.

Embora investimentos externos desempenhem um papel crucial na economia brasileira desde o século XIX, apenas depois do Estado Novo e do fim da Segunda Guerra Mundial há uma política regulatória explicitamente voltada para o capital estrangeiro. Ou seja, um conjunto de normas passa a regular a entrada e saída de recursos (tanto investimentos como empréstimos), incluindo taxação e mecanismos de câmbio.

Se inicialmente o debate girava principalmente em torno de questões relacionadas ao câmbio (sua determinação, em qual moeda lucros e investimentos estrangeiros seriam registrados, fixação de taxas, etc) e consequentemente ao equilíbrio no balanço de pagamentos, aos poucos a relação entre capital externo e desenvolvimento interno se explicita e ganhar relevância maior. No início da década de 1960, a ingerência do capital externo na política interna passou para o centro dos debates que envolviam a legislação acerca da regulamentação de recursos vindos de outros países.

Na esteira do endividamento externo acentuado exponencialmente pelos empréstimos contraídos durante o governo de JK e pelos investimentos externos realizados naquele período, houve o crescimento da evasão de divisas sob forma de juros das dívidas contraídas, e lucros e dividendos obtidos pelos investidores. A tendência de desequilíbrio no balanço de pagamentos originada por esse fluxo de saída de capital acentuava-se em um panorama econômico adverso em que a capacidade interna de criar divisas estagnava-se em consequência, principalmente, da queda do preço do café no mercado internacional. Por outro lado, o avanço do processo de industrialização (caracterizado pela dependência de tecnologia importada) pressionava ainda mais a pauta de importações.

A preocupação com o desequilíbrio na balança de pagamentos, com a dependência de tecnologia estrangeira e com a ingerência do capital externo na política econômica e industrial do país resultou em sucessivas medidas de restrição ao livre fluxo do capital estrangeiro. A Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, também conhecida como Lei de Remessas de Lucros, foi o ponto culminante deste movimento, que apontou para uma inversão na política econômica dos anos anteriores, que tendia a dispensar um tratamento privilegiado aos capitais externos. Juntamente com a instrução nº 242, de 28 de junho de 1963, da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), a Lei de Remessas agiria de forma a limitar mecanismos que permitiam a saída de capitais: aumento dos prazos de amortização da dívida, restrições a importações de bens de capital sem cobertura cambial, decisão de “não admitir, de forma alguma, importações de máquinas e equipamentos que possam ser supridos satisfatoriamente pela indústria nacional,” limite de 10% sobre o capital registrado as remessas de lucros ao exterior, sendo que remessas em excesso a esse limite eram considerados retorno de capital, determinação de que os lucros, em excesso ao mesmo limite, quando não remetidos, seriam registrados como capital suplementar, não dando direito à remessa de lucros futuros. A maioria destes mecanismos seria suspensa após o golpe militar de 1964.

A Lei de Remessa de Lucros começou a ser discutida ainda no governo Jânio Quadros, em 1961. Após uma turbulenta passagem pelo Congresso, ela foi aprovada em 1962 e regulamentada por João Goulart no início de 1964. As novas medidas restritivas ao capital estrangeiro e a instabilidade política (alimentada pela própria Lei de Remessas) resultou na queda do volume de investimentos externos no Brasil em 40% em um ano — de US$ 150 milhões, média anual desde 1956, para menos de US$ 90 milhões em 1963.

Se a ascensão de João Goulart à presidência após a renúncia de Jânio Quadros em 1961 despertou intensa desconfiança no governo (e empresariado) norte-americano, a Lei de Remessa de Lucros transformou a desconfiança em animosidade e, no ano seguinte, após a restituição dos poderes constitucionais de Presidente da República de João Goulart em 1963, em hostilidade. Possivelmente a tensão entre os dois países foi uma das causas para que Jango regulamentasse a Lei apenas no início de 1964, em um sinal de “boa vontade” para com os EUA. O embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, pressionou o governo brasileiro para impedir a regulamentação, sem sucesso.

A Lei se fazia imprescindível para o governo naquele momento, tanto do ponto de vista político como econômico, pois esperava-se que ela pudesse conter a fuga de capitais e reduzir os efeitos de bloqueio financeiro de Washington, que suspendera todas as negociações com o governo federal, e é até hoje vista como um fator no processo de desestabilização do governo Jango e sua queda em março de 1964.

 

vídeo no Youtube:  https://www.youtube.com/watch?v=2eYUY2vkLiI&list=PLQatXEugAYdfeMHb23ZyHaQfj-9uVMRaV&index=31

Vídeo mostra o presidente João Goulart sancionando a Lei de Remessas e Lucros, em 1964. Revista da Tela s/n I. Arquivo Nacional. Fundo César Nunes. BR_RJANRIO_NK_0_CJR_0001_0001

Leitura recomendada

de Campos, F. A. (2014). Complexo multinacional e a “Lei de Remessas de Lucro”(1956-1973). Texto para discussão, (245).

Loureiro, F. P. (2016). A aprovação da lei de limitação de remessa de lucros no governo Goulart e o empresariado nacional e estrangeiro (1961-1964) 1. Revista Brasileira de História, 36, 155-177.

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/capital-estrangeiro-legislacao

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.