no Rio de Janeiro, a emergência dos bondes no Segundo Reinado fez com que esses veículos não se disseminassem. Os ônibus mais modernos aparecem somente em 1908 na Capital Federal, três anos depois de começarem a circular em Paris, agora sim movidos a gasolina. Porém, é apenas em 1927 com a criação da Viação Excelsior que os ônibus iniciam uma retomada que iria, em 1963, aposentar os bondes - por decisão do então governador Carlos Lacerda. Com os passar dos anos surgem os veículos fechados e mais seguros, sem a necessidade de colocação de trilhos, com mais espaço para passageiros, mais rápido e com horários mais flexíveis do que seu concorrente, motivos que justificam a opção por encerrar as atividades dos bondes.

Porém, durante algumas décadas, em especial entre os anos 1930 e 1950, bondes e ônibus dividiam a cidade, o que causou inclusive o acidente mostrado abaixo, possivelmente ocorrido no início dos anos 1960.

Bebida e direção

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Mudaram os veículos, porém a irresponsabilidade e as inconsequências persistem com o passar do tempo, de geração para geração. Se antes as colisões mais comuns eram atropelamentos, batidas entre bondes e colisões de bondes com ônibus, com a popularização do automóvel este passou a ser, de longe, o maior causador de mortes e lesões provenientes do trânsito. A atual legislação, chamada popularmente de "Lei Seca", data de 2008, permitindo somente a existência de 0,1 mg de álcool por litro de sangue - valor depois atualizado na legislação para a metade disso, apenas 0,05. Antes dessa data, o limite permitido era de 0,6 mg de álcool/litro. Porém, houve um tempo em que era absolutamente comum beber e dirigir. Em especial com o "boom" da venda de automóveis no Brasil, a partir dos anos 1950, isso se tornou um problema na sociedade. Demorou certo tempo até que o Poder Público começasse com as campanhas de conscientização, inicialmente sem punições, utilizando o rádio e a televisão para anúncios, como mostra o frame abaixo, de um vídeo veiculado em 1978, ainda no período da Ditadura Militar.

Portanto, se mudaram os meios de transporte, infelizmente não mudou a inconsequência de alguns motoristas. Por outro lado, há um avanço significativo em relação a tolerância zero em relação ao álcool, uma vez comprovado que seu consumo altera a percepção e a capacidade das pessoas em reagir no trânsito da cidade, o que muitas vezes é decisivo para a vida ou morte de motoristas, passageiros e pedestres.

DOCUMENTOS

BR_RJANRIO_PH_0_FOT_05706_029: Reações populares - estudantes contra aumentos das passagens de bonde – Rio de Janeiro, maio de1956. Correio da Manhã.

BR_RJANRIO_6Z_0_PCR_22654_m0001de0004. Processo criminal. Rio de Janeiro, 1940. Pretoria Criminal 3 (Freguesias de Santanna e Santo Antônio)

BR_RJANRIO_6Z_0_PCR_22654_m0002de0004

br_rjanrio_ph_0_fot_06917_077: Acidente entre ônibus e bonde, junho de 1964. Correio da manhã.

br_rjanrio_eh_0_fil_fit_0066_d0001de0001: Filme institucional "Leis de trânsito", campanha Respeite a vida, 1978. Agência Nacional. Agência Nacional.

 

 

 

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