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Em janeiro de 2019, um ano antes da atual pandemia de COVID-19 a Organização Mundial de Saúde incluiu o movimento antivacina como uma das dez maiores ameaças a saúde global. A lista contém agentes como os vírus causadores do HIV, dengue e ebola, além de poluição e condições ambientais. A presença de um movimento espúrio nascido na última década do século XX e agigantado pelo crescimento das redes digitais no século XXI deve-se ao fato de que a recusa em integrar os programas de imunização resulta no aumento dramático da vulnerabilidade da sociedade como um todo a doenças que haviam sido erradicadas ao longo do século XX através de amplas campanhas públicas de vacinação. Os casos de sarampo, por exemplo, explodiram no mundo, com um aumento de 30% em 2017 em relação ao ano anterior, o que não pode ser explicado por nenhum outro fator a não ser a não-vacinação, inclusive e principalmente, a não-vacinação voluntária. Países em que a doença havia sido erradicada, como os Estados Unidos, apresentaram surtos da doença. Segundo Luiz Carlos Dias, professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências “o movimento antivacinas é criminoso e uma séria ameaça crescente à saúde global [...] Um artigo publicado no dia 10/09/2020 na revista The Lancet envolvendo 284.381 pessoas em 149 países, mostra que o movimento antivacinas, o extremismo religioso, a instabilidade política, o populismo, as fake news e questões como segurança podem prejudicar as campanhas de vacinação em massa e a confiança nas vacinas em países com esses problemas. As vacinas, saneamento básico, esgoto tratado e água potável são nossas melhores ferramentas de saúde pública.” 

No Brasil o sarampo também retornou depois de ter sido erradicado, e em 2019 cerca de 18 mil casos foram registrados no país. As taxas de abandono a vacinação aumentaram drasticamente nos últimos 5 anos, assim como a cobertura vacinal. Segundo o Sistema Nacional de Imunização, embora o Plano Nacional de Imunização seja um dos mais abrangentes do mundo, desde 2015 não consegue atingir as próprias metas. Não é nenhuma coincidência que, segundo a Unicef em 2016 a mortalidade infantil no Brasil tenha subido pela primeira vez em mais de 20 anos (ainda não voltou aos patamares de 2015). Tais quedas devem-se não apenas ao movimento antivacinacionista, mas também por questões de logística, de priorização da vacinação e da eficácia das campanhas, fatores que dependem da mobilização do Governo Federal para atuarem no sucesso do plano de imunização.

A vacinação em massa contribuiu de forma crucial para a diminuição radical dos índices de mortalidade geral e principalmente infantil ao longo do século XX, juntamente com ações de saneamento básico, atendimento hospitalar e outras campanhas de saúde pública (por exemplo, visando combater a desidratação, a contaminação por agentes do ambiente como no caso de verminoses). Em 2010, a mortalidade infantil no país encontrava-se em 22 por cada mil nascidos vivos, acentuada queda em relação a 1950, quando cerca de 136 em cada mil crianças nascidas vivas morriam antes de completar um ano.

No Brasil, além do movimento antivacinacionista, há uma parcela da população com baixo nível de escolaridade e acesso precário a informação e campanhas de esclarecimento que resiste a aplicação de vacinas, embora o país, na segunda metade do século XX, tenha se tornado exemplo internacional de adesão a este pacto coletivo de saúde pública, alcançando altos índices de cobertura vacinal. Os baixos níveis de escolaridade contribuem para que tais parcelas da população sejam suscetíveis a campanhas negacionistas realizadas em redes digitais, de fácil acesso a um número cada vez maior de pessoas de todas as classes sociais. Em 2015 e 2017, pesquisas realizadas indicaram que “o grupo com menor faixa de renda familiar foi o que exibiu menor índice de aceitação para vacinar. Já aquele com a maior faixa (= ou + 10 salários mínimos/ mês), foi o que apresentou maior índice de aceitação de vacina. Entre a classe alta, os argumentos mais utilizados para a hesitação vacinal foram: “a doença que a vacina previne não é grave ou é de fácil tratamento”; “a doença não é frequente ou já foi eliminada”; “a vacina não é eficaz”; “a imunidade adquirida pela doença é melhor que a pela vacina”, “a qual induz uma imunidade temporária”; e “a abordagem da medicina não tradicional, como a homeopatia, possui mais confiança”. Já no que diz respeito ao nível de escolaridade, o grupo de pais com maiores níveis de instrução foi o que teve maiores índices de aceitação vacinal.” (BARBIERI; COUTO; AITH, 2017; COUTO; BARBIERI, 2015, citados por Nassaralla et alli).

