É comum atualmente a afirmação de que o termo “macumba” não define nenhuma religião estruturada ou mesmo um culto, sendo apenas uma forma pejorativa de se referir às práticas religiosas de matriz africana, durante décadas alvo de perseguições por parte do poder público e por parte das elites cristãs brasileiras. Acusadas de manipularem a credulidade popular, explorar os pobres, fazer uso de magia negra, compactuar com forças malignas, representar um perigo para a saúde pública e a moral da “família brasileira”, incorporar o atraso e o primitivismo que atrapalhavam o progresso do Brasil, as religiões de matriz africana eram alvo do intenso preconceito das elites que se pensavam brancas, europeizadas, civilizadas.
Somente em meados do século passado a perseguição oficial a estas religiões cessa, e mais: passam, ao menos em várias instâncias, a serem vistas como elemento fundamental na definição do que é brasileiro, contribuição fundamental no processo de constituição da identidade nacional. No entanto, o preconceito e a animosidade jamais desapareceram, e nos últimos anos ondas de ódio e intolerância vêm aumentando e causando a vandalização de templos de umbanda e candomblé, e o ataque a praticantes.
O antropólogo Roger Bastide definia a macumba como “sinônimo de agrupamento de pessoas num ritual de origem africana; uma transformação do candomblé ou mesmo uma perda dos valores tradicionais ao culto dos orixás.” Para ele, seria uma forma um tanto genérica ou demasiadamente alterada das religiões de raiz africana. Segundo Negrão, ““Os estigmas sociais contra o negro e sua religião e as renovadas acusações mais do que seculares de que foram vítimas culminaram com a atitude ao mesmo tempo de hostilidade e de medo que até hoje inspiram. É exemplar deste caso o vocábulo macumba: de termo genérico para todas as religiões brasileiras de origem negra, ou então de nominativo de uma delas em especial, a de origem banto, desenvolvida no sudeste do país, especialmente em São Paulo e Rio de Janeiro a partir de fins do século XIX, passa a ser vista depreciativamente como sinônimo de superstição de negro, como magia negra que se despreza e se teme a um só tempo.”Aqui se utiliza a palavra macumba de uma forma diferente de Bastide, apenas um conceito generalizante e agrupador.
De um termo genérico para definir religiões da mesma matriz, macumba transformou-se em palavra usada para diminuir e rebaixar essas práticas religiosas, que incluem o candomblé, a quimbanda, a umbanda. Em boa parte dos dicionários atuais encontramos uma definição que se refere a um instrumento musical de origem africana, utilizadas nos referidos cultos. Contudo, Marcus Paulo Amorim afirma não haver rastro do uso desse instrumento nas práticas religiosas de matriz africana.
O arquivo sonoro aqui apresentado pertence ao fundo Rádio Mayrink Veiga. È um anúncio de um “espetáculo de macumba, (...) mais pura manifestação da a rte folclórica.” Pois, mesmo quando não mais ilegal, não mais perseguida pela polícia ou pelas instituições judiciárias, as religiões de matriz africana muitas vezes eram vistas como mero teatro, folclore, um entretenimento primitivo e sem relação alguma com a prática religiosa legítima. Aliás, até hoje.
Arquivo sonoro: BR_RJANRIO_SG_0_JIN_0020
Foto ilustrativa: BR_RJANRIO_PH_0_FOT_05591. João da Gomeia, 1954.
AMORIM, Marcos Paulo. Macumba no imaginário brasileiro: a construção de uma palavra. http://www. fespsp. org. br/seminario2013/artigos/IISeminarioPesquisa_MarcosAmorim. pdf. Acesso em, v. 15, p. 12, 2015.
BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
NEGRÃO, Lísias. Magia e religião na Umbanda. Revista USP nº: 31. São Paulo: 1996, pp.76-89. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/31/07-lisias.pdf. Acesso: 25/09/2013.