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 São José da Boa Morte. Assim chamava-se a fazenda na região de Cachoeira de Macacu (RJ) palco de um notório – e prolongado – conflito agrário ocorrido entre os anos 1960 e 1980. Com ocupações em 1961, 1963 e 1979, o movimento dos trabalhadores rurais na região, após o hiato tenebroso da ditadura civil-militar, acabou por conquistar a desapropriação das terras em 1981.

No período imediatamente anterior ao golpe militar de 1964, movimentos sociais articulavam as demandas de vários grupos tradicionalmente excluídos do processo político – e consequentemente, do acesso a melhores salários, educação, ascensão social.  O movimento dos trabalhadores rurais destacava-se neste cenário, desde sua emergência ainda na década de 1940. A rápida organização do movimento através principalmente – mas não apenas - das Ligas Camponesas espalhou-se pelo Brasil, inclusive em uma região em que a economia agrária já não apresentava relevância econômica, como em algumas partes do estado do Rio de Janeiro. Sua bandeira central: a reforma agrária.

Na década de 1950 lavradores e trabalhadores foram intensamente expulsos de suas terras no estado. Segundo Brito, “Nesse contexto, a atuação do PCB valorizou a organização dos lavradores contra os despejos e contra a formação da aliança entre grileiros, juízes, milícias privadas e polícia. Foram esses trabalhadores, identificando a si mesmos como posseiros, com a ajuda e mediação de organizações como PCB, mas também elementos da Igreja Católica, tais como os Círculos Operários Católicos, que passaram a organizar e gerir a sua indignação a partir de associações e organizações.” A primeira associação de lavradores do estado do Rio de Janeiro foi fundada no final da década de 1940, na Baixada Fluminense. A organização dos camponeses continuou na década seguinte, e em 1959 a Federação das Associações de Lavradores do Estado do Rio de Janeiro (Falerj), integrando as associações locais, foi criada tendo como maior reivindicação a desapropriação das áreas em litígio. Na região de Macacu, cerca de 1500 trabalhadores rurais encontravam-se dispostos a lutar pelos seus direitos no início da década de 1960, impulsionados pelas práticas de despejo, grilagem e expulsão violenta das suas terras, fosse por parte da polícia com autorização judicial, fosse com o uso de milícias pessoais organizadas pelos grileiros. De uma forma ou de outra, espancamentos, destruição de suas casas e incêndios marcavam a vida dos lavradores.

Os conflitos agrários nas terras fluminenses, por pior que fossem, empalideciam diante do que ocorria – e ocorre – em grande parte do nosso país, pródigo em latifúndios gigantescos (o Brasil é o campeão mundial de concentração fundiária) e índices de violência e impunidade assombrosos, onde os grandes empresários do campo sempre se moveram com desenvoltura no campo político institucionalizado. Às vésperas do golpe de 1964, os latifundiários – ruralistas – articulavam-se com outros setores da elite para derrubar João Goulart em instituições como IPÊS, IBAD e a Confederação Rural Brasileira, cujo relatório aqui apresentado enaltece o golpe militar, e agradece as “forças revolucionárias” que livraram os ruralistas – grandes proprietários – da dificuldade de ter que enfrentar o “associativismo rural.” É fácil perceber a incapacidade insistente que as elites brasileiras apresentam ao lidar com demandas das classes populares, especialmente quando estas passam a se organizar.

O documento, em sua maior parte, descreve o verdadeiro “horror” – para os empresários do campo - que haviam sido os anos de 1963 e 1964 – até a queda de Jango -, acusando a política agrária do então presidente de orquestrar uma “invasão organizada” da propriedade rural, e de criar um “clima emocional propício à desordem e a subversão”. Em outras palavras, de contribuir para o questionamento da concentração fundiária e dos modos de apropriação e exploração da terra em solo brasileiro. Deixa claro, contudo que a classe reagiu e obteve sucesso ao silenciar os movimentos sociais, precisando para isso “criar um clima propício à Revolução de 31 de março”. Ou seja, criar um clima de instabilidade e medo através de ameaças (abertas ou veladas) relacionadas a uma suposta invasão comunista.

As fotografias pertencem ao fundo Correio da Manhã; o documento, ao fundo Paulo de Assis Ribeiro.

BR_RJANRIO_PH_0_FOT_02675, dezembro de 1963, Cachoeira de Macacu (RJ)

BR_RJANRIO_S7_0_TXT_CX045_PT004, março de 1965, Rio de Janeiro; comunicação interna da Confederação Rural Brasileira

Brito, R. B. (2019). Grileiro: categoria de acusação simbólica–reconfiguração de forças nas relações entre posseiros e grileiros no pré-golpe empresarial-militar. Enfoques, 24-44.

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