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Uma instituição francesa fundada em 1635 inspirou um grupo de escritores e intelectuais brasileiros a fundar uma agremiação similar. A Academia Brasileira de Letras nasceu privada e independente em 20 de julho de 1897, quando se realizou sua sessão inaugural. Seu primeiro presidente, Machado de Assis, assim manifestou-se naquele dia:

Investindo-me no cargo de presidente, quisestes começar a Academia Brasileira de Letras pela consagração da idade. Se não sou o mais velho dos nossos colegas, estou entre os mais velhos. É simbólico da parte de uma instituição que conta viver, confiar da idade funções que mais de um espírito eminente exerceria melhor. Agora que vos agradeço a escolha, digo-vos que buscarei na medida do possível corresponder à vossa confiança.  

Hoje centenária, a Academia Brasileira de Letras, com sede no centro do Rio de Janeiro, já viu passar por suas fileiras renomados autores brasileiros, mas também nomes bastante controversos. Entidade cultural e literária, atualmente congrega 40 membros escolhidos via eleição (votam os acadêmicos, chamados “imortais”) e objetiva cultivar a língua portuguesa e a literatura nacional.

A fotografia aqui apresentada exibe um momento marcante na história da Academia. Consegue reconhecer que momento foi esse?

 

A Academia Brasileira de Letras (ABL), inspirada em sua congênere francesa criada em 1635, é uma entidade privada criada em julho de 1897, tendo como primeiro presidente o notável Machado de Assis. Sediada no Petit Trianon (centro do Rio de Janeiro) a instituição atualmente congrega 40 “imortais” (escolhidos sempre que um membro falece), e ao longo da sua história recebeu intelectuais e artistas renomados mas também nomes polêmicos.

As controvérsias que cercam a ABL não se limitam a alguns de seus membros. Desde seu início – e consoante com o padrão social e o contexto geral – a Academia foi marcada foi uma misoginia radical. Embora os primeiros estatutos não proibissem explicitamente a admissão de mulheres (a exemplo da Constituição de 1891, que não proibia o voto feminino mas não o liberava explicitamente), a atitude machista – típica de uma sociedade patriarcal que veda às mulheres qualquer participação na vida política, artística, intelectual – chegou ao extremo de ser explicitada em um novo estatuto, em pleno ano de 1951, que proibia com todas as letras o ingresso de mulheres.

Em 1970, Dinah Silveira de Queiroz pleiteia sua entrada na academia,  com o apoio de intelectuais proeminentes na época e com a convicção de que os tempos eram outros e que sua atitude poderia pressionar a instituição a alterar seu regulamento. Mas não foi isso o que aconteceu, e a regra só seria alterada em 1977.

Naquele ano, a escritora cearense Rachel de Queiroz apresentou-se candidata a cadeira 5, deixada vaga pela morte de Cândido Mota Filho. Austregésilo de Athayde era o presidente da ABL, assim como 5 anos antes, assim como o restante dos membros. O país encontrava-se mergulhado em uma ditadura militar tanto em 1970 como 7 anos depois.

O que mudou? Ou melhor, algo mudou?

Depoimentos da época e pesquisas posteriores apontam para a própria persona de Rachel como responsável pela mudança. Amiga dos governos militares, com trânsito fácil entre escritores homens, avessa a movimentos sociais em geral e ao feminismo em particular, Rachel era vista como “um deles” por muitos membros da conservadora Academia. A partir deste posicionamento da autora é possível compreender melhor porque ela foi a escolhida para romper a misoginia longeva daquela instituição.

Desde então, poucas mulheres foram admitidas, apesar do fim das regras contra seu ingresso: Dinah Silveira de Queiroz, em 10 de junho de 1980; Lygia Fagundes Telles, em 24 de outubro de 1985; Nélida Piñon, em 27 de julho de 1989; Zélia Gattai, em 7 de dezembro de 2001 e Ana Maria Machado, em 24 de abril de 2003, Cleonice Berardinelli, em 2009, Rosiska Darcy, em 2013 e Fernanda Montenegro em 2022.

Rachel de Queiroz nasceu no Ceará em 1910, e aos 20 anos lança um livro marcante que marcou o início da sua carreira e notoriedade: O Quinze, primeiro romance de uma trilogia que se completa com João Miguel (1932) e Caminho de pedras (1937). Estas obras, consoante com a produção cultural dos anos 1930, busca dissecar os problemas do nosso país, e no caso, dos males causados pela seca e pela ignorância no nordeste. Com uma linguagem moderna e preocupações contemporâneas, Rachel facilmente encaixou-se no movimento modernista desencadeado na década anterior. Muitos críticos e intelectuais da época, desacostumados a textos densos e engajados escritos por mulheres com tanta competência, desconfiaram da autoria, ainda mais duvidosa por ser de uma mulher tão jovem.

Filiada ao Partido Comunista por um breve período de tempo, a autora subsequentemente afastou-se do campo progressista e acabou por apoiar o golpe militar de 1964 que instaurou nossa mais longa ditadura. Deixou sete romances, todos aclamados pela crítica, inúmeras traduções de autores clássicos, peças de teatro, livros infanto-juvenis e memorialistas; algumas destas obras foram adaptadas para a televisão e o cinema.

As fotografias aqui exibidas registram a posse de Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras e pertencem ao dossiê br_rjanrio_eh_0_fot_eve_13477_d0020de0020, da Agência Nacional.

Leitura recomendada:

de Oliveira, M. E., Freire, M., & Chaves, S. W. F. (2012). Rachel de queiroz: uma mulher à frente do seu tempo. Pontos de Interrogação—Revista de Crítica Cultural2(1), 203-215.

Fanini, M. A. (2010). As mulheres e a Academia Brasileira de Letras. História (São Paulo)29, 345-367.

 

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