.

- Pai, o que é nacionalismo?

Assim começa um filme institucional produzido pela Agência Nacional em 1976, em plena ditadura militar: uma criança fazendo uma pergunta aparentemente simples para seu pai.

Contudo, o termo nacionalismo, intimamente vinculado à nação, apresenta uma diversidade de usos e uma conceituação multifacetada. Ao longo do século XX, o nacionalismo foi apresentado, definido e defendido por variadas faixas do espectro político, e a confusão com o termo patriotismo foi frequente, situação que não parece ter sofrido alteração no presente século.

A partir da formação e consolidação de Estados Nação na chamada Idade Moderna, noções de nacionalismo ganham força, em especial a partir do final do século XVIII, quando enfatizava a primazia de um Estado (e a nação constituída em relação a este) sobre os outros. Nesse sentido, o nacionalismo afastava-se da ideia mais antiga e mais geral de patriotismo, que não perpassava nenhuma instituição ou estrutura de poder formal, incorporando uma conexão sentimental geral dos povos à sua terra e sua comunidade.

Movimentos políticos diversos fizeram uso de ambos os termos ao longo da história, e muitas vezes o discurso nacionalista apropriou-se de aspectos do patriotismo tradicional como dispositivo de engajamento e opressão diante de outros povos e Estados. Governos autoritários, em especial, fizeram uso do “amor à pátria” (que na verdade era imposto como o amor ao Estado tomado pelos governos autoritários) para cooptar apoiadores ou, no mínimo, deixar na apatia largas parcelas da população diante de atos de arbitrariedade e violência.

No último período de ditadura no Brasil, entre 1964 e 1985, os governos militares utilizaram-se amplamente de propaganda para conquistar a anuência do povo frente ao regime de exceção, a repressão aos movimentos sociais e às políticas econômicas que acirravam a concentração de renda no país. O “amor à pátria” aparecia como um traço imprescindível a todos os brasileiros, contanto que ele se expressasse apenas como determinavam os generais: a diligência, o silêncio, a adesão ao projeto de desenvolvimento dependente e excludente defendido e implementado pelo regime. Fora desse escopo, a voz de qualquer brasileiro seria silenciada e sua origem, acusada de “comunismo” ou “subversão” e sujeita às punições empregadas na época – legais (prisão) e ilegais (tortura e morte).

De uma forma lúdica que ocultava a violência do regime, os filmes institucionais buscavam instruir o povo acerca de moral cívica (dentro da concepção de civilidade do período), ética no trabalho, saúde, patriotismo e nacionalismo. Apesar do discurso aparentemente inócuo e da definição simplista e generalizante apresentada no vídeo, a intenção por trás da campanha mostra-se clara: transmitir a ideia de que o Brasil é formado por cidadãos intrinsecamente iguais em seus deveres e direitos, a quem cabe defender a pátria (o Estado) daqueles que questionam os destinos determinados pelo governo e pelas forças econômicas que o sustentam.

O que podemos perceber a partir da nossa história e também a de outros países, é que o nacionalismo vem sendo usado como escudo defletor de críticas aos governos e Estados e como lente unificadora daquilo que não pode ser unificado: a diversidade e as desigualdades inerentes a qualquer sociedade. Sob o manto de “povo,” e em seu nome, foram esquecidos, apagados e obliterados vários grupos sociais vulneráveis à ação de Estados autoritários, e inseridos em estruturas sociais desiguais e excludentes.

Campanha institucional do governo militar do ano de 1976 mostra filho perguntando ao pai sobre o nacionalismo. Arquivo Nacional. Fundo Agência Nacional. BR_RJANRIO_EH_0_FIL_FIT_ 0015_0001

Leitura recomendada

Hobsbawm, E. J. (2011). Nações e Nacinalismo desde 1780: Programa, mito e realidade. (Edição Esp., Vol. 18). Rio de Janeiro, RJ: Saraiva. 

Leite, Eldo Lima, Ferreira, Andreza Silene Silva, Batista, José Roniere Morais, Estramiana, José Luiz Álvaro, & Torres, Ana Raquel Rosas. (2018). Nacionalismo, patriotismo e essencialismo na construção da identidade nacional brasileira. Temas em Psicologia26(4), 2063-2075. https://dx.doi.org/10.9788/TP2018.4-13Pt

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.