As primeiras Vilas Operárias surgiram na Europa em meados do século XIX, como uma necessidade de organizar o espaço urbano, após o caos causado pela urbanização acelerada decorrente da Revolução Industrial. No Brasil, tiveram como marco um decreto do imperador Pedro II, em 30 de outubro de 1875, que instituiu a isenção de impostos para empresas ou empresários que construíssem moradias para os trabalhadores.
Ficaram conhecidas por diversos nomes, como vila operária, fazenda operária, bairro proletário, núcleo residencial, núcleo fabril, cidade operária, cidade-companhia, cidade-empresa e cidade nova. No país, as primeiras indústrias a se dedicarem à construção das casas foram as dos ramos têxteis, de papel, mineração, usinas de açúcar e frigoríficos.
Isso mesmo: as vilas operárias, em geral, eram providenciadas pelas próprias empresas. Empresários fabris queriam manter o controle sobre seus funcionários e, por isso, construíam eles mesmos as moradias – como o ocorrido, por exemplo, com a Companhia de Fiação e Tecidos Alliança, a Fábrica de Tecidos São João e a Companhia América Fabril, no Rio de Janeiro. Mas havia também um segundo caso, em que a construção ficava à cargo de empresários ligados à construção civil que viram, na expansão das fábricas, a oportunidade de lucrar com a construção de vilas para os trabalhadores em áreas próximas às empresas – como a Vila Arthur Sauer, ao lado da Fábrica Carioca, e as vilas Senador Soares e Maxwell, ao lado da Companhia Confiança, todas também no Rio.
Poucos foram os industriais que tiveram uma intenção mais idealista em seus empreendimentos imobiliários, destacando-se como exceção Jorge Street, que construiu a Vila Maria Zélia, na cidade de São Paulo (SP), empresário conhecido pela militância em questões sociais. Em geral, ao construir uma vila operária, o industrial obtinha a posse das casas, o que, na maioria das vezes, servia como instrumento para pressionar a força de trabalho. A ideia era “moralizar” os costumes, interferindo no cotidiano do trabalhador, e cuidar da higiene coletiva, impedindo a ocorrência de epidemias. Documentos trazem inclusive menção à atuação religiosa nesses locais, como uma forma também de influenciar ideologicamente o empregado aos chamados “bons costumes”, geralmente atrelados a uma lógica religiosa específica, o que denota uma interferência ainda maior na vida do operariado e esbarra na liberdade religiosa. Nesse documento do IPES há um estudo sobre a vila operária e sua estrutura, destacando o “papel da religião na preservação espiritual e moral da coletividade”.
O patrão, enquanto dono das casas dos trabalhadores, descontava o aluguel do salário e exercia controle sobre o tempo livre de seus empregados ao vigiar o comportamento deles fora do horário de trabalho. Outra vantagem, para o empregador, era poder trazer a família do empregado e acabar contratando esposa, filho e agregados, garantindo mão de obra para o seu negócio. Uma vez que a saída do emprego implicava a perda da moradia, as pessoas procuravam seguir as diretrizes patronais.
Já o operariado tinha, como vantagem, não só um local para morar, mas ainda o fato de estar próximo ao local do emprego. Porém, como vimos, esse modelo o deixava sob a influência e pressão de seu patrão, inclusive fora do horário de trabalho. Seus comportamentos, como a realização de festas, o consumo do álcool e a relação com seus vizinhos estavam o tempo todo sob observação.
A pesquisadora Mariana Costa aponta o exemplo dos bairros cariocas do Horto e do Jardim Botânico, onde se situavam as fábricas da Companhia de Fiação e Tecelagem Carioca e da Fábrica de Fiação e Tecelagem Corcovado. De 1890 a 1906 o número de trabalhadores cresceu de 856 para 1305 na região, muito em virtude do oferecimento das casas. Outro exemplo é o bairro Marechal Hermes, projetado para ser totalmente operário. A ideia foi do então presidente Hermes da Fonseca, que determinou o projeto nos terrenos desapropriados da Fazenda Sapopemba.
Inicialmente criadas em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador, as vilas acabaram por si só a originar cidades em torno de grandes fábricas, como são os exemplos de Volta Redonda, no estado do Rio de Janeiro, Alumínio, no estado de São Paulo, Paulista, em Pernambuco, e Nova Lima, em Minas Gerais, entre outras. Os primeiros exemplos datam do final do século XIX e décadas iniciais do XX, porém foi a partir da política trabalhista do governo Vargas que o modelo se ampliou, incentivado mais uma vez pelo Estado, em especial nas décadas de 1930 e 1940 – como mostra a imagem abaixo –, começando a entrar em decadência na década de 1960, quando deixaram de ser comuns.
Nas últimas décadas essa ideia de bairros ou vilas operárias caiu por terra. Os aspectos positivos dessa mudança ficam por conta de não haver mais essa relação estreita patrão-empregado fora do horário de trabalho, o que garante maior autonomia e independência ao operariado. Por outro lado, sem a assistência e garantia de uma casa próxima ao emprego, o trabalhador fica jogado à própria sorte, muitas vezes morando muito longe de onde tem seu ganha-pão, o que faz muitas vezes ele acabar ocupando favelas ou moradias precárias mais próximas da labuta. Há casos, como em metrópoles como Rio e São Paulo, de pessoas que dormem nas ruas para poder chegar cedo ao trabalho no dia seguinte.
Porém, esse controle buscado pelo patrão em relação ao trabalhador ainda apresenta alguma permanência, uma vez que empresas fiscalizam as redes sociais de seus empregados, de modo a se livrar daqueles que julgam ter qualquer comportamento inadequado – algo subjetivo, como por exemplo uma posição política distinta da do patrão. Isso mostra que o controle, já na segunda metade do século XX e agora nas primeiras décadas do século XXI, ocorre de maneiras mais sofisticadas, inclusive por vezes com o apoio da polícia e do Estado, o que mantém o trabalhador sob vigilância e com liberdade apenas relativa.
E você, o que pensa sobre as Vilas Operárias? Gostaria de morar nelas? Acha as condições atuais melhores ou piores em relação à realidade anterior?
Notação: BR_RJANRIO_EH_0_FOT_PRP_00599_d0002de0005 : Getúlio Vargas com o interventor do Rio Grande do Sul, Ernesto Dornelles, visitando uma Vila Operária em Porto Alegre (RS), em 1943.
Notação: BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0478_d0001de0001 : fotografia do projeto de vila operária elaborado por Palmiro Serra Pulcherio a pedido de Hermes da Fonseca, presidente da república. 1910.
Notação: BR_RJANRIO_QL_0_CDI_29: Estudo “A assistência social e a alegria de viver”: exemplo de Centro Social no âmbito da grande empresa, realizado pelo IPES. Data atribuída entre 1961 e 1971.