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A Educação é fundamental para cada um de nós. Individualmente, nos abre um universo de possibilidades, promove o autoconhecimento e nos auxilia a atingir objetivos profissionais e pessoais. Mas também é essencial para a coletividade porque contribui para a melhoria da vida em sociedade, ajudando a fortalecer os ideais democráticos, a aceitação de si e a empatia ao outro.

Portanto, é a partir dessa simbiose de realização pessoal e crescimento coletivo que atua a Educação ou, pelo menos, deveria atuar. A partir desses pontos que se constrói a escola pública, forma-se professores e se estabelece o currículo escolar, com o objetivo final de promover a cidadania.

Estudantes como um código de barras

Devemos acender a luz de alerta quando algo que deveria ser visto como de interesse público, para benefício de todas e todos, se torna ferramenta vinculada a interesses privados. É um problema grave que já vem sendo debatido há muito tempo. Aqui, por exemplo, disponibilizamos um trecho de um programa de rádio do início da década de 1990 em que já se denunciava a interferência de “grupos privatistas” no Congresso Nacional. Trata-se do “Notícias do Brasil”, do IBASE, de 1992, que fala sobre o lobby de empresários junto a congressistas, influenciando os rumos, na época, da então nova Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Durante uma entrevista, um representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) criticava a tentativa de inserção, no texto da LDB, de mecanismos que diminuiriam o controle estatal sobre o ensino e facilitariam a transferência de dinheiro público para empresas privadas.

Mudanças que não levam em conta o interesse público e que atendem unicamente às pressões de grandes conglomerados educacionais privados acabam causando um impacto pernicioso na organização escolar em âmbito nacional, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na formação dos professores, no cotidiano escolar, e até no mercado editorial de livros e apostilas didáticas. Fato esse que causa preocupação porque pode levar a escola pública a deixar de fazer parte de um projeto democrático de formação das pessoas para dar lugar a um outro projeto, preocupado unicamente com o lucro e com a formação de uma mão-de-obra pouco especializada e voltada para atividades de baixa remuneração.

Na década de 1980 já existia a preocupação do ensino ser tratado como mercadoria, conforme podemos ver no cartaz aqui exibido, que retrata o aluno como um código de barras, sem individualidade e necessidades pessoais. Por um bom tempo o cerne do temor sobre a interferência empresarial na Educação era esse: de que as escolas privadas se transformassem em locais em que o pagamento da mensalidade implicaria na aprovação do aluno, lógica que, na época, era chamada no senso comum de “pagou, passou”.

Escolas privadas para uma minoria X escolas públicas para a maioria

O grave problema da interferência empresarial na Educação começa nas eleições, com a influência política de sujeitos privados que financiam campanhas eleitorais para o Executivo e Legislativo. Para os candidatos, quanto mais dinheiro, maior a capacidade de divulgação de suas campanhas e, logicamente, também as chances de vitória nas urnas. Ao assumir os mandatos, tais políticos tendem a colocar em prática projetos que beneficiem seus financiadores – isso quando os eleitos não são os próprios empresários do setor educacional que acabam por legislar em causa própria.

Muitas vezes isso se concretiza com o sucateamento do ensino público, de forma deliberada, a fim de forçar especialmente a classe média a fugir da escola pública e se esforçar financeiramente para pagar mensalidades no ensino privado. Acompanhamos, nas últimas décadas, a concorrência das escolas privadas entre si para oferecer um ensino de melhor qualidade, com professores qualificados e planejamentos, desde a tenra infância, voltados para a preparação dos estudantes para as universidades e, consequentemente, para o acesso a profissões com boa remuneração e status social. Enquanto isso, quem não tem condições financeiras acaba dependente do ensino público que, como citamos, nas últimas décadas passou a receber um investimento, em geral, abaixo do ideal.

Cria-se um problema. De um lado, as escolas particulares acenam com a possibilidade de tornar os filhos de seus clientes grandes líderes e empresários. Do outro, as escolas públicas podem estar se tornando locais de formação de uma mera força de trabalho não-especializada. Assim, a Educação do país vai apenas servir à manutenção do status quo de concentração de renda e exclusão dos mais pobres, perpetuando abismos sociais históricos.

