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Para além de semelhanças e identidades com movimentos sociais e suas agitações que marcaram os anos 1960 em muitos países (da Primavera de Praga ao Maio Estudantil em Paris em 1968, às manifestações contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, os movimentos de contra-cultura), no Brasil o momento apresentou especificidades em consequência da ditadura militar instalada desde 1964. Aqui, os movimentos sociais (em especial, o sindical e o estudantil) amargavam anos submetidos a dispositivos políticos que os engessavam e perseguiam (e prendiam) seus militantes mais ativos. Infelizmente, o período até então mostrar-se-ia apenas uma amostra do que o regime seria capaz, pois no final de 1968 o Ato Institucional Número 5 abriu caminho para um regime de exceção que não tinha nenhum pudor em agir ao arrepio da ordem legal para perseguir, prender, cassar, exilar e “desaparecer” opositores de todos os matizes políticos.

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Operários e estudantes contra a ditadura

Para além de semelhanças e identidades com movimentos sociais e suas agitações que marcaram os anos 1960 em muitos países (da Primavera de Praga ao Maio Estudantil em Paris em 1968, às manifestações contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, os movimentos de contra-cultura), no Brasil o momento apresentou especificidades em consequência da ditadura militar instalada desde 1964. Aqui, os movimentos sociais (em especial, o sindical e o estudantil) amargavam anos submetidos a dispositivos políticos que os engessavam e perseguiam (e prendiam) seus militantes mais ativos. Infelizmente, o período até então mostrar-se-ia apenas uma amostra do que o regime seria capaz, pois no final de 1968 o Ato Institucional Número 5 abriu caminho para um regime de exceção que não tinha nenhum pudor em agir ao arrepio da ordem legal para perseguir, prender, cassar, exilar e “desaparecer” opositores de todos os matizes políticos.

Em Osasco (São Paulo) e Contagem (MG) greves em 1968 haviam desafiado o autoritarismo do governo que impedia o livre exercício do direito de associação, reunião e escolha dos seus líderes. Passeatas estudantis nas grandes cidades incorporavam também outros setores da população, incomodadas com um regime militar que deveria durar poucos meses, apenas o suficiente para “pôr ordem na casa”, ou seja, livrar-se de João Goulart e daqueles que apoiavam reformas “extremas” que muitos setores da classe média identificavam erroneamente com o comunismo. A morte do estudante Edson Luis no Restaurante Calabouço, Rio de Janeiro, em março, levantou a seguinte pergunta: e se fosse seu filho?, slogan usado pelo movimento estudantil para lembrar às classes médias urbanas que a violência da ditadura chegava inexoravelmente para todos.

As manifestações estudantis que marcaram 1968 não protestavam apenas contra a repressão política geral, a censura, o fim de eleições diretas: uma série de demandas que giravam em torno do sistema de ensino, que defendiam como público e gratuito, também eram colocadas. Também reivindicavam uma reforma geral que democratizasse o acesso (incluindo o aumento do número de vagas), e mais verbas para pesquisa – e uma pesquisa voltada para problemas específicos do país. 

Naquele ano, apesar da ditadura cada vez mais sufocante, alguns movimentos ainda eram possíveis – como a constituição do MIA (Movimento Intersindical Anti-arrocho), uma frente contra as políticas econômicas que impunham perdas salarias aos trabalhadores que reunia sindicalistas de todos os matizes, moderados, comunistas, e mesmo “pelegos” (em geral identificados com o governo). Mas os dias da oposição legal estavam contados: em meados do ano, um número crescente de ativistas (sindicais e estudantis), diante da incansável repressão policial e das crescentes prisões, passou a defender o enfrentamento armado como única forma de derrubar a ditadura, já que esta proibia eleições, manifestações contrárias ao regime, censurava meios de informação. Mas em junho, greves e passeatas ainda aconteciam, e se as primeiras marcaram principalmente São Paulo e Minas, foi no Rio de Janeiro que estudantes e cidadãos tomaram as ruas, correram da polícia (em confrontos que resultaram na morte de pelo menos 4 pessoas) e chegaram a reunir mais de cem mil pessoas.

O movimento estudantil e sindical buscava agir mesmo com toda a repressão, em várias cidades do Brasil. Escolas e faculdades foram ocupadas, enquanto organizações paramilitares de extrema direita plantavam bombas com o intuito de intimidar a oposição e assustar a população. A Universidade de Brasília foi invadida, lideranças sindicais e estudantis foram presas em todo o país, e em outubro o XXX Congresso da (já ilegal) União Nacional dos Estudantes foi interrompido pela polícia, que prendeu mais de 700 pessoas.

Para que o modelo de desenvolvimento dependente e excludente proposto pelos governos militares, elaborado em conjunto com as elites nacionais, funcionasse a contento, era imprescindível que os movimentos sociais estivessem em silêncio – especialmente o movimento sindical. Desde o princípio – desde 1964 – o regime militar se dispôs a ir até onde fosse preciso para reprimir tais movimentos e sufocar todas as vozes dissonantes, e se em determinados momentos alguns setores militares pareciam defender maior abertura e uma sinalização no sentido do retorno à normalidade democrática, dificilmente representaram um movimento significativo dentro das forças armadas. Nos anos seguintes ao golpe de 1964, as medidas tomadas pelos generais-presidentes demonstram que a proposta inicial sempre foi a conquista do consentimento absoluto, da unanimidade, da complacência mesmo que se, para tal, houvesse necessidade de impor medidas cada vez mais drásticas. E foi o que ocorreu de fato: conforme as medidas tomadas mês após mês, ano após ano mostraram-se insuficientes para conter as demandas sociais e as críticas dos opositores, a ditadura militar foi aumentando paulatinamente seu escopo, até tornar-se, definitivamente, a “ditadura escancarada.”

O documento aqui apresentado integra extenso dossiê do Serviço Nacional de Informações sobre atividades realizadas por sindicalistas e estudantes em 1968, em Minas Gerais, principalmente. Reunido em 1970, o dossiê apresenta prontuários de estudantes, sindicalistas e professores universitários, como o notório médico Amílcar Vianna Martins, da Universidade Federal de Minas Gerias, aposentado compulsoriamente pela ditadura militar em 1969. As fotografias foram tiradas por “arapongas” (policiais infiltrados com objetivo de espionar e vigiar) durante manifestações e reuniões estudantis em Belo Horizonte em 1968. Ele pode ser acessado na íntegra no SIAN, com a notação BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.70037234. Serviço Nacional de Informações, 20/5/1970

Fotografia do Congresso da UNE em Ibiúna: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.70037236: dossiê antecedentes de estudantes da UFMG, presos e indiciados em inquéritos policiais militares instaurados pela quarta região militar, tendo como encarregados o coronel Octavio Aguiar de Medeiros, o tenente coronel Euzemar Cavaliere e o major Thomaz Rodrigues. Os referidos estudantes  deverão ser atingidos pelo ato institucional 5. Dossiê datado de 05 de maio de 1970, Serviço Nacional de Informações.

 

ANTUNES, Ricardo; RIDENTI, Marcelo. Operários e estudantes contra a ditadura: 1968 no Brasil. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 12, n. 2, p. 78-89, 2007.

AMARAL, Roberto. O movimento estudantil brasileiro e a crise das utopias. Revista ALCEU, Rio de Janeiro, v. 6, p. 195-205, 2005.

 

 

 

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