As ferrovias foram as grandes protagonistas da Segunda Revolução Industrial, a partir de meados do século XVIII. Se até então as grandes cargas eram transportadas basicamente por via marítima ou fluvial, através de grandes embarcações, a partir do surgimento do trem o comércio foi facilitado também por terra. O apito da Maria Fumaça tomou o cotidiano das cidades, as grandes estradas de terra ligaram municípios de norte a sul e de leste oeste, em especial na Inglaterra e nos Estados Unidos. Foi facilitado também o deslocamento das pessoas, que agora não mais ficavam à mercê de rotas que duravam semanas a cavalo, mula ou jegue. Se a primeira locomotiva surgiu em solo inglês, em 1825, aqui no Brasil a inovação não demorou tanto tempo para chegar. Graças ao Barão de Mauá, já em 1854 surgiu a Estrada de Ferro Petrópolis, ligando a cidade petropolitana ao Rio de Janeiro - então capital do Brasil.
A novidade espalhou-se pelo país que, com suas dimensões continentais, viu pela primeira vez sair do papel um projeto de integração que diminuiu as distâncias e aproximou pessoas e propriedades. Com o advento da República, as linhas férreas cresceram ainda mais, chegando às cinco regiões do Brasil. Em um país dependente basicamente da agroexportação, com destaque para o café, esse novo meio de transporte facilitou o escoamento da produção, possibilitou as viagens de autoridades de forma mais veloz para fins políticos e econômicos, além de viabilizar que o homem comum visitasse a família que eventualmente deixara no interior de seu estado para buscar oportunidades nas cidades maiores.
Intensificada na Primeira República, a malha ferroviária também foi estimulada no governo de Getúlio Vargas. Atingiu seu auge no final da década de 1950, quando alcançou cerca de 38 mil quilômetros de trilhos. Para efeito de comparação, hoje temos no país, em 2025, uma estimativa de 30 mil quilômetros de trilhos, ou seja, 20% a menos do que tínhamos há 60 anos. O Japão, por exemplo, tem praticamente a mesma malha ferroviária que o Brasil, porém em um território cerca de 23 vezes menor do que o brasileiro.
Mais uma comparação a fim de percebermos o abismo que ficamos em relação a outras regiões do mundo em termos de ferrovias: a Europa inteira, com um território aproximadamente 20% maior do que o do Brasil, tem 800% de malha ferroviária maior do que a de nosso país. Mas como e por que ocorreu esse abandono do sistema ferroviário, em especial o interestadual?
A causa principal foi a opção de alguns governos por valorizar as rodovias nacionalmente, ao mesmo tempo em que incentivaram a entrada no país de grandes montadoras de automóveis. Podemos colocar com marcos principais dessa política o governo de Juscelino Kubitschek, na segunda metade da década de 1950 e, em seguida, a ditadura militar. JK iniciou a grande entrada de fábricas de automóveis, aumentando o acesso dos brasileiros aos veículos e, ao mesmo tempo, ampliando as rodovias interestaduais. Já os militares não investiram pesado para o desenvolvimento das ferrovias e ainda ampliaram bastante o sistema rodoviário. Daí por diante, chegada a década de 1980, o modelo rodoviário já estava estabelecido como o principal do país e nenhum governo se dedicou verdadeiramente, a partir de então, a ampliar a malha ferroviária, principalmente no tocante ao transporte de passageiros.
Hoje, em um país imenso como o Brasil, quem quer viajar internamente a trabalho ou de férias está fadado a escolher entre viagens que podem demorar horas e até dias, de ônibus ou de automóvel, ou ainda pagar mais caro optando pelo transporte aéreo. Economicamente e politicamente a opção pelo uso majoritário das rodovias, em detrimento das ferrovias, também dificulta e encarece o transporte de produtos, que fica prejudicado e até interrompido em virtude de greves de caminhoneiros, desastres naturais que inviabilizam o tráfego pelas rodovias, além destas terem maior custo de manutenção em comparação com as ferrovias. Muitas das rodovias eram tão caras e demandavam tantos esforços para manter a qualidade do asfalto que acabaram privatizadas pelo Estado. O custo? Ficou no bolso do consumidor, que além de um IPVA caríssimo paga também taxas de pedágio caríssimas Brasil afora.
Hoje em dia assistimos ao surgimento de algumas iniciativas isoladas de governos e prefeituras no intuito de reativar algumas ferrovias, mas muitas vezes apenas com objetivo turístico. As iniciativas nacionais até existem, mas não raras e diminutas em comparação com a dependência que temos em relação ao transporte rodoviário de cargas e passageiros. Nesse sentido, mudamos para pior, escolhendo um modelo rodoviário que é importante, mas que não deveria ser o majoritário no transporte de pessoas e de mercadorias, principalmente em um país com as dimensões continentais que tem o Brasil, o que prejudica a integração nacional e traz consequências prejudiciais à economia, à política e ao turismo interno.
IMAGENS:
1)Estrada de Ferro Príncipe do Grão-Pará, em construção, 1867. Fundo Fotografias Avulsas. Código de referência: BR_RJANRIO_O2_0_FOT_201_6
2)JK inaugura estrada no estado do Rio de Janeiro, entre Volta Redonda e Três Rios, 1958. Fundo Agência Nacional.
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