A partir da segunda metade dos anos 1970, os movimentos sociais no Brasil voltam a se articular e começam a defender abertamente algumas reivindicações. Algumas reivindicações, relacionadas ao fim de um regime ditatorial que apresentava sinais de desgaste, como por exemplo a anistia aos presos e exilados políticos, chamavam a atenção por conseguirem aglutinas diferentes atores sociais. Outros, como o movimento de mulheres e o movimento negro, embora se alinhassem com as reivindicações pelo fim da ditadura, apresentavam especificidades e pautas próprias. Na década seguinte, quando a democracia brasileira começou a se reconstituir, em especial a partir do processo para a elaboração de uma nova Constituição, os movimentos sociais passaram a agir de forma mais direta e aberta. Mesmo nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte em 1986, a presença destes movimentos se fez sentir apoiando ou apresentando candidatos próprios. A nova política brasileira trazia para a cena atores fora da política tradicional de gabinetes e partidos.
O movimento negro, emergente no Brasil na primeira metade do século XX, também se fez presente no processo de redemocratização. Como outros movimentos, organiza encontros Brasil afora para debater os assuntos relevantes, estampados também em periódicos como Nzinga e Tição. A existência de vários grupos e vertentes não impediu a unificação das demandas e mesmo da mobilização do movimento, já explicitada com o início do Movimento Negro Unificado (MNU) ainda no final dos anos 1970. Em 1986 caravanas organizadas para debater os temas relevantes resultam no Encontro Negro e a Constituinte, de onde saem demandas a serem encaminhadas à Assembleia Nacional Constituinte entre 1987 e 1988.
Na própria eleição para a assembleia alguns candidatos negros lograram se eleger, defendendo a inserção do racismo como tema constitucional de forma a possibilitar mudanças estruturais e reais. Paulo Paim, Benedita da Silva, Edmilson Valentim e Carlos Alberto Caó são alguns dos congressistas negros da Assembleia e aqueles que se articularam de fato como uma bancada negra, que enfrentou resistências tanto à direita quanto à esquerda. Forças conservadoras defendiam que o racismo e, principalmente, sua criminalização, não deveriam ser tema de matéria constitucional porque o Brasil era uma democracia racial em que o preconceito não passava de um vestígio; e parte do campo progressista via esta luta como uma especificidade que potencialmente poderia fragmentar o movimento dos trabalhadores.
Na Constituição promulgada em 1988, alguns pontos contemplaram a luta do movimento negro e ampliaram-na: "Título II, capítulo 1, inciso XLII – A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; Seção II, Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais: § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras; Disposições Transitórias, Art. 68 – Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos" são alguns exemplos.
A despeito da Constituição e da legislação ordinária que busca dirimir as desigualdades em nosso país, muito ainda preciso ser feito para que a prática traduza a legislação.
BR DFANBSB V8.MIC, GNC.LLL.86006569
MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO, MNB. Agosto de 1986.