No final da década de 1970 a ditadura militar preparava-se para planejar seu próprio fim. Desgaste político e de imagem, crise econômica, pressão de movimentos sociais que começavam a se rearticular, perda da pouca legitimidade que os governos detinham, questionamento internacional. Ainda assim, as forças armadas buscavam evitar surpresas e perder o controle sobre todo o processo.
Em 1979 a Lei nº 6 767 de 20 de dezembro colocava um fim ao bipartidarismo dominante durante toda a ditadura. Se por um lado as amarras legais que permitiam a vitória do partido do governo (ARENA) caíam por terra, por outro lado o governo militar tinha a esperança de que o fim do bipartidarismo iria dividir a oposição, mantendo a situação unificada. Também em 1979 a lei de anistia (Lei nº 6.683 de 28 de agosto) resultou de uma concessão da ditadura, em que os agentes da lei que haviam perpetrado atos ilegais e mesmo violações dos direitos humanos receberiam o “perdão” oficial, impossibilitando qualquer investigação e responsabilização desses agentes perante os tribunais.
O movimento sindical, após a devastação promovida pela ditadura na década anterior – com sindicalistas e trabalhadores mortos às dezenas – começou a se rearticular a partir de 1977/ 1978, especialmente no Sudeste, com maior concentração no ABC paulista. O chamado “Novo sindicalismo” lidera o ciclo de greves do final da década, com um posicionamento em prol da autonomia em relação ao Estado, forte organização de base e recusa às políticas paternalistas. Desafiando as leis antigreves da época, as greves espalharam-se por diversos setores da indústria e anunciaram a ostensiva chegada de um ator político ao cenário nacional: o trabalhador organizado, e organizado no chão de fábrica. A força e organização autônoma desses trabalhadores surpreendeu a ditadura e tornou-se fator-chave para a redemocratização do país.
Desde 1975 os operários vinham se mobilizando em torno das perdas salariais, causadas pelo arrocho e acentuadas pelas fraudes oficiais que anunciavam taxas de inflação (e reajuste salarial) muito menores que as reais, constatadas pela Fundação Getúlio Vargas. Em setembro de 1975 o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de São Bernardo e Diadema – na época presidido por Luís Inácio Lula da Silva - realizou uma assembleia em que foi aprovada a abertura de dissídio coletivo, deixando aberta a possibilidade de uma greve da categoria, caso a reivindicação de aumento não fosse atendida.
Na época as negociações entre empresa e trabalhadores necessariamente passava pelas Delegacias Regionais do Trabalho, mas o então Ministro do Trabalho Arnaldo da Costa decidiu proibir o estabelecimento das negociações. O sindicato pressionou as empresas, que ignoraram as demandas, acobertados pela posição do governo.
Em fevereiro de 1978 mais uma vez a chapa liderada por Lula vence as eleições para direção do sindicato e avisa que os trabalhadores não aceitariam passivamente a manipulação dos dados para reajuste salarial. A despeito disso, governo e patronato continuam com a política de maquiar os índices de inflação e se recusam a negociar.
Em 12 de maio de 1978 os trabalhadores da Scania (fábrica de caminhões) de São Bernardo do Campo (SP) cruzaram os braços. Subsequentemente, o movimento se espalharia, exigindo democracia, levantando-se contra as perdas salariais impostas pelo arrocho da ditadura (mais de 40% de perda do valor do salário mínimo). O resultado: cerca de 117 mil trabalhadores de 132 indústrias conseguiram aumentos e antecipações como resultado o movimento grevista ainda naquele ano.
No ano seguinte houve greves nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, e de trabalhadores rurais do Norte e Norde ste. Mas a violência dos estertores da ditadura ainda deixaria mortos e feridos: em julho de 1979, 80 mil trabalhadores da construção civil de Belo Horizonte entraram em greve, resultando em 50 feridos e um morto – o tratorista Orocílio Martins Gonçalves. A difícil negociação precisou da participação de dirigentes de outras categorias para encontrar uma saída. Também em São Paulo a PM matou, num piquete grevista, o líder da oposição do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Santo Dias, ligado à Pastoral Operária.
Em 1979 nova greve se espalha pelo ABC, quando 180 mil operários de montadoras cruzam os braços. Como esperado, a violenta repressão usou cavalos, cães e gás lacrimogêneo para tentar intimidar os trabalhadores. Como esperado, a greve é declarada ilegal pelo governo, mas os dispositivos que serviram para oprimir o sindicalismo tradicional até a década anterior não mais intimidava os operários. A greve geral dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema em 1980 durou 41 dias; 300 mil metalúrgicos aderiram. Com a situação fora do seu controle, o governo apela e declara intervenção nos sindicatos, afastando seus dirigentes. Lula e mais 14 sindicalistas foram presos, inclusive com base na Lei de Segurança Nacional.
Reproduzimos aqui um trecho da entrevista concedida por Lula a Flávio Cavalcanti em setembro de 1979. Ele cita o decreto-lei nº 1.632, que estabelecia uma longa lista de atividades consideradas de segurança nacional, nas quais qualquer greve estava proibida. Às pesadas sanções legais acrescia-se as trabalhistas, como demissão por justa causa. Ele também cita a repressão aos grevistas mineiros, e a possibilidade de fundar um partido de trabalhadores, o que seria realizado no ano seguinte. Em 1980 sindicalistas, intelectuais, ativistas ligados à Igreja Católica fundam o Partido dos Trabalhadores, uma iniciativa quase impensável pois ao longo da nossa história, todas as agremiações partidárias haviam saído de negociações em gabinetes ou no congresso, jamais a partir de um movimento social.
BR RJANRIO NO.0.PGV.27: setembro de 1979. Tupi.