As company towns surgiram no século XIX e espalharam-se por vários países onde quer que o porte de empresas justificasse sua implantação. Utopia para uns, paroxismo do controle fabril para outros, elas incorporavam os valores das empresas responsáveis por sua existência.
Estas cidades ofereciam aos seus funcionários não apenas moradia, mas também equipamentos urbanos (luz, saneamento, parques, escolas, transporte). Contudo, esta “benevolência” empresarial vinculava-se a uma noção de engenharia social bastante hierarquizada, que possibilitava maior vigilância e controle disciplinar não apernas sobre os processos de trabalho, mas sobre a vida social.
Esta foto registrou o início de uma company town brasileira, na verdade, possivelmente a maior delas. Qual seria esta cidade e a empresa a ela atrelada?
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) nasceu durante Estado Novo varguista (1937-1945), e talvez tenha representado como poucas outras iniciativas do período a inspiração e o propósito daquele regime autoritário que, centralizando a máquina pública e reprimindo vozes e ações dissonantes, transformou o Estado em empresário, investidor e planejador da economia. Intervindo de forma direta em setores de indústria básica e infraestrutura, áreas em que a iniciativa privada não tinha interesse ou disponibilidade, a União abriu estradas e criou indústrias a partir de decretos. Envolvida em um processo de crescente mobilização econômica e desmobilização política, a sociedade brasileira passou por transformações profundas neste período em que o processo de industrialização e urbanização tornou-se consistente e irreversível.
Como não podia deixar de ser, a primeira e mais marcante incursão do Estado na produção ocorreu com uma siderúrgica, percebida desde o século anterior como indústria chave para o desenvolvimento nacional. Em março de 1940 o Presidente da República edita o decreto-Lei nº 2.064, que instituiu a “Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional” para realizar os estudos técnicos visando a construção de uma usina siderúrgica destinada à produção de trilhos, perfis comerciais e chapas. A CSN começou a sair do papel a partir de capital externo captado em função de acordos envolvendo a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado das forças aliadas (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França).
O decreto-lei 3002, de 1941, criou a Companhia Siderúrgica Nacional, determinando a localização da sua primeira usina: Volta Redonda, na época, mero distrito do município fluminense de Barra Mansa. Sua principal unidade de produção, a Usina Presidente Vargas (UPV), teve sua localização escolhida pela Comissão em função de fatores técnicos (disponibilidade de água e energia, acesso fácil ao porto do Rio de Janeiro, proximidade com a área fornecedora de matéria prima e com o futuro mercado dos seus produtos) e políticos (segurança, isolamento relativo que permitia inclusive a criação de uma comunidade quase “a partir do zero.”)
A siderúrgica e seus operários deveriam representar o novo Brasil, onde Capital e Trabalho uniam-se para a prosperidade pátria. O novo modelo de trabalho, cristalizado na CLT (Consolidação das Leis de trabalho), seria acompanhado pelo novo trabalhador: disciplinado, caseiro, patriota, apolítico. A Vila Operária que foi construída para abrigar os milhares de futuros trabalhadores da UPV deveria encarnar esse espírito de ordem e progresso, essa modernidade hierarquizada e vigilante típica de muitas company towns e que encontrou no Brasil autoritário de Vargas que lutava para expandir sua produção industrial um espaço adequado para criar raízes.
A construção do complexo teve início em 1941, e suas instalações começaram a funcionar apenas em 1946. Ao longo destes 5 anos, a primeira leva de operários acorreu à região para erguer as imponentes estruturas da usina. Se o relativo vazio da região evitava o confronto com tradições rurais (encarnadas por lavradores e oligarcas) e com o movimento sindical (apesar de este encontrar-se contido pela ditadura de Vargas), permitindo o estabelecimento de planos e projetos novos para a Usina e sua cidade, também dificultava a atração de mão de obra. O governo acabou lançando mão de diversos estratagemas, chegando a dispensar do serviço militar obrigatório jovens que se empregassem na usina. O maior poder de atração, contudo, seria a própria usina e seu entorno, a cuidadosa construção do orgulho de ser da CSN.
Oriundos do interior fluminense, mineiro e capixaba, os trabalhadores chegavam e não só passavam por um processo de treinamento para o trabalho na construção e, posteriormente, na usina; passavam também por um processo de higienização física e educação para uma civilidade urbana e ordeira.
A estrutura das vilas operárias no entorno expressava a hierarquia dentro da companhia e facilitava a vigilância da força de trabalho fora da usina: sua localização não facilitava apenas o acesso à planta mas permitia uma ampla visão da diretoria destas vilas. “Nas habitações, foi evidente a segregação quanto ao tipo de instalação e comodidades empregadas para cada estrato, como as casas que foram destinadas aos operários especializados com instalações sanitárias individuais, enquanto os alojamentos, direcionados aos operários braçais, dispunham de instalações sanitárias coletivas. Além disso, as regras de controle foram fortemente militarizadas, facilitadas pelo caráter coletivo dos acampamentos... O efeito panóptico é evidente e reforçado pela onipresença dos imensos galpões da usina em todas as perspectivas da cidade”(Assis, Renata Oliveira). As forças de segurança da usina detinham “poder de polícia,” e podia transformar transgressões no chão de fábrica em delitos passíveis de repressão, que não se limitava as cercanias da siderúrgica mas refletiam-se na cidade que cresceu ao seu redor _ Volta Redonda.
A construção do orgulho de ser CSN, dessa adesão à família siderúrgica vinculou-se às vantagens materiais (a despeito das dificuldades iniciais e da segregação entre operários, serventes, corpo técnico de nível superior) e a propaganda que transformava o trabalhador em peça essencial para o desenvolvimento do Brasil. Ao longo dos anos, essa ideologia se materializou no convívio dos trabalhadores dentro e fora da empresa, na cidade que ultrapassou em muito as plantas e planos originais e deixou de ser uma Company town no interior fluminense na década de 1960.
BR_ANRIO_FF_GF_1_0_5_10_20: Álbum de fotografias da família Gilberto Ferrez: suas festas, parentes e amigos; vistas de viagens e passeios a Petrópolis (RJ) e a Volta Redonda (RJ), quando da construção da siderúrgica; e construção da casa de Gilberto, em Petrópolis (RJ), na avenida Piabanha, 542. Rio de Janeiro, Petrópolis, Volta Redonda, 1941 a 1943.
Assis, R. O. (2013). Usina e Cidade: harmonia, conflitos e representações do/no espaço urbano em Volta Redonda, RJ. Dissertação de Mestrado, UFV
de Castro, C. M., & de Mello, E. V. (2008). Evolução urbana na cidade de Volta Redonda (RJ). Unig.