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Prisioneiros políticos: ilhas e colônias

Atualmente, quando falamos em colônias penais no Brasil estamos nos referindo a estabelecimentos prisionais destinados àqueles que comprem penas em regime semi-aberto, podendo estudar, trabalhar e realizar atividades que colaborem com sua reintegração social (Lei de execução penal: l. 7210, de 1984). Mas durante muito tempo o termo colônias penais definia locais em geral distantes e inacessíveis para onde eram enviados prisioneiros comuns e políticos, de forma a mantê-los isolados e impossibilitados de repetirem os atos que os condenaram – em geral, desordem, rebelião, subversão.

No Brasil republicano, em especial na primeira metade do século XX, tivemos alguns exemplos de colônias penais onde os detentos trabalhavam em atividades agrícolas, de extrativismo ou manufatura, uma forma de discipliná-lo e orientá-lo para o trabalho – em teoria. Citadas no Código Penal de 1890 no artigo 399, sobre “vadios e capoeiras,” (o infractor será recolhido, por um a tres annos, a colonias penaes que se fundarem em ilhas maritimas, ou nas fronteiras do territorio nacional) as colônias também abrigaram presos políticos e revoltosos de classes baixas. Esta matéria traz exemplos de documentação encontrada no Arquivo Nacional relativa a três destas colônias.

Provavelmente a mais notória delas localizava-se na Ilha Grande, litoral fluminense, que recebeu mais de um nome ao longo de um século de existência. A Colônia Correcional de Dois Rios foi instalada em 1894. Ao longo das décadas seguintes, diversos complexos foram construídos e abandonados, recebendo diferentes denominações: Penitenciária Agrícola do Distrito Federal, Colônia Agrícola do Distrito Federal e Instituto Penal Cândido Mendes. “Nas três primeiras décadas, a Colônia Correcional de Dois Rios teve como objetivo principal aprisionar bêbados, mendigos, vadios e capoeiras; entre 1930 e 1964, Colônias Agrícolas foram instaladas para que os sentenciados pudessem cumprir o período final de suas penas; e a partir de 1964, o Instituto Penal Cândido Mendes tornou-se uma penitenciária de segurança máxima, mantendo no local os indivíduos considerados mais perigosos à sociedade. Durante todo esse período, estas instituições foram também utilizadas como prisão política”( Os Porões da República: A colônia Correcional de Dois Rios entre 1908 e 1930)... “O processo de redemocratização e a maior liberdade adquirida pela imprensa minaram a autonomia e poder dos agentes penitenciários locais. Membros da Igreja Católica e de organizações voltadas para a defesa dos direitos humanos passaram a denunciar sistematicamente o tratamento bárbaro a que eram submetidos os presos. As fugas crescentes, o desvio de verbas públicas e a corrupção entre funcionários levaram à desativação e implosão do complexo em 1994.” (idem)

Condições sempre precárias aguardavam os preses enviados à Ilha Grande, em geral pessoas pobres, sem renda ou residência que morriam de variadas doenças depois de não muito tempo de estadia. Além destes, a partir dos anos 1920 manifestantes políticos e opositores do governo também passaram a ser enquadrados entre os enviados à colônia (incluindo anarquistas, sindicalistas, grevistas, jornalistas, políticos da oposição).

Outra ilha abrigou durante um período muito mais curto uma colônia penal para prisioneiros políticos. Trata-se da ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco, para onde foram enviados opositores do governo ditatorial de Getúlio Vargas: cerca de duzentos homens ligados à Aliança Nacional Libertadora cumpriram pena em Fernando de Noronha, além de uma centena de integralistas. Nas fronteiras do território nacional temos o exemplo da Colônia penal de Clevelândia que funcionou entre 1924 e 1926 no núcleo colonial Cleveland, no Amapá. A colônia no extremo norte recebeu muitos prisioneiros do movimento tenentista e militantes operários, bem como pobres “desordeiros” de várias cidades brasileiras. O índice de mortalidade entre os presos naqueles 2 anos foi elevado devido às doenças da região e condições ambientais insalubres: 491 morreram entre 946 (relatório Viagem ao Núcleo Colonial Cleveland, Arquivo Público Mineiro).

Registros sobre estabelecimentos prisionais são amplamente encontrados no acervo do Arquivo Nacional. Uma subsérie no fundo Série Justiça recebe o nome “Presídio Fernando de Noronha”; o mesmo fundo apresenta também a subsérie “Casas de Correção”. Já o fundo Ministério da Justiça e Negócios Interiores apresenta documentação extensa sobre vários estabelecimentos prisionais, inclusive mapas e plantas destes estabelecimentos. O fundo Correio da Manhã tem um dossiê sobre o presídio em Ilha Grande. Estes são apenas alguns dos muitos exemplos de registros encontrados na instituição sobre as colônias aqui referidas.

BR_RJANRIO_OO_0_FOT_0027_D0001DE0005: Fotografias visita de funcionários do Ministério da Agricultura a Colônia Penal de Cleveland no Oiapoque, Amapá. , 1926. Afonso Pena Júnior

BR_RJANRIO_4T_0_MAP_0405: Ante-projeto para a construção de uma Colônia Penal Agrícola na Ilha Grande, 17/03/1937. Ministério da Justiça e Negócios Interiores

BR_RJANRIO_4T_0_MAP_0443: Ilha de Fernando de Noronha: alojamento de presos, farmácia e residência , 13/05/1938. Ministério da Justiça e Negócios Interiores

 

 

 

Romani, C. (2011). Clevelândia, Oiapoque: cartografias e heterotopias na década de 1920. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 6, 501-524.

Santos, M. S. D. (2006). Os porões da República: a colônia correcional de Dois Rios entre 1908 e 1930. Topoi (Rio de Janeiro), 7, 445-476.

Sobrinho, P. (2019). Peregrinando entre cárceres: trajetórias de encarceramento de presos políticos na Era Vargas (décadas de 1930 e 1940). Claves. Revista De Historia, 5(8), 235–260. https://doi.org/10.25032/crh.v5i8.10  

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