O chamado continente gelado _ a Antártida _ compõe-se de 14 milhões de quilômetros quadrados de solo rochoso cobertos por uma camada de gelo eterno que pode alcançar 4 quilômetros de espessura. Região árida e inóspita, a Antártida apresenta enorme variação em sua linha litorânea (que dobra de tamanho em consequência do congelamento das águas ao seu redor) e vem perdendo uma boa parte da superfície constituída por gelo em função do aquecimento global. Apesar de inóspita para a maioria das formas de vida familiares a nós, o território apresenta um ecossistema diversificado e extremamente delicado, que vem sofrendo intensamente com as alterações climáticas ocorridas nas últimas décadas. A Antártida é muito mais do que uma grande massa gelada, escondendo em seu solo e subsolo formas de vida peculiares e riquezas que despertam a cobiça de Estados e representam enorme fonte de conhecimento acerca do nosso planeta, dos processos que permitem a vida, produção de energia, biodiversidade e muitos outros aspectos.
Durante os séculos XVIII e XIX, as regiões limite do continente foram exploradas apenas por baleeiros e caçadores de foca, que abasteciam o mercado europeu de graxa, óleo, peles e gordura. Em 1874 ocorreu a primeira incursão científica organizada por vários países em cooperação: Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido. As limitações tecnológicas da época, frente a uma empreitada tão árdua como a exploração do continente austral certamente explica uma incomum boa vontade entre nações que em geral preferiam conhecer o mundo para melhor explorá-lo_ por sua própria conta e risco. Esta peculiar abordagem à exploração antártica iria adentrar o século XX, traumatizado por guerras imperialistas territoriais.
Em 1959, o Tratado da Antártida foi assinado em Washington por 12 países: Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, República Francesa, Japão, Nova Zelândia, Noruega, União da África do Sul, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, e Estados Unidos da América. Tais países apresentavam um histórico de pesquisas científicas dirigidas ao continente, ou mesmo bases lá instaladas. Permanece até hoje o princípio segundo o qual qualquer reivindicação em relação à Antártida encontra-se condicionada ao compromisso científico (e pacífico), estabelecido pelo próprio tratado. Somente os Estados signatários que possuem base de pesquisa na região participam dos fóruns de decisões territoriais, políticas, científicas. Até o presente momento, o continente não pertence a nação alguma e o Tratado estabelece que qualquer discussão em relação a posse territorial está interditada até pelo menos 2048, tendo por enquanto prevalecido o posicionamento internacionalista (que atribui à Antártida a condição de um continente universal, devendo ser utilizado para fins pacíficos) sobre o territorialista (que defendem o ponto de vista expansionista e a incorporação da Antártida à jurisdição nacional).
O interesse do Brasil na Antártida começou a se desenvolver nos anos 1950, especialmente nos meios acadêmicos militares. No início dos anos 1970 o Instituto Brasileiro de Estudos Antárticos (IBEA) ajudou a popularizar a ideia de uma presença brasileira na Antártida, e o país finalmente assinou o Tratado em 1975. Se até então o discurso dominante dos governos brasileiros (notadamente sob o regime militar e a doutrina de segurança nacional) enfatizava a posição territorialista, a partir da década de 1970 o posicionamento tático mudou e a participação na investigação científica do continente gelado passou a ser vista como a melhor opção, por seus ganhos geopolíticos frente a uma comunidade internacional cada vez mais afeita a ações multilaterais.
O Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), a cargo da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), originado na Política Nacional para Assuntos Antárticos foi criado em 1982, em um momento político extremamente delicado em função da Guerra das Malvinas, que opôs Argentina e Grã-Bretanha (dois signatários originais do Tratado) em uma disputa desigual pela posse das Ilhas Malvinas (ou Falklands), território localizado no extremo sul da América do Sul, a meio caminho do continente austral.
Gandra descreve a articulação entre os diferentes órgãos administrativos do Programa: “instituído durante o regime militar, se constitui em um programa interinstitucional, no ápice dessa estrutura está o presidente da República. Ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) cabe a coordenação do chamado Grupo de Assessoramento (GA). O GA tem como atribuições avaliar as propostas de pesquisa e atividades de apoio apresentadas ao PROANTAR, elaborar as propostas orçamentais anuais do segmento científico, fazer acompanhamento financeiro e técnico-científico de execuções de projetos e de pesquisa. Entretanto, essas instituições estão sub-ordinadas às diretrizes oriundas da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e da Comissão Nacional para Assuntos Antárticos (CONANTAR), matriz da Política Nacional para Assuntos Antártico (POLANTAR)”.
Em 1984 foi inaugurada a Estação Antártica Comandante Ferraz – EACF, localizada na Ilha Rei George. Juntamente com os refúgios Emílio Goeldi e Astrônomo Cruls, localizados na Ilha Elefante e na Ilha Nelson, respectivamente, constituem a infra-estrutura fixa básica de apoio à pesquisa científica brasileira na Antártica. Sua inauguração viabilizou um trabalho ininterrupto de pesquisas na Antártida. A estação costumava abrigar 40 pessoas, aproximadamente mas em 2012 um incêndio afetou 70% das instalações da EACF. Ela foi reinaugurada em janeiro de 2020.
O filme institucional aqui exibido, de 1983, aborda o Tratado da Antártida que estabelece que somente poderão reivindicar direitos sobre o continente os países que até o ano de 1991 tiverem realizado expedição científica na região. Preparação para primeira expedição brasileira à Antártida, com o navio Barão de Tefé levando oficiais da marinha e cientistas brasileiros. Arquivo Nacional. Fundo Secretaria de Imprensa e Propaganda da Presidência da República. BR_RJANRIO_U3_0_FIL_FIT_12
Leitura recomendada
BALDRIGHI, R. D. M. (2016). Antártida: Uma análise histórico-comparada das presenças brasileira e argentina no continente gelado.
Gandra, R. M. (2009). O Brasil e a Antártida: ciência e geopolítica. Revista Geografias, 65–74. https://doi.org/10.35699/2237-549X .13271