As intensas e macabras campanhas de desinformação online e suas correlatas, as teorias da conspiração apresentam uma metodologia nova mas velhos argumentos e estratégias idênticas, utilizados há mais de cem anos por opositores da vacina. O líder de um dos primeiros movimentos antivacinacionistas organizados, o canadense Alexander Ross, em 1885 opôs-se a vacinação contra varíola, apresentando-se como um médico corajoso a expor os “planos secretos” do governo e as intenções nefastas de médicos que desejavam apenas ganhar dinheiro, embora ele mesmo tenha sido vacinado. Além de denunciar uma suposta conspiração para lesar o povo através da inoculação da vacina, Ross minimizava a gravidade da varíola e a extensão da epidemia.  Embora consigam arregimentar um número considerável de seguidores sinceros, muitas vezes as lideranças de tais movimentos realizam tais campanhas em busca de promoção pessoal. Muitos líderes antivacinacionistas do passado apresentavam tratamentos alternativos completamente inócuos (quando não prejudiciais) que eles mesmos comercializavam, insistindo que as vacinas causavam doenças como sífilis, cólera e “envenenamento do sangue”. Percebemos que os argumentos são muito semelhantes aos que temos visto em redes sociais digitais, especialmente em relação a nova vacina contra o coronavírus causador da COVID-19.

Existiram e ainda existem riscos envolvidos na aplicação de vacinas, mas eles estão longe de ter as dimensões propagadas pelos antivacinacionistas. Há cem anos, 150 anos o risco de infecção por má utilização do equipamento de aplicação era algo a se levar em conta, mas hoje em dia esse risco é mínimo. Inicialmente, o método de fabricação de vacinas de fato implicava em um controle menor sobre a eficácia e segurança das mesmas, e novamente devemos salientar que atualmente os protocolos de segurança desenvolvidos ao longo do último século minimizam tais riscos. Algumas pessoas suscetíveis podem desenvolver reações alérgicas a alguns componentes da vacina, e embora tais reações sejam raras e em muito seus benefícios comprovados superem os riscos relacionados às doenças que elas evitam, tais reações não devem ser ignoradas. É importante lembrar também que em algumas ocasiões governos autoritários aproveitaram-se da necessidade da vacinação em massa para impor diversas medidas restritivas a populações de bairros e cidades inteiras. O exemplo mais drástico no Brasil foi a obrigatoriedade da vacina contra a febre amarela, instaurada em um momento de reformas urbanas e sanitárias que visam expurgar as classes populares do centro do Rio de Janeiro e que resultou na Revolta da Vacina em 1904.

 O PNI (Programa Nacional de Imunizações) foi criado em 1973. Responsável pela política nacional de imunizações, tem como missão "reduzir a morbimortalidade por doenças imunopreveníveis, com fortalecimento de ações integradas de vigilância em saúde para promoção, proteção e prevenção em saúde da população brasileira. É um dos maiores programas de vacinação do mundo." Intensas campanhas junto a população, via rádio e TV, principalmente, mostraram-se fundamentais para o sucesso das campanhas de vacinação nas décadas de 1970, 1980 e 1990. A Agência Nacional produziu alguns filmes para estas campanhas.

 

Vacinação e cuidado com as crianças. Fundo Agência Nacional, 1978. BR_RJANRIO_EH_0_FIL_FIT_0107_0001

 

https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3097/tcmb_2018.pdf

https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Saude/noticia/2020/10/movimento-antivacina-usa-os-mesmos-argumentos-ha-135-anos-aponta-cientista.html

Nassaralla, A. P. A., Doumit, A. M., Melo C. F., Léon, L. C., Vidal¹ R. A. R., & Moura, L. R. (2019). Dimensões e consequências do movimento antivacina na realidade brasileira.

Paixão, A. N., & Ferreira, T. (2012). Determinantes da mortalidade infantil no Brasil. Informe Gepec, 16(2), 6-20.

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