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A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012 com a finalidade de apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. (http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/institucional-acesso-informacao/a-cnv.html). A CNV desenvolveu seus trabalhos em grupos temáticos (p. ex, Araguaia, ditadura e gênero, graves violações de direitos humanos no campo ou contra indígenas, igrejas; entre outros), um dos quais investigava repressão sofrida por membros das forças armadas em função de posicionamento político-ideológico divergente da ditadura militar. Este grupo, ao contrário de vários outros que integravam os grupos de trabalho, é pouco conhecido e às vezes ignorado tanto em relação a estudos acadêmicos quanto às discussões políticas mais gerais acerca da ditadura civil militar.

Logo após o golpe de 1964, uma política expurgatória foi aplicada a todos os militares considerados legalistas, democratas ou esquerdistas. A instalação da ditadura foi levada a cabo pelos setores das forças armadas de extrema-direita, que se opunham aos seus colegas que não apenas defendiam a ordem democrática mas se posicionavam favoravelmente em relação ao projeto de desenvolvimento nacionalista defendido pelo governo derrubado. Identificados com o projeto de desenvolvimento dependente e concentrador de renda, os setores que assumiram o poder (majoritários dentro das forças armadas, mas nem por isso únicos) trataram de esmagar qualquer possibilidade de resistência que pudesse partir de dentro das próprias instituições militares.

 Em 1964 foram transferidos para a reserva 122 oficiais das Forças Armadas, sendo: 77 do Exército, 14 da Marinha, e 31 da Aeronáutica. Portanto, dos 222 atingidos por determinações do Comando Supremo da Revolução, 128 (57,66%) eram militares. As punições eram dirigidas contra militares de todos os níveis e patentes. O potencial de resistência na caserna ao governo foi assim minimizado, deixando a ESG (Escola Superior de Guerra) e setores a ela associados, propagadores da Doutrina de Segurança Nacional, a frente do Estado brasileiro.

As perseguições não se limitaram à primeira fase do golpe de 1964 e atingiram militares que já haviam sido compulsoriamente transferidos para a reserva, inclusive também bombeiros e policiais militares. Muitos foram presos, torturados, e alguns mortos ou desaparecidos. Os militares expulsos perderam suas fontes de renda e tiveram que  iniciar do zero uma nova carreira, muitas vezes sob a vigilância das suas antigas corporações.

A luta pela restauração da democracia aglutinou vários destes militares , que passaram a atuar em entidades constituídas com esse objetivo: a Associação dos Militares Cassados (AMIC); a Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (ADNAM), a Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia (UMNA), no Rio de Janeiro; em São Paulo, a Associação de Militares Anistiados e Anistiandos das Forças Armadas do Brasil (Amafabra), e a Entidade Nacional dos Civis e Militares Aposentados da Reserva (Acimar), entre outras correlatas espalhadas pelo Brasil.

A espúria Lei de Anistia que marcou a abertura democrática em 1979 deixou muitos militares perseguidos em um limbo. Até hoje as forças armadas questionam a reintegração dos anistiados; estes alegam serem sistematicamente excluídos das promoções da carreira, além da negação de direitos às suas famílias. O acervo do Arquivo Nacional conta com extensa documentação acerca destes militares que permaneceram ao lado da legalidade e da democracia, inclusive documentos que mostram como os serviços de inteligência do governo acompanhavam suas atividades.

DA CUNHA, Paulo Ribeiro. A Comissão Nacional da Verdade e os militares perseguidos: desafios de um passado no tempo presente e futuro. Acervo, v. 27, n. 1 jan-Jun, p. 137-155, 2014.

DE VASCONCELOS, Cláudio Bezerra. A política repressiva contra militares no Brasil após o Golpe de 1964. Locus-Revista de História, v. 12, n. 2, 2006.

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