No último censo escolar, de 2023, apurou-se que aproximadamente 85% dos estudantes estão em escolas públicas no país, enquanto 15% frequentam escolas particulares. Dados que confirmam que o acesso a escolas teoricamente com maior investimento financeiro é privilégio ainda de uma minoria, enquanto a maioria da população depende do ensino público e espera que o governo garanta condições similares às da rede privada e, consequentemente, as mesmas oportunidades.

A desconfiança com o Novo Ensino Médio (NEM)

O grupo privado “Todos pela Educação” teve participação significativa nas discussões sobre o chamado Novo Ensino Médio (NEM) nos últimos anos. Isso causou desconforto e gerou críticas de educadores e agentes públicos preocupados, mais uma vez, que a solução fosse um currículo mais voltado às preocupações empresariais do que às necessidades da sociedade como um todo.

Justificativas para a modificação do Ensino Médio não faltam, com o currículo atual sendo considerado ultrapassado, sem adaptação ao mercado de trabalho e desinteressante para os alunos. Por outro lado, para se sair de uma realidade e chegar a outra é necessário o cuidado para que o resultado atenda de fato ao interesse público.

Além da Formação Geral Básica (FGB), ganhou espaço no debate a ampliação de Itinerários Formativos (IF), que seriam conteúdos extras escolhidos pelos estudantes. Em determinado momento da discussão, as disciplinas chegaram a ficar em segundo plano, em prol da ampliação da ideia de “áreas de conhecimento”. Por exemplo, os livros e apostilas tratariam sobre “ciências humanas e sociais aplicadas” e não mais História, Filosofia etc.

Ao se iniciar o mandato do presidente Lula, em 2023, houve pressão para que o NEM fosse vetado integralmente e tivesse início uma nova discussão que desse mais lugar de fala aos educadores da rede pública. Por fim, o governo optou pela aprovação no Novo Ensino Médio, mas com modificações e vetos. Por exemplo, na lei aprovada em 2024 há um retorno aos nomes específicos das disciplinas e a grade da FGB, que tinha sido diminuída para 600 horas/ano durante os debates, voltou para 800 horas – em detrimento dos IF, que perderam espaço e passaram a ser considerados como aprofundamento da FGB e não mais como conteúdo extra a ela.

Por outro lado, foram mantidos pontos criticados como a permissão de professores por “notório saber”, o que facilita a contratação de docentes sem formação e, de certa forma, desvaloriza profissionais que investem em sua formação. Outra questão é o Ensino à Distância (EAD), que passou a ser de responsabilidade das secretarias de educação, descentralizando decisões relevantes sobre essa modalidade que vem crescendo cada vez mais nos últimos anos.

Para além do NEM, vemos outros pontos nos últimos anos que acendem uma luz de alerta para a Educação Brasileira. Nas discussões da Base Nacional Comum Curricular de 2018 chegou-se a prever a obrigatoriedade apenas de Língua Portuguesa e Matemática para o Ensino Médio, o que acabou não se efetivando. Já o Plano Nacional do Livro Didático de 2021, no mesmo viés do NEM que à época era debatido, se dizia interdisciplinar, mas na prática esvaziou e tornou superficial o conhecimento sobre pontos importantes e específicos, por exemplo, de nossa História, em prol de uma maior superficialidade dos conteúdos trabalhados.

Portanto, o medo que existe, para os educadores que trabalham com o ensino público há anos, é o de que, sob a justificativa de se modernizar o currículo e, consequentemente, livros e apostilas didáticas, o conhecimento desenvolvido na escola perca sua dimensão ampla e abrangente, seus aspectos humanos, de formação de cidadão e maximização das aptidões pessoais, passando a ter um mero objetivo instrumental para alocação no mercado de trabalho.

É um processo que já está em curso, por exemplo, com a diminuição de horas-aula de História e Filosofia, por exemplo, disciplinas que fomentam o questionamento, a mudança e a transformação social. Afinal, queremos pessoas capazes de refletir, pensar, mudar a si mesmos e à sociedade, ou apenas empregados para cumprir a carga horário de trabalho das 8h às 17h? Fica a reflexão.

Cartaz: BR_RJANRIO_HP_0_CAR_0009. Hildete Pereira de Melo.

Arquivo sonoro: BR_RJANRIO_HA_0_DSO_PNB_0138_d0001de0002. Ibase.

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