.

Os órgãos de censura que ao longo da nossa história preocupavam-se em controlar o que os brasileiros viam nas telas e palcos, ouviam nos radios, liam nos jornais e livros mudaram de nome ao longo do tempo mas sempre estiveram presentes e influenciaram a difusão de informação, o entretenimento, a produção cultural. A Constituição de 1988 –a Constituição-cidadã – pôs fim a censura como nós a conhecemos, ou seja, a regulamentação estatal de quaisquer produções (artísticas, jornalísticas, acadêmicas) com o fim de determinar a conveniência de sua liberação ao público em geral.

Em tempos de regime de exceção (como por exemplo o Estado Novo de Getúlio Vargas – 1937 a 1945 – ou a ditadura militar, que durou de 1964 a 1985), as consequências para aqueles que descumpriam as leis relativas a censura poderiam ser nefastas, indo muito além da mera apreensão ou proibição do material censurado. Alguns artistas e jornalistas chegaram a ser presos e as vezes torturados em consequência dos seus trabalhos.

O músico baiano Raul Seixas formou com o escritor carioca Paulo Coelho uma parceria que resultou em várias músicas e alguns textos. Ambos defendiam suas ideias (polêmicas, para a época) sobre ocultismo, ufologia, magia, movimento hippie em suas músicas e apresentações. Como tudo o que se relacionava a contracultura incomodava demasiadamente os defensores do regime militar, a dupla logo chamou a atenção e ambos chegaram a ser presos. Tanto Paulo quanto Raul declararam terem sido torturados, embora o último tenha sempre sido reticente em relação ao caso. Há uma entrevista gravada ao jornalista André Barbosa, na FM de São Paulo, em 1988, na qual Raul Seixas descreve as torturas sofridas durante 3 dias em 1974. No entanto, a Comissão Nacional da Verdade não a incluiu em seus relatórios (provavelmente porque não foi possível investigar a história mais a fundo, dado que o cantor morrera em 1989). Paulo Coelho, contudo, há anos adotou uma postura menos reticente, e seu depoimento consta do relatório final da CNV. Ele relata como, em mai de 1974, tem seu apartamento invadido e revistado por homens armados, é levado por eles ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), fichado, interrogado, “liberado” e sequestrado, tirado a força sob mira de uma arma de dentro do taxi que o levaria para casa. A partir daí, ele descreve as surras, os gritos, as torturas. Acabou sendo libertado depois de alguns dias. Motivo da prisão: “compositor.” Segundo Raul Seixas, o uso da expressão “Sociedade Alternativa” e a defesa da mesma em suas músicas despertaram na polícia a desconfiança de que eles estariam lutando contra a dura realidade da ditadura militar.

Se nos porões a dupla acabou sofrendo na pele a ação da face mais dura da ditadura militar, no dia a dia dos shows e gravações eles viram várias das suas músicas serem censuradas. Em um terreno em que questões morais e questões políticas por vezes se confundiam, as músicas da dupla que pregavam a liberdade e o libertarianismo, sempre no nível pessoal, questionando crenças e cotidianos enraizados na sociedade brasileira, acabavam irritando os censores. Como havia mais de uma instância e algumas esferas diferentes de atuação dos órgãos de censura, não é incomum encontrar divergências entre censores e instâncias. O “exercício de relaxamento de yoga” proposto por Paulo e Raul, por exemplo (imagem da matéria) recebeu algumas avaliações negativas: “oferece potencial negativo a mentes imaturas” é uma delas, o que indica até que ponto os agentes do estado (à época, ditatorial) sentiam-se no direto do decidir o que era adequado ou não para o estado mental dos brasileiros, indo muito além de uma vigilância sobre padrões de moralidade ou subversão política.

Saiba mais sobre os acervos e órgãos da censura durante a ditadura militar.

Leitura

Todo o conteúdo deste site está publicado sob a licença  Creative Commons Atribuição-SemDerivações 3.0 Não Adaptada.