.

A República brasileira foi proclamada em 1889 por um golpe militar, apoiado por uma fração ainda desorganizada da classe política republicana e amplas parcelas das oligarquias exportadoras do sul e sudeste. Não havia, entre os grupos que causaram a derrocada do Império e exilaram d. Pedro II, consistência ou concordância em termos de projetos futuros para a nova República. Em interesse próprio, as províncias de maior poder econômico e capital político (sudeste/ sul) defendiam ferrenhamente um federalismo que necessariamente esvaziaria os outros estados e a própria União, mantendo recursos em seus próprios Estados e deixando a estrutura Central à míngua.

Em um ambiente dividido e carregado de desconfiança, a urgência da elaboração de uma nova Carta Maior logo se fez sentir. Mas a falta de legitimidade do novo regime, a insegurança originada nas disputas entre as forças militares e civis, o medo de cisões e dissensões e a força de uma cultura política autoritária alimentada pela influência positivista (marcada pelo determinismo elitista) limitaram profundamente todo o processo de elaboração da nova Constituição. O governo Provisório buscou inclusive limitar as possibilidades de eleição de constituintes, temendo a atuação da oposição, e quando a assembleia se estabeleceu, ela acabou instalada em São Cristóvão, bairro da zona norte do Rio de Janeiro (Capital Federal), escolhido para afastar a “turba indócil e perigosa” presente no centro de uma cidade considerada rebelde e arruaceira. Desde o início os grupos dominantes buscaram impor sua visão de mundo e de Brasil segundo a qual o povo simplesmente não importava e não deveria ser chamado a participar do processo político, a não ser como dócil observador e produtivo trabalhador.

A nova Carta foi aprovada em 24 de fevereiro de 1891, caracterizada por um liberalismo excludente que impedia a participação de mulheres (o impedimento não era explícito mas como em outros temas, a Constituição deixou um vácuo constantemente interpretado pelo tradicionalismo dos políticos e juristas brasileiros) e analfabetos (cerca de 90% da população) do processo político, expressando ainda uma visão bastante limitada de cidadania, calcada em alguns direitos individuais e políticos, e enfatizando-se apenas o aspecto “nacionalidade” do conceito.  Na prática, apesar de ter rompido a exigência de renda mínima para votar e ser votado, a nova Constituição não ampliou o número de eleitores, que durante seu período de vigência nunca ultrapassou 3.5% do total potencial. Além do mais, todo o processo eleitoral acabou por se tornar vulnerável ao tradicional autoritarismo das lideranças regionais e à compra sistemática de votos, já que, apesar de secreto, o voto era entregue em cédulas diferenciadas por partido. A Constituição de 1891 também ignorou um dos problemas cruciais da época: o gigantesco contingente de ex-escravizados, deixado à própria sorte após a abolição final em 1888, sem suporte nem políticas públicas capazes de integrá-los a sociedade nem como trabalhadores e muito menos como atores políticos.

No fundo, a primeira Carta Republicana pouco se preocupou em criar mecanismos de ampliação da participação política e de construção de um bem público que fosse além das garantias de direitos individuais. Influenciada por preceitos racistas e pouco preocupada com a origem da pobreza e desigualdade ou sua solução, a Constituição de 1891 embora tenha ampliado juridicamente o escopo de eleitores e os direitos de associação e reunião, não logrou abrir caminho para uma sociedade democrática. Segundo Lynch e Souza Neto “a primeira Carta republicana entrou para a história brasileira como o símbolo da inefetividade constitucional, do ideal frustrado pela realidade, do liberalismo sabotado pelo conservadorismo”.

Na matéria, trecho da Constituição de 1891 que, como todas as nossas Cartas, encontra-se no Arquivo Nacional (clicar na imagem para acessar o documento).

Leitura recomendada

Lynch, C. E. C., & de Souza Neto, C. P. (2012). O constitucionalismo da inefetividade: a Constituição de 1891 no cativeiro do estado de sítio. Revista Quaestio Iuris5(2), 85-136.

Trindade, S. L. B. (2003). CONSTITUIÇÃO DE 1891: as limitações da cidadania na República Velha. Revista da FARN, (1-2).

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.