Desde sua independência do jugo espanhol pela liderança de Simón Bolívar e até o início do século 20 a Venezuela apresentou uma imagem cambiável ao mundo: ora palco de conflitos internos e caos generalizado, ora um país revolucionário a discutir questões políticas de relevância internacional, ora terra do petróleo e bons investimentos.
As relações entre Brasil e Venezuela apresentaram tensões ao longo de todo o século XIX e primeiras décadas do século XX, em função do regime Imperial que governou o Brasil até 1889 (em contraposição à República venezuelana) e de questões de fronteira entre os dois países. Apesar da tensão subjacente, instalou-se ao longo do tempo uma tradição diplomática consistente e uma prática de diálogo amigável que tinham como eixo a boa vontade de ambos os lados em estabelecer parcerias diplomáticas e a percepção de um ecossistema comum partilhado (embora limitado), que permitiram a assinatura de tratados como o de amizade e navegação (1859), de extradição (1938) e comercial (1940). Entre 1940 e 1962, as relações entre os dois países sofreram desgaste ocasionado, em alguns momentos, com delírios que envolviam expansões territoriais jamais esboçadas, arrogância sem nenhum fundamento, leviandades e falsas presunções.
A segunda metade do século XX foi marcada por uma realidade bipolar imposta pelas disputas entre Estados Unidos e União Soviética, as duas potências que dominavam o cenário internacional de forma inconteste. Esta disputa transformou o mundo em palco de uma guerra nem sempre fria, em que continentes inteiros passaram a ser vistos como territórios secundários de uma das duas potências. A América do Sul passou a se perceber como uma região específica e com interesses, problemas e temores partilhados: pobreza, desigualdade, dependência externa, endividamento, insurgências, subdesenvolvimento, imperialismo. Entre 1946 e 1964 o Brasil passou por um período democrático que não teve espelho no país vizinho, entre golpes de direita e reações de forças de esquerda. No entanto, ao contrário do Brasil, a partir de 1964 a Venezuela, em resultado da liderança de Romulo Betancourt e dos grupos que o apoiavam, passou a viver um longevo período democrático que atravessou as décadas de ditaduras prevalecentes no Cone Sul e chegou aos dias de hoje. Na década de 1960, a chamada Doutrina Betancourt orientou o afastamento da Venezuela de países que violavam direitos humanos e os princípios democráticos, justamente em um período sombrio em que o continente desabava em abismos de governos militares para quem o desaparecimento de oponentes era política corriqueira.
Foi em 1964, após o golpe militar que instaurou uma ditadura no Brasil, que a Venezuela rompeu relações com seu país vizinho. Embora as relações tenham sido reatadas formalmente dois anos depois, continuaram conturbadas e marcadas por ressentimento de parte a parte por alguns anos. A partir do final dos anos 1960 e início da década seguinte, Brasil e Venezuela voltam a tentar uma articulação, por questões basicamente estratégicas que o corpo diplomático dos dois países passou a priorizar. Questões prementes relativas a Amazônia, crise energética e dívida externa passaram a ser discutidas no espaço diplomático. O diálogo continuou de forma consistente ao longo das décadas seguintes, em que pontos sobre fronteira, crises envolvendo povos indígenas, presença do garimpo e, já na década de 1980 e 1990, democracia e justiça social passaram a fazer parte da agenda comum dos dois países.
O ano de 1979 pode ser considerado um divisor de águas no relacionamento entre Brasil e Venezuela, pelo aumento pela quantidade de acordos e tratados estabelecidos desde então e até 2016: “No decorrer de 120 anos de relacionamento entre os dois Estados (1859-1978), tomando como marco inicial o Tratado de Limites e Navegação Fluvial de 1859, apenas 16 atos foram firmados (entre tratados, acordos, ajustes complementares, protocolos, memorandos, etc.). Em contrapartida, pode-se observar no período que engloba as três décadas subsequentes (1979-2009) o estabelecimento de 71 atos, um número quatro vezes maior em um período de tempo quatro vezes menor. Segundo Nunes, ”Esta aproximação ocorreu em grande parte como resultado de alterações no cenário político internacional e na economia mundial: endividamento externo e inflação no Terceiro Mundo e distensão na Guerra Fria, o que acentuou as percepções regionais de possibilidades e fragilidades do sistema internacional."
A despeito das diferenças extremas entre o governo militar de João Figueiredo (1979-1985) no Brasil e Luís Herrera Campíns, presidente de uma Venezuela que se apresentava ao mundo como paladino da democracia e defensora dos direitos humanos, foi no primeiro ano de governo do presidente brasileiro que este período de intensa colaboração teve início. O filme aqui exibido mostra uma visita de João Figueiredo a Caracas, capital venezuelana, em 1979.
BR_RJANRIO_NL_0_FIL_001. Fundo Empresa Brasileira de Notícias.
https://www.youtube.com/watch?v=L3gYz80EOlc&t=479s
Galvão, T. G. (2011). Brasil-Venezuela: uma parceria relutante?. Mural Internacional, 2(2), 17-22.
Nunes, T. E. (2011). Um panorama histórico das relações Brasil-Venezuela. Conjuntura Austral, 2(6), 49-68.