.

Embora aglomerações urbanas existam há milênios, a sua predominância global é um fenômeno relativamente recente. Segundo a Organização das Nações Unidas, cerca de 55% por cento das pessoas vivem em cidades ou vilas, resultado de um processo veloz e desordenado ocorrido entre 1950 e 2007 (ano em que a população urbana ultrapassou a população rural): se em 1950 quase 80% da população do mundo ocupava áreas não urbanas, atualmente a porcentagem é de cerca de 45%.

O modo de produção capitalista tem se caracterizado pela maciça transferência da população do campo para as cidades, resultando em uma grande concentração de pessoas em áreas urbanas que em alguns países chega a 90%. No caso do Brasil, e de outros países de industrialização tardia, a velocidade deste processo de crescimento da população das cidades apresenta-se como um aspecto diferente em relação aos países da primeira e segunda onda de industrialização (Europa, América do Norte, Japão), aproximando-se das características do processo global supracitado.

O auge do ciclo de redistribuição demográfica no Brasil ocorreu entre as décadas de 1960 e 1980, e resultou não apenas do crescimento natural da população (resultado de quedas nas taxas de mortalidade) mas principalmente, do intenso fluxo migratório rural-urbano. Esta alteração dramática na nossa distribuição da população não apenas mudou radicalmente a proporção da população no campo versus cidade, pois ela veio acompanhada de uma redistribuição regional que refletia a desigualdade dos processos de desenvolvimento econômico no país. É fato conhecido que a região sudeste concentrou investimentos e apresentou níveis de crescimento em produção industrial e urbano muito superiores ao resto do país, mormente o estado de São Paulo e sua capital de mesmo nome.

Uma das maiores cidades do mundo [o município de São Paulo conta com mais de 12 milhões de habitantes], em 1954 – ano do seu quarto centenário –  já apresentava uma população de 2 milhões e meio, tornando-a a maior cidade da América do Sul. Fundada em 25 de janeiro de 1554, a partir do final do século XIX a cidade começou a assumir o protagonismo econômico do país, que se tornaria incontestável no século seguinte, em função do acúmulo de capital oriundo da cultura do café e de investimentos realizados pelas elites de todas as regiões, em busca de negócios mais lucrativos. Símbolo mesmo do desenvolvimento econômico nacional, da modernidade à brasileira e do acelerado crescimento industrial que marcou o Brasil na segunda metade do século XX, São Paulo esforçou-se por comemorar seus 400 anos em grande estilo.

O maior legado material das comemorações do 4º centenário de São Paulo foi o Parque Ibirapuera, incluindo as instalações que o integram e do seu entorno. Concebido por Oscar Niemayer e com projeto paisagístico de Otávio Augusto Teixeira Mendes, o enorme parque (mais de 1 milhão de metros quadrados) também abrigou as exposições comemorativas do evento: “A extensa programação comemorativa no Ibirapuera incluía eventos como a 2ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, que pré-inaugurou o parque, em dezembro de 1953, ocupando os dois únicos pavilhões já concluídos, a Exposição do IV Centenário, mostra que inaugurou o parque oficialmente, em agosto de 1954, apresentando uma visão conjunta da cultura e do trabalho dos países participantes, e a I Feira Internacional de São Paulo, grande exposição industrial inaugurada em novembro.”(Curi, F. A)

Um dos principais monumentos do parque e seu entorno é o Monumento às Bandeiras. Embora encomendado décadas antes, foi realizado pelo artista Victor Brecheret para os festejos, tendo sido inaugurado em 1954. São 40 figuras de granito, com 5 metros de altura cada, resultando em 50 metros de comprimento, que representam a concepção do artista da formação do povo brasileiro. Coerente com algumas noções comuns na época acerca da nossa história, percebemos os desbravadores paulistas (europeus), liderando indivíduos de origem africana e ameríndia, em uma homenagem aos movimentos das bandeiras que se encontram na origem primeira da cidade. Tornando invisível todo o massacre perpetrado pelos bandeirantes que partiam para o interior em busca de riquezas (inclusive mão de obra escravizada), a obra atualmente é questionada por diversos grupos de ativistas, já tendo sido objeto de vandalismo. Em julho de 2020, a própria prefeitura de São Paulo, promovendo o projeto “Vozes contra o racismo”, organizou uma projeção no monumento de uma obra videográfica a questionar a concepção do processo de colonização expressa pelo monumento.

São Paulo é um dos maiores aglomerados urbanos do mundo. Incluindo municípios vizinhos que configuram a chamada Grande São Paulo, são mais de 20 milhões de pessoas. Como não poderia deixar de ser, apresenta as deficiências resultantes de processos de desenvolvimento e enriquecimento desiguais que marcaram a história do Brasil e que são comuns em nossas grandes cidades. A despeito do fascínio que gigantescas cidades como São Paulo exercem _ por sua diversidade e possibilidades, em todos os campos: cultura, economia, vida social, educação _ elas também representam um modelo de vivência urbana que vem se esgotando, em função não apenas das suas mazelas sociais e da qualidade de vida empobrecida pelo trânsito, poluição e desordem urbana, mas também pela devastação ambiental que este modelo acarreta.

O filme aqui exibido é um Cinejornal _ infelizmente, sem som _ produzido pela Agência Nacional de 1954, apresentando alguns aspectos das comemorações pelo 4º Centenário da cidade, incluindo a Feira Internacional e o Monumento às Bandeiras. BR_RJANRIO_EH_0_FIL_CJI_125

 

Brito, Fausto, & Souza, Joseane de. (2005). Expansão urbana nas grandes metrópoles: o significado das migrações intrametropolitanas e da mobilidade pendular na reprodução da pobreza. São Paulo em Perspectiva, 19(4), 48-63. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392005000400003

Curi, F. A. (2017). Burle Marx e o Parque Ibirapuera: quatro décadas de descompasso (1953 - 1993). Anais Do Museu Paulista: História E Cultura Material, 25(3), 103-138. https://doi.org/10.1590/1982-02672017v25n0304

IMBROISI, Margaret; MARTINS, Simone. Monumento às Bandeiras. História das Artes, 2020. Disponível em: <https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/monumento-as-bandeiras/>. Acesso em 21 Dec 2020.

Pereira, W. E. N., & Morais, A. C. S. (2017). breves notas sobre desenvolvimento, planejamento e desigualdades regionais no brasil. História Econômica & História de Empresas, 20(2).

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.